terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Retrospectiva 2014: Um ano irregular, mas com qualidade

 
Nesta segunda parte da retrospectiva deste espaço, trazemos as melhores obras do ano no cinema e na televisão. Bem, não podemos dizer que foi um bom ano para estas plataformas. Pouca coisa digna de nota e entre essas produções de qualidade, algumas nem estrearam por aqui. Porém, é sempre divertido fazer uma lista pessoal dos melhores.
O melhor filme do ano, para mim, foi o road movie do diretor Alexander Payne, Nebraska. Com atuações fortes dos veteranos Bruce Dern e June Squibb, o filme foi filmado em preto e branco e tem uma história sensível e bem dirigida. Quem também trouxe uma história que guarda questões complexas em uma narrativa aparentemente simples é Asghar Farhadi, que trouxe para o seu O Passado muito da personalidade que marcou o ótimo A Separação.
Este 2014 também foi aquele onde os grandes diretores mostraram que ainda ditam as regras de qualidade em Hollywood. Martin Scorsese descortinou a loucura do mercado financeiro em uma trama irregular, mas visualmente espetacular e recheada de momentos antológicos com o Lobo de Wall Street. Por outro lado, os Irmãos Coen continuam sem errar no musical Inside Llewyn Davis e David Fincher sempre acerta a mão quando investe em suspenses psicológicos e temos outra grande obra com Garota Exemplar. Por fim, entre os melhores está Richard Linklater, que criou uma obra ambiciosa com Boyhood, sobre a passagem do tempo e suas marcas físicas e emocionais.
O melhor Blockbuster é, sem dúvida, Planeta dos Macacos – O Confronto, que faz jus aos antecessores. Andy Serkis merecia uma inédita indicação ao Oscar pelo trabalho de captura de movimento que faz. E a Marvel colhe os frutos que plantou no planejamento das suas adaptações dos quadrinhos com dois sucessos de público e crítica: O divertido Guardiões da Galáxia e o surpreendente Capitão América 2 – Soldado Invernal
Já em um ano ruim para o gênero de terror, o melhor veio lá da Austrália: The Babadook. A diretora estreante Jennifer Kent reinterpretou o mito do bicho papão em um filme com cara de alternativo, mas extremamente angustiante e assustador. E um austríaco, Tommy Wirkola, dirigiu a película mais retardada do ano: Zumbis na Neve 2. Isso mesmo que o título diz. Um filme de zumbi com muito humor negro e sangue escorrendo para todos os lados.
E o Brasil também continua crescendo quando o assunto é cinema. Se Hoje Eu Quero Voltar Sozinho foi injustamente ignorado pela Academia, mesmo sendo um excelente representante, tivemos outros bons exemplares que foram pouco comentados como Cão sem Dono e Boa Sorte, com a interpretação definitiva de Deborah Secco como uma portadora do vírus HIV.
Por fim, a televisão americana está cada vez mais com cara de cinema e contratou grandes astros e diretores para suas séries. O resultado é que as três melhores são a adaptação do filme Fargo (E atuações instigantes de Billy Bob Thornton e Colin Hanks) e duas séries originais perfeitas do ponto de vista do roteiro e da direção: True Detective (Matthew Mcconaughey e Woody Harrelson, espetaculares) e The Knick (dirigido por Steven Sodenbergh e estrelado por astro Clive Owen). Sem esquecer a adaptação britânica sem erros de Sherlock, que continua magistral (elementar, meus caros).

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Retrospectiva 2014: É, não deu muito certo




Bem, este foi o ano que comecei neste espaço como colunista do DIÁRIO DO PARÁ. Em termos de cinema e séries (além de outros assuntos em menor escala), tivemos bastante assunto para escrever. Assim, decidi não fazer retrospectivas baseadas em listas numeradas, mas resumindo o que considerei os melhores e piores do ano, neste e no próximo artigo. Começo com as obras que, acho, não deram muito certo, foram fiascos de crítica ou decepcionaram os fãs.  
Bem, o pior filme do ano, de longe, é Espetacular Homem Aranha 2. Com mais dinheiro, vilões e efeitos especiais, Marc Webb conseguiu fazer uma continuação muito pior que a primeira aventura do aracnídeo para a nova geração da Internet. O resultado é um filme com roteiro pífio, vilão sem motivação, efeitos capengas e atores ruins (à exceção de Sally Field). Para piorar, temos gancho ainda para uma nova sequência baseada no grupo de vilões do Sexteto Sinistro. Não tenho nem dúvida que será outro grande fracasso.
Depois do sucesso do ótimo Invocações do Mal, era uma certeza que teríamos um filme só para a já icônica boneca Annabelle. Antes não tivesse sido feito. Uma história ruim, uma direção sem direção nenhuma e um elenco de dar dó. Um sofrimento para quem pagou para ir ao cinema ver esta tralha. Espero que James Wan assuma a continuação de vez para que tenhamos algo melhor.
E claro que tivemos ainda o homem que realmente não sabe a hora de parar: Michael Bay. Não só nos deu, sem necessidade, um novo Transformers, como ainda produziu uma nova versão das Tartarugas Ninjas. O primeiro é o mesmo filme de sempre: robôs inúteis, batalhas onde não se enxerga nada, montagem esquizofrênica e mulheres gostosas. O segundo trouxe de volta os quelônios mutantes em uma aventura infantil e idiota. Não entendo como os criadores permitem esse tipo de coisa. Só dinheiro explica.
A televisão americana também teve momentos bem infelizes neste ano. Primeiro, tivemos que aturar mais um ano da superestimada Homeland. Não dá para explicar a atração que os críticos têm com esta série. Muita enrolação, roteiro cheio de buracos e uma protagonista inútil. Outra série cultuada, The Walking Dead começou bem sua quinta temporada, mas se perdeu e entregou um Midseason finale bem ridículo. Assim como Game of Thrones, que passou mais um ano sendo uma série sobre o nada e com muitas falhas, mas superestimada pelos fãs.
Se J.J. Abrams tem o melhor emprego do mundo, sendo o diretor das sequências de Jornada nas Estrelas e Star Wars, o mesmo não pode se dizer das suas produções para a televisão. Revolution foi um fiasco, assim como Almost Human, que prometeu ser uma boa série de ficção científica, mas foi uma bomba tão grande que a Fox cancelou ainda na primeira temporada, deixando a história sem um final. Falando em final, o de Boardwalk Empire foi melancólico. Se a mão de Scorsese salvou a narrativa nas duas primeiras temporadas, as três últimas viraram um samba do mafioso doido. Uma surpresa negativa, pois a maioria da equipe criativa veio da saga da Família Soprano.
Na semana que vem, escreverei sobre o que teve de bom, para mim, nesse período que se encerra nos próximos dias. Dessa vez, deu tudo muito certo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Não há como escapar do mestre Babadook



Em um primeiro momento, The Babadook pode ser confundido com alguns dos filmes alternativos que pipocam aos montes todos os anos nos festivais. Narrativas simples, montagem que alterna entre planos longos e rápidos, planos fechados em pequenos objetos ou gestos do cotidiano. Há também um plano magnífico que acompanha a personagem principal em queda até a cama, despertando de um sonho. Aos poucos e durante longos minutos, descobrimos que esta, Amelia (vivida pela veterana atriz Essie Davis, de Matrix Reloaded), é mãe solteira, após a morte trágica do marido em um acidente de carro. Ela vive reclusa com o filho. Ambos possuem aparências frágeis e parecem doentes. Mas, então percebemos que o que estamos vendo é na verdade uma das experiências mais angustiantes em um filme de terror nos últimos anos.
Toda essa construção narrativa é importante para o que acontece em seguida. A partir do momento em que esta escolhe um livro aleatório para ler ao garoto e fazê-lo dormir, o filme ganha contornos assustadores. A produção australiana tem alguns problemas, principalmente no terço final. A edição fica confusa, deixando o espectador meio perdido e o final é fraco e sem sentido, por apelar para uma surpresa desnecessária e um humor deslocado. Mas vale a experiência da atmosfera criada pela diretora Jennifer Kent, que se mostrou uma estreante talentosa.
A maior qualidade do filme é conseguir manter o monstro apenas sugerido a maior parte da trama. Muitas vezes, não sabemos se ele está realmente se manifestando ou faz parte de alguma alucinação. Nesse sentido, o design de produção é importante, pois é capaz de transformar qualquer sombra em uma ameaça e renovar o conceito clássico do Bicho-Papão. A trilha sonora é simples, mas eficiente. Outro ponto positivo da história é manter o foco apenas nos dois personagens de mãe e filho. Em alguns momentos, realmente tememos pela vida do pequeno, mas é melhor não contar mais para não estragar a experiência psicológica que é assistir ao filme.
Com o bom material em mãos, a diretora mostra claramente as influências da película. Primeiro, possui elementos narrativos de O Iluminado, como o fato de o protagonista ser uma criança e não ficar definido se as manifestações sobrenaturais são reais ou não. Kent consegue até subverter clichês do gênero, como no momento em que determinados personagens aparecem. Em outras produções, suas mortes seriam usados como muletas narrativas, mas aqui não. A obra também tem muitas similaridades com Poltergeist, O Chamado e até de A Entidade (para mim, o melhor filme de terror do ano passado).
Com poucos recursos e um elenco praticamente desconhecido, The Babadook consegue ser mais aterrorizante que outros filmes feitos para terem sucesso, como o fraco Annabelle. Isso graças ao talento da diretora e da história. O veterano diretor William Friedkin (O Exorcista) disse que é “o filme mais assustador que já viu”. O elogio é exagerado, mas com certeza, é a melhor obra de horror do ano. O  E como o próprio livro amaldiçoado diz: “Você não pode fugir do mestre Babadook”, principalmente após assistir a este exemplar da sétima arte.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Que a força da criação esteja com vocês


(Texto originalmente publicado no Diário do Pará, Caderno Você, coluna #DiárioCultural de 02/12/2014)
 
Na última sexta-feira, 28 de novembro, foi lançado o primeiro teaser trailer do próximo filme da nova trilogia de Star Wars, chamado O Despertar da Força. Algumas imagens aleatórias, vislumbres dos sabres de luz, das naves, robôs e personagens, além da trilha marcante de John Williams. Bem, foi o suficiente para acender a empolgação dos fanáticos e dos cinéfilos em geral. Nesse meio tempo, já surgiram diversas teorias sobre a história na internet, além de outros vídeos que pegaram fragmentos do teaser e foram reconstruídos pelos fãs.
Esse burburinho recente causado pela saga de George Lucas é só um fragmento de como que a participação dos chamados “consumidores de mídia” é cada vez mais importante para que determinada obra ou manifestação sobreviva em um mundo virtual repleto de opções. Eles estão ali para criticar em tempo real, dar idéias, criar suas próprias teorias e compartilhar suas opiniões em comunidades fechadas de conhecimento (fóruns, chats, murais, comunidades de redes sociais, etc.). Se na maioria das vezes, esse conhecimento fica fechado entre “membros”, outras esse movimento extrapola o próprio circuito e ganha vida própria. A própria Lucas Arts (de George Lucas), já incentivou e promoveu concursos de melhores histórias de fãs. Algumas viraram curtas metragens disponíveis no Youtube, com qualidade impressionante.
É o que Henry Jenkins, no livro Cultura de Convergência, chama de cultura participativa, baseada em convergênciasaceitas em diferentes meios, onde fragmentos de informações extraídos dos fluxos midiáticos são readaptados para se criar mitologias pessoais ou coletivas. Não é um fenômeno novo. Star Trek, por exemplo, já gerou inúmeros encontros de fãs, que até hoje adotam vestes, gestos e línguas daquele universo espacial. Mas, este ganhou musculatura com a internet. De Matrix a Lost, os produtores aproveitaram muito bem esse fluxo alternativo de informação para expandir suas mitologias. Os irmãos Wachowski, por exemplo, deram apoio a quadrinhos e desenhos animados feitos por artistas fãs, que reinterpretaram aquele mundo e fizeram coisas novas. Outros bons exemplos são os adoradores de sagas como Harry Potter, Game of Thrones e The Walking Dead. São milhares, que adoram, mas criticam na mesma proporção, gerando um tsunami de opiniões.
Muitos, ao invés de se restringir a emitir opiniões, passam à criação. Em 2010, Kevin Tancharoen criou pequenos curtas baseados no universo do game Mortal Kombat. O resultado foi tão profissional que a própria Warner Bros o contratou para fazer uma série oficial online chamada Legacy. O produto final não é tão bom, mas este é um excelente exemplo do universo de possibilidades que os chamados Fanfics (histórias originais criadas por fãs) abrem.
Ainda mais em um período completamente interativo como hoje, onde smartphones, tablets e ambientes de nuvens deram o poder para os indíviduos no fascinante ambiente de massa que é a internet. Por isso, sejam criadores games, livros, séries, filmes e música, só irá sobreviver e crescer nesse ambiente quem souber dar olhos e ouvidos para esse mercado participativo. Ou então, não gerará um mínimo caractere no Twitter.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Quando o sonho esbarra diante da realidade

Texto da coluna desta semana sobre o documentário Jodorowski's Dune, publicado originalmente no DIÁRIO DO PARÁ, caderno Você, coluna #Diário Cultural




No início da década de 1970, um cineasta iniciante chamou a atenção do mun

do ao propor filmes esteticamente desafiadores e narrativamente surrealistas em uma época onde a crueza realidade era a força motriz dos maiores cineasta pelo mundo. O chileno Alejandro Jodorowski havia dirigido dois clássicos do cinema surrealista: o faroeste El Topo e o lisérgico A Montanha Sagrada. O produtor Michel Seydoux ficou tão encantado com a visão de Jodorowski e o sucesso dos seus filmes (A Montanha foi a segunda bilheteria na França em 1972) que prometeu produzir qualquer coisa que este quisesse. Jodo, como era chamado pelos amigos, falou sem pestanejar: Duna, clássico da ficção científica de Frank Herbeth, o qual ele confessou que não tinha lido.
E lá foram dois anos de pré-produção e milhões de dólares gastos para que o diretor conseguisse reunir os “guerreiros”, como ele chamou, para embarcar na sua obras messiânica e que “iria mudar a história do cinema”, como o mesmo disse. E Jodorowski não foi modesto na sua empreitada. Primeiro, conseguiu o apoio de gente como Moebius, Dan o’Bannon, HR Giger e Chris Foss na construção artística dos personagens e cenários, além de David Carradine, Orson Welles e Salvador Dali (!!!) como parte do elenco. Até Pink Floyd ele conseguiu convencer a fazer a trilha. Se tudo se encaminhava para ser um encontro de gênios, segundos os quais o cineasta disse que encontrou ou convenceu como uma “obra do destino”, este mesmo encontro de mentes brilhantes acabou sabotando, em parte, a obra.
E é essa a única falha do documentário Jodorowski’s Dune. O diretor Frank Pavich ficou tão encantado pela figura do diretor, que não questiona em nenhum momento como a megalomania dos produtores e a teimosia e arrogância do cineasta também contribuiram para que a obra não saísse do seu enorme storyboard. A produção prometeu muito ao elenco (é hilário a parte em que eles confessam que Welles só aceitou fazer parte da trama após jurarem que chamariam um chef francês para cozinhar para ele todos os dias), estourou orçamentos e o chileno queria fazer um épico espacial de 14 horas. Acabou esbarrando na visão burocrática dos estúdios, que cancelaram o filme ainda no primeiro dia de filmagens de locações.
 Porém, se nunca veremos esta peróla nos cinemas, ficamos encantados com o documentário ao perceber a paixão de Jodorowski pelo cinema e como este fala sobre suas idéias com brilhos nos olhos. Pavich entrevistou o diretor em inglês e espanhol e nos dois momentos este parece engrandecer ainda mais sua visão de mundo, mesmo que acabe cedendo em alguns momentos ao seu superego. Seu rosto só muda, dando lugar ao rancor quando lembra como foi preterido depois disso e como sua adaptação acabou parando nas mãos de outro gênio surreal, David Lynch, que conseguiu lançar sua visão de Duna em 1984. Mas, como o próprio Jodorowski faz questão de dizer (com certa satisfação), o filme era “horrível e uma obra de produtor”.
Depois, o cineasta acabou escrevendo quadrinhos e levou muitas de suas idéias para a arte gráfica junto com Moebius. Como seu storyboard rodou por toda Hollywood, muitos filmes depois foram influenciados pela narrativa, como o próprio Star Wars e Flash Gordon. O’Bannon e Giger fizeram juntos um certo horror espacial com monstros, Ridley Scott e Sigourney Weaver. O resto é história. Ou melhor, nunca foi uma história.         

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Quando algo fica pelo caminho


(artigo originalmente publicado na coluna #DiárioCultural do Diário do Pará, caderno Você de 18/11/2014)
 

Este artigo contém alguns pequenos spoilers da temporada final de Boardwalk Empire.

O grande problema das séries de televisão é conseguir manter a regularidade da história em uma temporada ou várias temporadas inteiras. No cinema, por exemplo, você tem algumas horas para contar as histórias. Na TV, as produções exigem toda a calma (ou pressa) necessária para fechar suas mitologias. Muitas não conseguem, pois a indústria é cruel com fracassos, e são canceladas abruptamente, sem final. Outras mantêm certo nível de qualidade em seus roteiros e a coerência com sua narrativa.
Mas, algumas séries se perdem pelo caminho e o conceito original se desmancha no ar. Foi o caso de Dexter, que trocou de produtores e assassinou sua reputação depois da quarta temporada. Durou mais quatro, quando não poderia. Ou de Homeland, que permanece no ar como uma nulidade após quatro anos, após prometer muito nos seus primeiros episódios. A trama tensa de gato e rato deu lugar a um amor louco e sem muito sentido.
O que nos trouxe até Boardwalk Empire.  Na estreia, a série chamou a atenção para os nomes dos envolvidos: o criador era Terrence Winter, roteirista conhecido por The Sopranos, além de trazer outros escritores e diretores da premiada série também da HBO, como Tim Van Patten. A produção executiva foi do ator Mark Wahlberg e de Martin Scorsese, que dispensa apresentações. E a trama trazia para os telespectadores o jogo de interesses entre mafiosos e políticos durante a lei seca americana. Sem contar, o talento de Steve Buscemi como o protagonista Nucky Thompson.
Mas, o encanto com a história durou apenas duas temporadas. Apesar de alguns núcleos dispensáveis, a trama era bem amarrada e com boas reviravoltas. O problema veio com a morte de um personagem importante naquele segundo ano. Parece que os roteiristas se perderam completamente. Em seguida, tivemos dois anos regulares, até chegar a este fatídico quinto ano, finalizado há duas semanas.
O que se viu foi uma sequência de tramas desinteressantes e desperdício de um elenco grandioso, com destaques para Michael K. Williams (cujo personagem Chalky nem deveria ter voltado para a série), Jeffrey Wright (que aparece alguns minutos apenas nos oitos episódios) e Michael Shannon. Shannon , aliás, foi o mais prejudicado. Seu Nelson passou de um obstinado e louco agente da lei seca para um mafioso patético e burro.
É inaceitável ainda que você tenha Al Capone e Eliott Ness no seu elenco e não consiga explorá-los decentemente. Capone prometia muito desde o início, mas virou uma figura sem noção, que só fazia gritar, gesticular muito e ameaçar capangas quando aparecia. Nada daquele que se transformou em um dos maiores criminosos do mundo . Já Ness participou de duas únicas cenas aqui. Se quiser saber quem são eles vá assistir o clássico Os Intocáveis, de Brian de Palma. Nem a ascensão no submundo de Charlie “Lucky” Luciano foi bem contada.
Outros personagens como a prostitura Gillian, o chefe da máfia Rothstein e o assassino sem rosto Richard Harrow (vivido pelo ator Jack Huston, sobrinho de Anjelica Huston e neto do grande diretor John Huston) tiveram plots desperdiçados e acabaram mortos ou esquecido, apesar de prometerem bem mais.
No fim, só sobrou mesmo Steve Buscemi, que carregou a trama nas costas e deu dignidade ao anti-herói principal, Nucky Thompson. Buscemi já era um ator conhecido por filmes como Fargo e Armageddon, mas aqui ele teve o melhor papel da carreira e conseguiu transformar um poderoso e amargurado empresário do crime em uma figura tridimensional. Muito pouco para uma série que prometia ser a sucessora natural da história da família Soprano na HBO.  Fica para a próxima.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Nada se cria, tudo se copia

Texto para coluna #DiárioCultural do Diário do Pará publicado originalmente no caderno Você de terça-feira (11/11/2014)).



Filmes de baixo orçamento para pegar carona nas bilheterias de grandes sucessos sempre existiram. A partir da década de 1970, eles se multiplicavam pela Itália, país onde uma série de tosqueiras cinematográficas fizeram sucesso, em um tempo onde não havia internet e os lançamentos e notícias de cinema demoravam a chegar. E tem “readaptações” para todos os gostos: Desde Exterminador do Futuro (que possui uma homenagem até na Tailândia), Tubarão, ET, Star Wars (!!!), até a série de zumbis de George Romero. Ou seja, produtores picaretas pegavam diretores ruins e elencos desconhecidos, copiavam roteiros de filmes famosos e refilmavam na cara de pau, com cenas toscas e efeitos especiais bizarros. Muitas vezes, cenas inteiras dos filmes originais eram “coladas” aqui, o que torna tudo ainda mais absurdo. O resultado ia do péssimo ao divertido. Existe uma versão de Alien em italiano, chamada Contaminação Alien, que é tão idiota que chega a ser engraçada.

Algumas produtoras realmente faziam um trabalho sério com filmes B, como a inglesa Hammer, que ganhou o mundo com versões de monstros clássicos. Outras, usaram o conceito para produzir histórias trashs, mas igualmente originais, como a Troma (cujo criador é um completo maluco chamado Lloyd Kaufmann, mas que deu oportunidade para muita gente que hoje faz sucesso na indústria, como o diretor de Guardiões das Galáxias, James Gunn), sem contar as obras produzidas por Roger Corman (que foi analisado com propriedade pelo jornalista Carlos Eduardo Villaça em sua coluna no Por Aí, aqui do Diário).

Porém, no quesito de maior “homenageadora”, creio que ninguém chega perto da The Asylum. A empresa ficou conhecida pelo sucesso inesperado do péssimo Sharknado (que tem uma continuação saindo por aí), mas já há muitos anos cria coisas absurdas. A sua principal meta é aproveitar sucessos do ano, reunir um elenco de atores decadentes e pronto. Por exemplo, no ano de lançamento de Thor, eles também fizeram sua versão para pegar carona na bilheteria da Marvel. Assim, como na época de Transformers e Guerra dos Mundos, que tiveram cópias toscas lançadas para o mercado mundial. E ainda usaram de todo o cinismo necessário para fazer uma continuação para Titanic, chamada simplesmente de Titanic 2.

A Asylum também é conhecida pelos filmes de monstros e suas respectivas versões versus, como Mega Shark versus Giant Octopus (sério) e Mega Shark versus Mecha Shark, seja lá o que isso signifique. No catálogo da empresa, existem muitos filmes de zumbis, mas a julgar pelo único que vi, Eu Sou Ômega (sim, alternativa para Eu Sou a Lenda, lançada no mesmo ano do filme de Will Smith), é melhor passar longe. Ou então, a outra alternativa é reunir os amigos, a pipoca e rir bastante com o clima tosco que essas obras carregam. Claro, não tem nenhum novo Toxic Avenger aqui, mas pelo menos dá para pesquisar e levar algumas coisas como bons passatempos.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Onde os velhos ainda têm vez



(Texto originalmente publicado no jornal Diário do Pará, caderno Você, coluna #DiárioCultural de 04/11/2014)

Finalmente, na última semana, consegui ver o ótimo filme Nebraska (Nebraska), novo longa de Alexander Payne (Sideways, Os Descendentes). Bruce Dern vive um velho rabugento, que acredita ter ganhado um milhão de dólares em uma promoção de marketing e decide ir atrás do prêmio, em outro Estado, milhares de quilômetros longe de casa. Mesmo sabendo que se trata de um golpe, o filho decide acompanhá-lo, pois este já apresenta sinais de demência. O rapaz (interpretado de maneira bem contida pelo comediante Will Forte) também pretende passar um tempo ao lado dele para entender o porquê de tanta amargura e insensibilidade com os filhos. É um road movie simples, filmado em preto e branco, que extrai o melhor do seu elenco, com destaque para as espetaculares atuações do veterano Dern e June Squibb, como sua impaciente e desbocada esposa (Os dois indicados com justiça ao Oscar desse ano).
O que Payne conseguiu pode ser considerado um êxito, pois ele filmou a história do casal de velhinhos fugindo completamente dos clichês que cercam as atuações reservadas para as atores mais experientes. São relativamente raras as produções que são sensíveis ao abordar a relação da velhice com as limitações físicas e emocionais, além da finitude da vida. Nebraska me lembrou de imediato ao clássico de Ingmar Bergman, Morangos Silvestres (Smultronstället), onde um professor universitário acerta as contas com o passado após uma série de sonhos estranhos e durante uma viagem para receber uma honraria. Em comum, as obras se tornam “filmes de estrada” e têm personagens difíceis de lidar.
A temática do envelhecimento foi a tônica do trabalhos de dois dos maiores cineastas de Hollywood. O primeiro foi Hal Ashby, com o polêmico Ensina-me a Viver (Harold and Maude). Em 1971, Ashby filmou uma peculiar história de amor entre uma idosa e um garoto que tem um estranho fascínio pela morte. Com a sutileza própria do autor, o amor aqui não cai em contornos bizarros, mas o que domina é a delicadeza em uma relação mais matriarcal que física. Hal Ashby dirigiu um dos meus favoritos, Muito Além do Jardim (Being There), sobre o qual falarei um dia nesta coluna.
O segundo diretor a se resignar diante do tempo é Clint Eastwood, só que com menos sutileza. Em Menina de Ouro (Million Dolar Baby), o eterno Blondie mostra-se seco e cruel, em um exercício onde a metáfora do Boxe não poderia ser mais apropriada. Já no apenas bom Gran Torino (Gran Torino), o pistoleiro se redime diante do preconceito racista da sociedade moderna. Por outro lado, em 2012, Michael Haneke jogou na cara do público que a velhice pode ser cruel quando ela quebra uma rotina administrada com todo o carinho e atenção. Amor (Amour) é a melhor obra do austríaco, já acostumado a usar o cinema como um exercício sádico sobre a dor humana. A história do senhor que sofre em ver a mulher se degenerar aos seus olhos é chocante, amarga e os seus gestos de desespero são compreensivos.
De alguma forma, o cinemão americano também costuma dar alguma leveza a histórias sobre velhice. Três bons exemplos são a ótima animação da Pixar UP (UP), o clássico da Sessão da Tarde Cocoon (Cocoon) e o cultuado Conduzindo Miss Daisy (Driving Miss Daisy). Nesses casos, se não podemos lutar contra a passagem do tempo, podemos pelo menos aproveitá-la da melhor maneira possível. Seja a bordo de uma casa de balões, uma nave espacial ou apenas um carro antigo.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Loucura, redenção e morte na cidade grande



(Texto originalmente publicado no Diário do Pará, caderno Você, na coluna #Diáriocultural do dia 28/10/2014)

Era o ano de 2007, que durante o trabalho na Feira do Livro me deparei com uma graphic novel diferente chamada Cidade de Vidro (lançada pela editora Via Lettera). O chamou a atenção, primeiramente, era o nome dos envolvidos na obra: David Mazzucchelli (Batman: Ano Um/Asterios Polyp) e Art Spiegelman (Do espetacular retrato autobiográfico da segunda guerra Maus). Depois, que se tratava da da adaptação de um conto de Paul Auster, um escritor americano de detetives que eu, confesso, nunca tinha ouvido falar. A história faz parte de um livro chamado Trilogia de Nova York. Por fim, o preço era convidativo, pois estava em uma daquelas gôndolas de promoções que as livrarias expõem na feira. Levei para casa e comecei a ler no dia seguinte.
Para minha surpresa, era mais que uma história de detetives. Auster criou um conto urbano triste e surrealista. Um desafio que Mazzucchelli e Spiegelman tiraram de letra. Os dois criaram metáforas visuais belíssimas e transições de páginas elegantes para explorar a mente de um escritor que se isola da cidade após a morte trágica da mulher e do filho pequeno. O personagem escreve histórias encomendadas sobre investigações e criou um pseudônimo, pelo qual confunde sua própria identidade. Até que ele recebe uma ligação enganada para o detetive de sobrenome Auster, cuja missão seria proteger um jovem com problemas mentais da fúria religiosa do pai. Para isso, o escritor decide se libertar de su as próprias angústias, assumindo o avatar enganado.
Só que a situação se mostra mais complexa que ele esperava. O protagonista entra em uma espiral de loucura digna de uma atmosfera kafkiana. Símbolos religiosos (como o mito da Torre de Babel) são usados para estabelecer simbiose com a hipocrisia humana e a falta de diálogos entre as pessoas. Daniel Quinn se envolve tanto com os “clientes” que termina preso no labirinto das suas próprias dores e lembranças. A sequência final é de uma melancolia cortante.
O estilo de escrita de Auster na HQ divide os dois pés entre o fantástico e a crueza da realidade, como James Ellroy e Raymond Chandler, que são conhecidos por suas adaptações ao cinema. Ellroy escreveu o ótimo livro Los Angeles – Cidade Proibida, adaptado e dirigido por Curtis Hanson. Já Chandler escreveu em Hollywood alguns dos mais populares filmes Noir, como Dália Negra (clássico de 1946, que ganhou uma refilmagem insossa de Brian de Palma) e Dupla Identidade.
Por tudo isso, Cidade de Vidro pode ser considerado um clássico da arte sequenciada. Mais que bom quadrinho, é bom cinema. Algumas páginas parecem criar planos sequências imaginados por um híbrido cinematográfico de De Palma e David Lynch. Em outras, a história quebra a própria barreira das Hqs e o desenho se “espalha” pelo espaço todo, como uma moldura de um belo quadro. Um clássico dos quadrinhos, que poderia ser chamado também de bom cinema e excelente literatura.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Não vá à cozinha de madrugada

(Texto originalmente publicado no Diário do Pará, caderno Você, coluna #DiarioCultural de 21/10/2014)


            Desde a estreia de do eficiente Sobrenatural (Insidious) em 2012, os filmes com histórias de casas mal assombradas (ou os Ghost Houses) voltaram a fazer sucesso, graças à fórmulas simples que seguem, que atraem sempre público e crítica e não exigem orçamentos vultuosos. Basicamente são roteiros de fantasmas que se passam em locais pequenos, geralmente casarões antigos, carregados de pequenos sustos, trilha sonora de tensão e, claro, angústias provocadas nos personagens, geralmente famílias com filhos pequenos.
            Nesses casos, o desafio é manter o interesse na narrativa até o final, além do diretor conseguir trabalhar em planos fechados quase o tempo todo. E eles têm conseguido, principalmente James Wan, que dirigiu Sobrenatural e o ótimo Invocação do Mal (que virou um sucesso imediato), além de produzir o atual Annabelle (Annabelle), sobre a apavorante boneca de pano. Em comum, as histórias partem dos casos investigados pelo casal de paranormais Ed e Lorraine Warren, que inclusive participam dos filmes como personagens fictícios. Mas, muitos anos antes, a dupla já teria um caso famoso adaptado: Terror em Amityville (The Amityville Horror)  Clássico de 1979, teve inúmeras continuações ruins e uma refilmagem sem graça. Também fazem parte da nova safra o excelente A Entidade  (Sinister), o melhor de terror de 2013 e o tolo Atividade Paranormal (Paranormal Activity)
Os mais antigos que me lembro são A Casa dos Maus Espíritos (House on Haunted Hill), de 1959, um ótimo exemplar do gênero com Vincent Price e Desafio do Além (The Haunting) , do diretor Robert Wise ( também dirigiu de um dos meus filmes de terror favoritos: O Túmulo Vazio). O início dos anos de 1980 produziram dois clássicos absolutos para os cinéfilos: O indiscutível O Iluminado (The Shinning), obra prima de Stanley Kubrick e o surpreendemente Poltergeist, o Fenômeno (Poltergeist). Outro que sempre está na lista dos melhores é o “terrir” A Morte do Demônio (Evil Dead).Misturando comédia com horror ainda temos os ótimos A Casa do Espanto (House) e Os Fantasmas se Divertem (Bettlejuice), que despertam uma certa nostalgia também dos anos 80 e o bizarro O Segredo da Cabana (The Cabin in The Woods).
Outros bons exemplares cinematográficos para tomar sustos são 1408 (1408), também baseado em livro do escritor Stephen King (assim como O Iluminado e Rose Red, A Casa Adormecida ) e Sessão 9 (Session 9), um obscuro, porém ótimo exercicio de estilo de Brad Anderson. De diretores espanhois temos Os Outros  (The Others), que por sinal, é uma refilmagem de Os Inocentes (The Innocents) e o O Orfanato. O primeiro de Alejandro Amenábar e o segundo, do diretor Juan Antonio Bayona. Bem, com essas dicas é só preparar o espírito, literalmente, para ter bons sustos e depois não esquecer as regras do gênero: Não vá à cozinha de madrugada, não abra armários, e principalmente, não olhe debaixo da cama.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

A febre dos desenhos animados


(Texto originalmente publicado na coluna #DiárioCultural do caderno Você, no Diário do Pará, edição de 14/10/2014)

Dois desenhos animados têm sido sucessos de público e crítica, digamos assim, este ano: Peppa Pig e Hora da Aventura. Apesar de tão diferentes e destinados para públicos diversos, eles ilustram o fascínio que este tipo de obra ainda causa nas crianças, jovens e  - por que não? – em adultos.
Peppa é a nova moda entre os pequeninos e narra a história de uma porquinha rosa, simpática e questionadora, em diversas aventuras cotidianas com a família. É o tipo de desenho educativo que tem se multiplicado, graças ao crescimento das assinaturas de TV a cabo e o sucesso do Netflix, como a dupla Diego e Dora Aventureira (que meu filho adora), Super Fofos e Pocoyo. São seriados que ensinam, atravésde roteiros de aventura, matérias sobre Matemática, português, além de valores como ética e amizade. São altamente indicados para as crianças, naquela hora de folga entre a escola e as brincadeiras com os pais.
Já a Hora da Aventura, faz parte de um gênero de desenho que não se define para que público é destinado. Os traços são infatilizados, mas os roteiros surpreendem pelo tom lisérgico e subversivo. É um tipo de humor que mistura Phineas e Pherb com Family Guy, com menos sutileza que Os Simpsons e menos perversão e e escatologia que South Park. Finn e seu cão Jake descobrem um mundo louco habitado por todo tipo de personagem tirados de uma viagem de LSD. Quem acusa o mesmo de ser politicamente incorreto esquece de como eram estranhos os antigos, como Pica-Pau, Pernalonga, Tom e Jerry e Caverna do Dragão. Era um festival de cenas de violência, traições, mortes, que poderiam ter traumatizado uma geração de crianças, o que não foi o caso.
Mas, o ponto é que desde os anos de 1950, quando a televisão invadiu os lares, as gerações têm seus desenhos animados de preferência e, geralmente, de qualidade. Desde as Aventuras de Tim-Tim, A Pantera Cor de Rosa, Popeye, Os Jetsons, Flintstones, Gato Felix, Johnny                Quest e Space Ghost até as excelente adaptações de quadrinhos, como Batman e X-men (os dois dos anos 90), As Tartarugas Ninjas, He-Man e a Patrulha Estelar. Na minha memória, também ficaram obras divertidas, como Animaniacs, Ducktales, Speed Racer, Thundercats, Swat Kats e Comandos em Ação.
Cada época tem seus desenhos favoritos. Alguns permanecem no ar por décadas e décadas nos canais abertos e, principalmente, em canais infantis da televisão fechada. Muitos também estão com licença liberada na internet. Assim, você pode, sempre que quiser, sentir o clima nostálgico de infância que um bom desenho traz. 

Verhoeven
Tema da minha primeira coluna aqui no DIÁRIO, Paul Verhoeven volta a ser homenageado e exibido em Belém. Nesta quinta-feira (16 de outubro), o Cine CCBEU exibirá Instinto Selvagem, a obra mais famosa do holandês maldito. A sessão será ás 18h30, no cine teatro do CCBEU, que fica na travessa Padre Eutíquio, 1309. A entrada é franca e vale a pena conferir suas obras na tela grande.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

“Cara, eu nem sequer tenho uma opinião”

(Texto originalmente publicado na coluna #Diário Cultural do caderno Você, no Diário do Pará, dia 30/09/2014)


No dia 23 de setembro de 1994, os cinemas americanos estrearam um filme de um novato (com apenas um filme espetacular no currículo, Cães de Aluguel). No cartaz de divulgação, uma jovem Uma Thurman, deitada, fumando um cigarro e um layout inspirado em livros baratos. O novo cineasta em questão era Quentin Tarantino e a obra, a cultuada Pulp Fiction. Apesar de criar outros tantos filmes excelentes (à exceção é um segmento tolo do filme Grande Hotel), esta ainda é considerada sua obra-prima e seu ápice criativo.
Nesse caso, foi fascinação à primeira vista. Para vocês terem uma idéia do impacto que o filme causou na minha base cultural cinéfila, ele foi o tema principal do meu trabalho de conclusão de especialização em Semiótica, onde tentei estabelecer a relação entre a visualidade do cinema de Tarantino com uma estética pós-moderna (a partir do conceito de estética, como palavra derivada do grego aisthésis que significa percepção, sensação).
            E a conceituação teórica não é aleatória. Pulp Fiction traz várias características que estabelecem esta como uma obra pós-moderna: há uma tendência ao Pastiche (uma espécie de homenagens caricaturais à outras obras), a perda do referencial tempo-espaço, a crise de identidade do sujeito e a desconstrução da narrativa, super-criada pelos signos visuais, encarados como conceitos e percepções.   
            Como um apaixonado por cinema, Tarantino soube recuperar bem os traços estilísticos daqueles que seriam seus filmes e cineastas favoritos e incorporar à sua própria estética. Os traços estão por toda parte: dos clássicos Noir até os exageros no figurino e musicais dos blaxploitations (filmes policiais e de ação feitos e protagonizados por negros), sob o manto de cineastas como Sam Peckimpah, Sergio Leone, Louis Malle e Samuel Fuller.
            O roteiro, escrito à quatro mãos com Roger Avary, se abre em três histórias, que se autorelacionam, num vai e vem de flashbacks e flashforwards, e dão à violência um tom de catarse e aceitação da mesma. Tudo isso, assim como em Cães de Aluguel, com diálogos curtos e triviais (que envolvem assuntos como quarteirões com queijo, maionese na batata frita e milkshake de 20 dólares). E a edição da competente Sally Menke, deixa mais evidente essa construção de cenas sem consequência, sem causa e de reflexão difusa, tudo isso e mais a  trilha sonora  unindo Rock, Folk, Country, Blues e Surf Music (Neil Diamond, Chuck Berry  e Al Green, além do mestre supremo Ennio Morricone).  
            Com tudo isso, fica bem claro que teríamos um filme memorável (mesmo em um ano recheado de bons filmes, como o clássico Um Sonho de Liberdade e o razóavel, mas cultuado, Forrest Gump). Como sempre faz, Tarantino extrai o melhor do seu elenco e ressuscita carreiras em baixa, como Travolta e sua memorável atuação como Vincent Vega, e é especialista em criar cenas inesquecíveis, entre elas a dança no clube anos 60 e o estupro no porão, com direito a sadomasoquismo, Bruce Willis e espada ninja. O resultado: Quentin Tarantino levou a palma de ouro em Cannes, o Oscar de roteiro original e deixou uma obra que ficará para sempre no imaginário da sétima arte. 

 Para o blog, minha cena favorita: 

http://www.youtube.com/watch?v=jYID_csTvos

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Séries para você começar a gostar de séries:

(Texto originalmente publicado na coluna #Diário Cultural do Diário do Pará, caderno Você, do dia 23/09/14)

Eu gosto de fazer listas. Como ainda não tinha feito nenhuma aqui para a coluna, resolvi criar uma com um dos meus assuntos favoritos por aqui: as séries de televisao. Nesse caso, fiz um pequeno apanhado de séries já terminadas (ou seja, que tiveram suas temporadas todas exibidas), que podem ser acompanhadas em sessões múltiplas, já que são altamente viciantes, do início ao fim. 

É importante frisar que é uma lista bem pessoal daquelas obras que acompanhei inteiras ou a maioria dos episódios. A lista também não tem uma ordem de preferência. Todas são admiradas por este colunista em seu gênero específico ou qualidades próprias. 




Arquivo X – A mais famosa obra de ficção científica que popularizou o conceito de mitologia em séries e também o uso de episódios procedurais (aqui chamados como Monstros da Semana). A trama principal sobre alienígenas e conspirações do governo é ótima e as histórias soltas não ficam atrás. Tem para todos os gostos: magia negra, religião, monstros, experimentos científicos e todo tipo de bizarrice. Uma clara homenagem ao nosso próximo da lista.

The Twilight Zone – A série-mãe de todas aquelas de horror e Sci-fi. Contando com episódios curtos e fechados, a obra influenciou toda uma geração de roteiristas, produtores e diretores de cinema e televisão. É tão boa que seria praticamente impossível separar os melhores episódios. Porém, o meu favorito ainda é “Time Enough at Last”, sobre um bancário que só queria ter tempo para ler livros.

Lost – Um fenômeno de audiência e de discussões na internet, Lost encheu a tela de mistérios durante suas seis temporadas. Muita gente torce o nariz para a série por ter se perdido, literalmente, após a terceira temporada. Não é o meu caso. Se você não é do tipo que espera tudo “muito explicadinho”, embarque nesta viagem sem medo.

Monty Python’s Flying Circus- A série do grupo de humor inglês dispensa apresentações. Assista aos episódios "The Funniest Joke in the World” e “Dead Parrot” e seja feliz.

Seinfeld – Outra que é tão aclamada que não existem adjetivos positivos a usar que ainda não tenham sidos empregados para descrevê-la. É a melhor coisa sobre o nada já feita. Entre o apartamento de Jerry Seinfeld e as locações externas, muitas situações absurdamente cômicas.

Arrested Development –Anárquica, debochada e sem noção, a história de uma família completamente disfuncional te pega pelo pé e não larga mais. As referências Pop, o apelo documental e os diálogos geniais fecham  o pacote. Não há um episódio ruim em Arrested Development, que foi salva pelo Netflix sete anos depois de cancelada.

Breaking Bad – Nenhuma produção conseguiu atrair tanta curiosidade quanto esta, nos últimos anos. Talvez seja o roteiro excepcional. Ou a direção de arte. Ou o elenco (Brian Cranston, formidável). Ou as cenas de violência. Ou tudo isso. Ou alguma coisa a mais que não conseguimos explicar.

OZ – Aqui temos três exemplos da coragem da HBO em produzir séries de qualidade. A primeira se passa em um presídio de segurança máxima, onde a maldade reina. Sexo e violência em doses extremas, mas com uma trama que consegue ser envolvente, mesmo presa em paredes e grades. 


The Wire e The Sopranos – Simplesmente as duas melhores séries já produzidas. A primeira, mostra a 
investigação policial da ligação entre o tráfico de drogas e todas as estruturas de poder, sem apelar para maniqueísmos e com os dois pés fincados na realidade. Já Sopranos  é um clássico absoluto. Trilha sonora, elenco, roteiro, figurino. Não há nada fora do lugar aqui. A sensação é de um filme cult sobre a máfia assistido por episódio. Para ver saboreando todos os detalhes.