quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Corpos Ardentes




O Oscar não serve exatamente como parâmetro de qualidade, já que não devemos esquecer que a indústria é movida pelo lobby e marketing e, por isso, sempre cometeu injustiças. Por outro lado, é um indicativo de como o cinema comercial se vê e o que ele espera dos espectadores.  As mudanças mais significativas estão no destaque maior em histórias sobre diferenças sociais e abordando temas como racismo (Corra!). Além é claro, de abrir portas para o protagonismo feminino na direção (Greta Gerwig concorre com Lady Bird).
Em 2018, há um caso que talvez seja o amálgama de tudo isso: Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name). Um roteirista veterano (James Ivory, baseado no livro de André Aciman) se junta a um experiente diretor (Luca Guadagnino) e criam uma obra, ao mesmo tempo, singela e dura. Crua e fantasiosa. Ao abordar a relação intensa que surge entre um pesquisador e o filho de um professor universitário, que o hospeda em sua casa, na Itália, o filme exala erotismo e paixão por todos os poros, sob o intenso sol do verão italiano da década de 1980.
Não é fácil se envolver pela narrativa. A construção lenta, com poucos diálogos, só funciona se você conseguir acompanhar, aos pedaços, cada movimento dos personagens e suas relações com o ambiente. Há ainda uma certa arrogância intelectual no ar, que sacrifica o envolvimento pessoal do espectador, mas o mantém desperto, como um antropólogo curioso diante da descoberta de um monumento histórico.
Guadagnino mantém a direção firme em suas mãos, seja nos planos aberto, onde a paisagem se sobressai, seja na aproximação quase carnal da câmera nos corpos em exposição. E a metáfora com as curvas das esculturas gregas e as silhuetas em forma dos atores e atrizes não passa despercebida. O diretor se cerca da fotografia calorosa de Sayombhu Mukdeeprom e a trilha agridoce de Sufjan Stevens para decretar suas libidinosas, mas legítimas, intenções temáticas.
É preciso destacar ainda o corajoso entrosamento entre os protagonistas vividos por Armie Hammer (que quase estragou sua carreira com o horroroso Cavaleiro Solitário) e Timothée Chalamet. Se o primeiro consegue atravessar uma persona charmosa e antipática e transformá-lo em um ser humano cheio de dúvidas, é Chalamet que segura a obra com uma atuação brilhante, transmitindo com o olhar ou pequenos gestos corporais toda a dúvida, raiva, medo e felicidade de um jovem que está se descobrindo, como um músico ao construir uma canção, nota por nota. Para finalizar, é quase impossível ficar indiferente ao monólogo final de Michael Stuhlbarg (grande ator que merece maior reconhecimento) sobre a vida e o amor.

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