Pipoca com Jambú

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Um é pouco, dois é bom, três é demais



Há certa “mania” em Hollywood quando a questão é a sequência de filmes de sucessos, as chamadas Parte Dois. Os roteiros tendem a aumentar demais os conflitos, personagens e, dependendo do tipo de filme, as referências aos gêneros em que se enquadram. Há muitos exemplos: Alien, De Volta para o Futuro, Os Caça-fantasmas e quase todos os filmes da Marvel.
E Deadpool 2 (2018) não foge à regra. Tudo aqui é muito superlativo em relação à obra original, de 2016. Há muaitos heróis e cenas de ação e até a duração é maior. Felizmente, o roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick entende isso e consegue incluir ótimas sequências de humor e diálogos, que se autosabotam e tira sarro de tudo que aparece pela frente.
Quando digo de tudo, é de tudo mesmo. Da própria Fox (estúdio produtor do filme), dos concorrentes, como a DC e a produtora Marvel (que ainda não teve o processo de fusão aceito nos EUA), e do próprio elenco, que embarca na brincadeira com gosto (há várias participações especiais divertidíssimas, inclusive uma no estilo piscou-dançou), além de gags visuais inspiradas, como a que envolve uma série de mortes em sequências.
Os atores, é claro, não deixam por menos. Josh Brolin, mesmo fazendo um personagem atormentado, parece que vai cair na risada a qualquer momento. E Zazie Beetz (da ótima série Atlanta) é uma boa adição ao elenco, com talento e carisma. Já o protagonista, Ryan Reynolds, novamente se desprende de qualquer ego para parodiar a si próprio o tempo inteiro, inclusive com uma excelente cena pós-credito.
Sem esquecer ainda que Deadpool continua quebrando a quarta parede para falar com o público, que deve se entusiasmar com as homenagens aos quadrinhos dos X-Men dos anos 80/90, período em que o criador do mercenário tagarela, Rob Liefeld, dominou as artes sequenciais, com músculos exagerados, porradaria sem fim e pouca história, motivo de controvérsias até hoje entre os fãs de HQs.
Porém, diferente do primeiro filme, que era mais ágil e direto, aqui há um claro problema de ritmo, deixando o trabalho cansativo em alguns momentos. E o diretor David Leitch não tem o mesmo talento de Tim Miller para os efeitos especiais. Estes claramente pioraram bastante aqui, com o excesso de CGI ruim distraindo bastante. Em Atômica (2017), Leitch cria boas sequências de ação, mas em Deadpool não consegue manter a regularidade. Há excesso de cortes bruscos e planos ruins, que impedem de entender muito bem o que acontece na tela, sendo mais um exemplar da escola Michael Bay de “como ficar perdido com o que está acontecendo”.
Apesar disso, Deadpool 2 ainda é uma experiência divertida e fugaz de se ver no cinema, e deixa ganchos para que a X-Force tenha seu próprio mundo cinematográfico. Talvez seja melhor assim, pois como o próprio personagem diz, dois filmes já estão de bom tamanho...E que esta não se torne uma franquia que se perde com o tempo.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Na onda do movimento



Assim como escrevi sobre Moonlight, as primeiras ideias que vieram na minha cabeça ao assistir Para Ter Onde Ir (2018) foram as metáforas sensoriais relacionadas à água. A veterana diretora paraense Jorane Castro usa o líquido, assim como as estradas, como símbolos semióticos relacionados à vida e aos fluxos de consciência. Da primeira à última cena, os conflitos iniciam e se encerram entre rios. O que temos aqui é um road movie sobre amores líquidos, em total concordância com as teorias de Zygmunt Bauman.
A história se concentra na jornada de autoconhecimento de 3 personagens: Eva, uma prática (profissional que orienta navios próximos de portos) experiente, responsável e decidida; Melina, uma jovem estudante idealista e Keithylennye, uma dançarina pobre de tecnomelody, que largou a noite para cuidar da filha. São mulheres com personalidades diferentes, mas que se completam e se entendem na troca de diálogos, olhares e gestos de empatia e carinho.   Jorane sabe a força que as mulheres do filme têm e concentra o olhar da câmera diretamente nelas, suas individualidades e desejos.

Por isso que a maioria das pessoas que surgem no meio da jornada, principalmente os homens, não têm identidade, escondidos sobre luz e sombras. Há duas exceções, estabelecendo paralelos sobre núcleos familiares, quando decidem dar uma carona a uma desconhecida e o encontro final entre mãe e filho. Importante notar ainda que ela não julga suas personagens. É uma decisão acertada não explicar como o trio se conheceu, por exemplo, já que não é importante para a narrativa. Assim como não perde tempo com ponderações morais sobre passados conflituosos ou desejos sexuais.

“Ancorada”, claro, por um elenco bem entrosado. Lorena Lobato (“O Cheiro do Ralo”, de Heitor Dhalia) consegue, com poucos gestos e palavras, exalar toda a angústia pessoal da protagonista Eva. Já Ane Oliveira transmite um ar jovial e cheio de dúvidas para Melina no ponto certo.  E tem uma grande revelação aqui: Keila Gentil, doce e solar como Keithy. É uma personagem difícil, que poderia cair facilmente em um clichê de pobre “barraqueira”, mas que sob a pele da vocalista da Gang do Eletro transmite uma força contagiante, no amor da filha, no conflito com o pai dela ou nos palcos psicodélicos das aparelhagens.  

A trilha sonora é deliciosamente brega e popular. Do som “ambiente”, com o melody transbordando pelas frestas das casas e bares, até a calmaria de algumas notas de violão do músico Ramon Rivera, a música se encaixa nas cenas com muita naturalidade. A sequência da cantoria no carro com “Amor, Amor” é a minha favorita desde já. A cineasta se cercou de gente competente do cenário cultural paraense (90% da equipe técnica é local) e nacional, desde a supervisão musical (de Marcel Arêde e da Gang do Eletro, com músicas de Lia Sophia, Felipe Cordeiro e Iva Rothe), passando pela direção de arte (de Rui Santa-Helena, profissional também do Pará) até o trabalho de veteranos da cena brasileira, como o diretor de fotografia Beto Martins, que aproveita a bela luz natural de Salinas para estabelecer as cores e iluminação da obra.

Por tudo isso, temos aqui um ótimo exemplo de convergência cultural, entre o lirismo de uma boa história, os cenários urbanos e naturais do Estado, e a música multifacetada da cena local. Para Ter Onde Ir estreia nos cinemas na próxima quinta-feira, dia 10 de maio, e tem produção da Cabocla Filmes, REC e O2 Play. Prestigiem o cinema paraense.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Fúria de Titãs



Em 2008, com paciência e planejamento, a Marvel decidiu que era hora de trilhar o próprio caminho no cinema e começar a arrecadar “alguns” bilhões de bilheteria. Iniciou com Homem de Ferro, que nem de longe era o personagem mais famoso da editora, mas tinha como trunfo ser uma experiência pioneira, além de Robert Downey Jr, o Tony Stark em pessoa. Um passo ambicioso para quem, anos antes, chegou a declarar falência e vendeu os direitos de muitos dos seus heróis para outros estúdios, como Fox e Sony, que não trataram bem essas criações (há exceções honrosas, como os primeiros X-Men, Deadpool e Logan). Era o momento de investir nos que sobraram e criar um universo próprio.
10 anos depois e 18 longas no currículo, a produtora é só sorrisos. Fez algumas coisas mais duvidosas, claro (Thor – Mundo Sombrio, Homem de Ferro 3). Mas no geral, o saldo é mais que positivo. E Vingadores – Guerra Infinita (Infinity War, 2018) é a grande culminância desse projeto bem-sucedido. Mas que isso, é uma homenagem aos leitores de quadrinhos com mais de 30 anos. Tem crossovers, lutas sincronizadas, atos grandiosos, sacrifícios. Quem passou a infância fascinado com a era de prata das Hqs sai do cinema com lágrimas nos olhos.
Arrisco dizer ainda que é o filme-evento da década, como Star Wars, Matrix e o Senhor dos Anéis já foram um dia. Um grande blockbuster que agrada a quase todos e redefine os padrões para os campeões de bilheteria. Mas tudo isso iria por água abaixo se a produção fosse ruim e apenas colagem de cenas aleatórias de ação (sim, Liga da Justiça, estou olhando pra você). Entretanto, a direção dos irmãos Anthony e Joe Russo é correta, as lutas são bem coreografadas e o roteiro (também de uma dupla: Christopher Markus e Stephen McFeely) é ótimo por conseguir amarrar todas as subtramas e os mais de 50 personagens (!!!), dando espaço e motivação para todos. Sim, tudo funciona como uma grande engrenagem, com espaço para ação, drama, romance e muito humor.  
A Marvel foi bem corajosa em dar carta branca para Markus e McFeely subverter alguns cânones da mitologia cinematográfica e fazer sacrifícios pelo bem da narrativa. Dizer algo mais é dar spoiler, diminuindo o impacto do final e da cena pós-crédito.  A trilha sonora melhorou bastante e é épica no ponto certo. Os efeitos especiais são bem feitos, principalmente relacionado ao CGI dos vilões.
Falando em vilões, também nada serviria se o principal deles, aquele que vem cercando o universo Marvel desde Vingadores 1, não desse certo. Mas dá muito. Isso porque, novamente, os roteiristas apostaram na carta certa. Thanos é ameaçador, carismático e tem uma motivação, que apesar de incorreta, é justificável (como Killmonger tinha em Pantera Negra, outro ótimo antagonista).  Guerra Infinita gira em torno dele e seus atos e Josh Brolin carrega o personagem nas costas com maestria.
Apesar dos efeitos visuais carregarem o rosto e corpo do titã louco, Brolin consegue liberar nuances interpretativas no olhar, gestos e voz. Nada de risadas histriônicas ou gestos forçados. Dá pra perceber quando ele está com raiva, dúvida ou curioso nos pequenos detalhes. E perceber isso é extremamente satisfatório para quem gosta de ver um grande ator em cena. Cito outro destaque: Thor, que finalmente é o Deus que esperamos dele, com as melhores cenas de pular da cadeira e vibrar (e Chris Hemsworth, quem diria, cortou a canastrice junto com suas longas madeixas).
Guerra Infinita é tudo que esperamos – ou não – de um épico da Marvel e que nos deixa já ansiosos para a próxima edição, desculpa, produção, daqui a um ano. Só faltou um “continua” no fim da página. Jack Kirby, do seu trono no paraíso da arte sequenciada, deve estar orgulhoso.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Corpos Ardentes




O Oscar não serve exatamente como parâmetro de qualidade, já que não devemos esquecer que a indústria é movida pelo lobby e marketing e, por isso, sempre cometeu injustiças. Por outro lado, é um indicativo de como o cinema comercial se vê e o que ele espera dos espectadores.  As mudanças mais significativas estão no destaque maior em histórias sobre diferenças sociais e abordando temas como racismo (Corra!). Além é claro, de abrir portas para o protagonismo feminino na direção (Greta Gerwig concorre com Lady Bird).
Em 2018, há um caso que talvez seja o amálgama de tudo isso: Me Chame Pelo Seu Nome (Call Me By Your Name). Um roteirista veterano (James Ivory, baseado no livro de André Aciman) se junta a um experiente diretor (Luca Guadagnino) e criam uma obra, ao mesmo tempo, singela e dura. Crua e fantasiosa. Ao abordar a relação intensa que surge entre um pesquisador e o filho de um professor universitário, que o hospeda em sua casa, na Itália, o filme exala erotismo e paixão por todos os poros, sob o intenso sol do verão italiano da década de 1980.
Não é fácil se envolver pela narrativa. A construção lenta, com poucos diálogos, só funciona se você conseguir acompanhar, aos pedaços, cada movimento dos personagens e suas relações com o ambiente. Há ainda uma certa arrogância intelectual no ar, que sacrifica o envolvimento pessoal do espectador, mas o mantém desperto, como um antropólogo curioso diante da descoberta de um monumento histórico.
Guadagnino mantém a direção firme em suas mãos, seja nos planos aberto, onde a paisagem se sobressai, seja na aproximação quase carnal da câmera nos corpos em exposição. E a metáfora com as curvas das esculturas gregas e as silhuetas em forma dos atores e atrizes não passa despercebida. O diretor se cerca da fotografia calorosa de Sayombhu Mukdeeprom e a trilha agridoce de Sufjan Stevens para decretar suas libidinosas, mas legítimas, intenções temáticas.
É preciso destacar ainda o corajoso entrosamento entre os protagonistas vividos por Armie Hammer (que quase estragou sua carreira com o horroroso Cavaleiro Solitário) e Timothée Chalamet. Se o primeiro consegue atravessar uma persona charmosa e antipática e transformá-lo em um ser humano cheio de dúvidas, é Chalamet que segura a obra com uma atuação brilhante, transmitindo com o olhar ou pequenos gestos corporais toda a dúvida, raiva, medo e felicidade de um jovem que está se descobrindo, como um músico ao construir uma canção, nota por nota. Para finalizar, é quase impossível ficar indiferente ao monólogo final de Michael Stuhlbarg (grande ator que merece maior reconhecimento) sobre a vida e o amor.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O Discurso do Rei





Em uma entrevista na última semana, o todo-poderoso presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, disse que Pantera Negra (Black Panther, 2018) é o melhor filme já feito pela empresa. A empolgação tem fundamento. A verdade é que Pantera Negra é tudo que se esperava dele e mais um pouco. Ryan Coogler (dos ótimos Fruitvale Station e Creed) sabe exatamente o que se espera de um personagem assim. Ele é forte e representa a luta dos negros por espaços sociais e culturais que lhes foram negados ao longo dos séculos.
Para isso, Coogler buscou muitas inspirações,  misturando História e Modernidade da África para criar o reino de Wakanda, como se fosse um território próprio no continente africano. O design de produção, figurinos e trilha sonora (de Kendrick Lamar) criam uma estrutura de comunidade orgulhosa de fazer parte do continente-mãe. Tudo bonito, colorido e cheio de rituais de iniciação e amadurecimento.
Falando em amadurecer, Coogler também escreveu o roteiro mais completo entre aqueles que seguem a “Fórmula Marvel” do cinema. A jornada do seu herói não apenas é adequada, como temos um vilão tridimensional. O embate entre T’challa (Chadwick Boseman, o carisma em pessoa) e Killmonger (Michael B. Jordan, em performance magnética)  é, simbolicamente, o confronto entre visões de mundo dicotômicas, mas igualmente justificáveis. Por isso, apesar de repudiarmos as ações do anti-herói, somos capazes de compreendê-las, o que é fundamental para desenvolvermos uma ligação com ele e criarmos empatia, por outro lado, com o protagonista. O monólogo final é digno daquele na chuva em Blade Runner.
Se não bastasse, temos personagens coadjuvantes com comportamentos e arcos bem definidos. Sabendo que precisaria de atores que dessem conta disso, o diretor os selecionou a dedo. Reunir veteranos do naipe de Forest Whitaker e Angela Basset com revelações do nível de Daniel Kaluuya (indicado ao Oscar por Corra!) e Sterling K. Brown, é para vencer de goleada. Entretanto, são as mulheres negras que tomam a tela para si. Lupita Nyong’o, Letitia Wright e Danai Gurira transbordam personalidade como guerreiras honradas, inteligentes e decididas. Okoye é, agora, minha adaptação de heroína favorita da tela grande.
Somando todas as qualidades e sua importância para a representatividade dos negros, Pantera Negra é um tiro certeiro da produtora que, mesmo – obviamente - visando lucro, consegue tratar de temas caros a estes, como escravidão, exclusão cultural e racismo, sem parecer complacente. E imaginem a importância disso para as crianças negras, que se veem totalmente representadas em uma aventura de sucesso nas bilheterias? A cena final, com uma pergunta direta (Quem é você?) e um sorriso de “Eu sou você amanhã”, responde totalmente à questão.