segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Há um novo rei nas telas



Li que Vladimir Brichta não era a primeira opção para ser o personagem-título de Bingo – O Rei das Manhãs (2017). O papel estava reservado para Wagner Moura, que por problemas de agenda, teve de dispensar o papel, indicando o amigo. E o destino foi certeiro: Brichta está simplesmente fabuloso como o alter-ego fictício de Arlindo Barreto (aqui chamado Augusto Resende), que ficou famoso na TV como o palhaço Bozo (trocado de nome por causa dos direitos autorais) e acabou afundando sua carreira em uma espiral de sexo e drogas, até se “reencontrar” como pastor evangélico.
O galã incorpora os trejeitos de Bingo, entre o clown e o cínico, nas falas, gestos e no próprio semblante. É engraçado, charmoso e desbocado na medida certa. E nos momentos mais dramáticos, como na relação com o filho (Cauã Martins, uma revelação) e com a mãe, uma ex-diva do cinema (Ana Lucia Torre), o trabalho também soa natural. Uma interpretação digna de prêmios e eu torço para que a obra tenha carreira internacional. Temos de destacar ainda o trabalho de Leandra Leal, como Lúcia, a diretora evangélica do programa e Augusto Madeira, engraçadíssimo como o cameraman e amigo de farra de Resende.  E não podemos deixar de citar a homenagem não-intencional a Domingos Montagner, que morreu no ano passado e faz uma participação especial como um experiente palhaço de circo, onde começou sua carreira.
A história pitoresca é o veículo certo, ainda, para a estreia na direção do experiente editor Daniel Rezende (responsável pela montagem de filmes como Tropa de Elite, A Árvore da Vida e Robocop). Seu trabalho é irrepreensível, tanto do ponto de vista técnico, quando subjetivo. Ele consegue adicionar camadas de significados às cenas com a consciência de um veterano. Há cenas maravilhosas, como a câmera passeando pelo alto dos prédios e janelas de São Paulo para indicar passagem de tempo e as luzes se apagando em um corredor, enquanto um personagem caminha.
O Figurino, a fotografia e os cenários nos transportam com louvor para a década de 1980, que culturalmente, por si só, já era bem pitoresca, com mulheres seminuas em programas infantis e músicas de protestos embalando as rádios populares. Aliás, a trilha sonora é certeira, com músicas do Titãs, Ritchie e Echo and The Bunnymen  (há uma cena ótima embalada por Bring on the Dancing Horses) e muitos sintetizadores. Enfim, Bingo será, provavelmente, o melhor filme brasileiro de 2017 e um dos melhores do ano. É uma produção inteligente e acessível, e faz parte de uma leva de trabalhos originais que a sétima arte brazuca lançou nos últimos tempos. E se precisamos prestigiar cada vez mais o cinema nacional, temos aqui um excelente motivo.
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