Li que Vladimir Brichta não era a primeira opção
para ser o personagem-título de Bingo – O Rei das Manhãs (2017). O papel estava
reservado para Wagner Moura, que por problemas de agenda, teve de dispensar o
papel, indicando o amigo. E o destino foi certeiro: Brichta está simplesmente
fabuloso como o alter-ego fictício de Arlindo Barreto (aqui chamado Augusto
Resende), que ficou famoso na TV como o palhaço Bozo (trocado de nome por causa
dos direitos autorais) e acabou afundando sua carreira em uma espiral de sexo e
drogas, até se “reencontrar” como pastor evangélico.
O galã incorpora os trejeitos de Bingo, entre o
clown e o cínico, nas falas, gestos e no próprio semblante. É engraçado,
charmoso e desbocado na medida certa. E nos momentos mais dramáticos, como na
relação com o filho (Cauã Martins, uma revelação) e com a mãe, uma ex-diva do
cinema (Ana Lucia Torre), o trabalho também soa natural. Uma interpretação
digna de prêmios e eu torço para que a obra tenha carreira internacional. Temos
de destacar ainda o trabalho de Leandra Leal, como Lúcia, a diretora evangélica
do programa e Augusto Madeira, engraçadíssimo como o cameraman e amigo de farra
de Resende. E não podemos deixar de citar a homenagem não-intencional a
Domingos Montagner, que morreu no ano passado e faz uma participação especial
como um experiente palhaço de circo, onde começou sua carreira.
A história pitoresca é o veículo certo, ainda, para
a estreia na direção do experiente editor Daniel Rezende (responsável pela
montagem de filmes como Tropa de Elite, A Árvore da Vida e Robocop). Seu
trabalho é irrepreensível, tanto do ponto de vista técnico, quando subjetivo.
Ele consegue adicionar camadas de significados às cenas com a consciência de um
veterano. Há cenas maravilhosas, como a câmera passeando pelo alto dos prédios
e janelas de São Paulo para indicar passagem de tempo e as luzes se apagando em
um corredor, enquanto um personagem caminha.
O Figurino, a fotografia e os cenários nos
transportam com louvor para a década de 1980, que culturalmente, por si só, já
era bem pitoresca, com mulheres seminuas em programas infantis e músicas de
protestos embalando as rádios populares. Aliás, a trilha sonora é certeira, com
músicas do Titãs, Ritchie e Echo and The Bunnymen (há uma cena ótima
embalada por Bring on the Dancing Horses) e muitos sintetizadores. Enfim, Bingo
será, provavelmente, o melhor filme brasileiro de 2017 e um dos melhores do
ano. É uma produção inteligente e acessível, e faz parte de uma leva de
trabalhos originais que a sétima arte brazuca lançou nos últimos tempos. E se
precisamos prestigiar cada vez mais o cinema nacional, temos aqui um excelente
motivo.

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