terça-feira, 30 de setembro de 2014

“Cara, eu nem sequer tenho uma opinião”

(Texto originalmente publicado na coluna #Diário Cultural do caderno Você, no Diário do Pará, dia 30/09/2014)


No dia 23 de setembro de 1994, os cinemas americanos estrearam um filme de um novato (com apenas um filme espetacular no currículo, Cães de Aluguel). No cartaz de divulgação, uma jovem Uma Thurman, deitada, fumando um cigarro e um layout inspirado em livros baratos. O novo cineasta em questão era Quentin Tarantino e a obra, a cultuada Pulp Fiction. Apesar de criar outros tantos filmes excelentes (à exceção é um segmento tolo do filme Grande Hotel), esta ainda é considerada sua obra-prima e seu ápice criativo.
Nesse caso, foi fascinação à primeira vista. Para vocês terem uma idéia do impacto que o filme causou na minha base cultural cinéfila, ele foi o tema principal do meu trabalho de conclusão de especialização em Semiótica, onde tentei estabelecer a relação entre a visualidade do cinema de Tarantino com uma estética pós-moderna (a partir do conceito de estética, como palavra derivada do grego aisthésis que significa percepção, sensação).
            E a conceituação teórica não é aleatória. Pulp Fiction traz várias características que estabelecem esta como uma obra pós-moderna: há uma tendência ao Pastiche (uma espécie de homenagens caricaturais à outras obras), a perda do referencial tempo-espaço, a crise de identidade do sujeito e a desconstrução da narrativa, super-criada pelos signos visuais, encarados como conceitos e percepções.   
            Como um apaixonado por cinema, Tarantino soube recuperar bem os traços estilísticos daqueles que seriam seus filmes e cineastas favoritos e incorporar à sua própria estética. Os traços estão por toda parte: dos clássicos Noir até os exageros no figurino e musicais dos blaxploitations (filmes policiais e de ação feitos e protagonizados por negros), sob o manto de cineastas como Sam Peckimpah, Sergio Leone, Louis Malle e Samuel Fuller.
            O roteiro, escrito à quatro mãos com Roger Avary, se abre em três histórias, que se autorelacionam, num vai e vem de flashbacks e flashforwards, e dão à violência um tom de catarse e aceitação da mesma. Tudo isso, assim como em Cães de Aluguel, com diálogos curtos e triviais (que envolvem assuntos como quarteirões com queijo, maionese na batata frita e milkshake de 20 dólares). E a edição da competente Sally Menke, deixa mais evidente essa construção de cenas sem consequência, sem causa e de reflexão difusa, tudo isso e mais a  trilha sonora  unindo Rock, Folk, Country, Blues e Surf Music (Neil Diamond, Chuck Berry  e Al Green, além do mestre supremo Ennio Morricone).  
            Com tudo isso, fica bem claro que teríamos um filme memorável (mesmo em um ano recheado de bons filmes, como o clássico Um Sonho de Liberdade e o razóavel, mas cultuado, Forrest Gump). Como sempre faz, Tarantino extrai o melhor do seu elenco e ressuscita carreiras em baixa, como Travolta e sua memorável atuação como Vincent Vega, e é especialista em criar cenas inesquecíveis, entre elas a dança no clube anos 60 e o estupro no porão, com direito a sadomasoquismo, Bruce Willis e espada ninja. O resultado: Quentin Tarantino levou a palma de ouro em Cannes, o Oscar de roteiro original e deixou uma obra que ficará para sempre no imaginário da sétima arte. 

 Para o blog, minha cena favorita: 

http://www.youtube.com/watch?v=jYID_csTvos

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