(Texto originalmente publicado na coluna do Diário do Pará do dia 02 de setembro de 2014 - Caderno Você)
Este ano, quem gosta de futebol
assistiu com revolta a uma série de demonstrações de racismo dentro de campo. O
último caso envolveu o goleiro Aranha, chamado de “macaco” pela torcida do
Grêmio. Infelizmente, o racismo não é um fenômeno localizado no Brasil. Nos
EUA, as demonstrações de preconceito são tão fortes e até mais violentas e
remontam há vários séculos.
No cinema, o assunto foi tema de
inúmeras e importantes obras. Mas, tem uma que é tão controversa, que chegou há
ficar anos nas gavetas dos estúdios: o drama Cão Branco (White Dog, 1982). A
história é de um símbolismo forte e direto: Um cachorro da cor branca é
condicionado a atacar só negros. Até que um treinador negro é chamado para
tentar adestrá-lo. É um embate animal recheado de violência e resignação. O
filme nunca chegou aos cinemas brasileiros (por aqui foi apenas exibido em uma Sessão Maldita do cine Líbero Luxardo), mas hoje é cultuado. É um filme
pequeno, mas nem por isso menor em importância: além de Fuller, o roteiro foi
escrito pelo cineasta Curtis Hanson e a trilha sonora foi feita pelo mestre
Ennio Morricone.
Samuel Fuller
não se prende a gêneros e épocas. Seu objetivo é estabelecer uma reflexão sobre
o caráter humano e chocar a audiência com temas espinhosos (como a loucura e a
pedofilia). Nesse sentido, ele é bem parecido com outro “Sam”, o Peckimpah. A
diferença é que, enquanto o segundo usa de violência gráfica e personalidades
exageradas para isso, Fuller trabalha através de
metáforas sutis, diálogos mais rebuscados e personagens mais próximos da
realidade.
Em 1963, ele dirigiu meu favorito
da sua filmografia: Paixões que Alucinam. Aqui um jornalista quer investigar um
assassinato dentro de um hospício, mas acaba indo fundo na loucura que envolve
aquele ambiente e internos. Uma poderosa e realista investigação da loucura,
como posteriormente Milos Forman fez em Um Estranho no Ninho (One Flew Over the
Cuckoo's Nest, 1975). São tantas imagens poderosas e explorações de um cenário
claustrofóbico que é difícil pensar que Fuller seja praticamente um
desconhecido do grande público. Uma história envolvente e um final triste.
No ano seguinte, o diretor criou
outro retrato poderoso de uma sociedade hipócrita. Em O Beijo Amargo (Naked
Kiss, 1964), a primeira cena já mostra a que veio: uma prostituta careca
espanca seu cafetão e foge levando o dinheiro “que teria direito”. Durante a
fuga, ela vai parar em uma pequena cidade americana e trabalha em um hospital
para crianças, ao mesmo tempo que se apaixona por um herdeiro de uma fortuna. Mas
o clima aparentemente calmo da cidade esconde sentimentos obscuros quando o
passado volta a tona. A descoberta de um segredo perto do final do filme é
surpreendente.
Nesse pequeno resumo de seus
filmes, não podemos esquecer ainda do épico de guerra Agonia e Glória (The Big
Red One, 1980). Provavelmente, uma das melhores películas a retratar a Segunda
Guerra Mundial. A chegada dos soldados ao
campo de concentração nazista é uma cena de deixar qualquer fã de cinema
em êxtase. O final do filme, com o general vivido por Lee Marvin carregando uma
criança judia morta é muito atual: em tempos de massacres em guerras absurdas,
o poder é inócuo quando as principais vítimas da crueldade humana são os inocentes.
Samuel Fuller é um dos maiores diretores
de cinema da história. Recuperar sua obra e discutí-la é uma maneira de fazer
justiça à sétima arte.
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