quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Samuel Fuller: o gênio esquecido do Cinema

(Texto originalmente publicado na coluna do Diário do Pará do dia 02 de setembro de 2014 - Caderno Você)







Este ano, quem gosta de futebol assistiu com revolta a uma série de demonstrações de racismo dentro de campo. O último caso envolveu o goleiro Aranha, chamado de “macaco” pela torcida do Grêmio. Infelizmente, o racismo não é um fenômeno localizado no Brasil. Nos EUA, as demonstrações de preconceito são tão fortes e até mais violentas e remontam há vários séculos.
No cinema, o assunto foi tema de inúmeras e importantes obras. Mas, tem uma que é tão controversa, que chegou há ficar anos nas gavetas dos estúdios: o drama Cão Branco (White Dog, 1982). A história é de um símbolismo forte e direto: Um cachorro da cor branca é condicionado a atacar só negros. Até que um treinador negro é chamado para tentar adestrá-lo. É um embate animal recheado de violência e resignação. O filme nunca chegou aos cinemas brasileiros (por aqui foi apenas exibido em uma Sessão Maldita do cine Líbero Luxardo),  mas hoje é cultuado. É um filme pequeno, mas nem por isso menor em importância: além de Fuller, o roteiro foi escrito pelo cineasta Curtis Hanson e a trilha sonora foi feita pelo mestre Ennio Morricone.
Samuel Fuller não se prende a gêneros e épocas. Seu objetivo é estabelecer uma reflexão sobre o caráter humano e chocar a audiência com temas espinhosos (como a loucura e a pedofilia). Nesse sentido, ele é bem parecido com outro “Sam”, o Peckimpah. A diferença é que, enquanto o segundo usa de violência gráfica e personalidades exageradas para isso, Fuller trabalha através de metáforas sutis, diálogos mais rebuscados e personagens mais próximos da realidade.


Em 1963, ele dirigiu meu favorito da sua filmografia: Paixões que Alucinam. Aqui um jornalista quer investigar um assassinato dentro de um hospício, mas acaba indo fundo na loucura que envolve aquele ambiente e internos. Uma poderosa e realista investigação da loucura, como posteriormente Milos Forman fez em Um Estranho no Ninho (One Flew Over the Cuckoo's Nest, 1975). São tantas imagens poderosas e explorações de um cenário claustrofóbico que é difícil pensar que Fuller seja praticamente um desconhecido do grande público. Uma história envolvente e um final triste.
No ano seguinte, o diretor criou outro retrato poderoso de uma sociedade hipócrita. Em O Beijo Amargo (Naked Kiss, 1964), a primeira cena já mostra a que veio: uma prostituta careca espanca seu cafetão e foge levando o dinheiro “que teria direito”. Durante a fuga, ela vai parar em uma pequena cidade americana e trabalha em um hospital para crianças, ao mesmo tempo que se apaixona por um herdeiro de uma fortuna. Mas o clima aparentemente calmo da cidade esconde sentimentos obscuros quando o passado volta a tona. A descoberta de um segredo perto do final do filme é surpreendente.
Nesse pequeno resumo de seus filmes, não podemos esquecer ainda do épico de guerra Agonia e Glória (The Big Red One, 1980). Provavelmente, uma das melhores películas a retratar a Segunda Guerra Mundial. A chegada dos soldados ao  campo de concentração nazista é uma cena de deixar qualquer fã de cinema em êxtase. O final do filme, com o general vivido por Lee Marvin carregando uma criança judia morta é muito atual: em tempos de massacres em guerras absurdas, o poder é inócuo quando as principais vítimas da crueldade humana são os inocentes.
Samuel Fuller é um dos maiores diretores de cinema da história. Recuperar sua obra e discutí-la é uma maneira de fazer justiça à sétima arte.

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