quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Parece verdade, mas não é

(Texto originalmente publicado na coluna do Diário do Pará do dia 09 de setembro de 2014 - Caderno Você)



Em 1895, os irmãos Auguste e Louis Lumière fizeram a projeção em cinema da chegada de um trem na estação. Foi o primeiro registro cinematográfico, mas também podemos dizer que ali era criado o documentário inaugural da história. Afinal era um registro em movimento da realidade.  Com o passar do século seguinte e já no início deste, os documentários ganharam em densidade e linguagem, deixando de ser um recorte do real para se tornar uma reinterpretação pessoal do enfoque documental. Mas, os diretores decidiram então que era preciso ir mais além, transcendendo a ilusão do cotidiano sob os olhos da ficção. Surgiu o Mockumentary, que nada mais é que um documentário falso, montado em uma estética metanarrativa para servir ao roteiro.  
Foi o que fez o diretor Rob Reiner com This is Spinal Tap (1984). Reiner produziu outros sucessos posteriormente, como Harry e Sally e Conta Comigo. Mas, nenhum foi tão subversivo quanto esta história de uma banda decadente de rock que busca manter o estrelato a qualquer custo. Tudo é contado como se estivéssemos diante de um arquivo documental, onde o narrador e entrevistador é o próprio Reiner. Engraçado e politicamente incorreto, é uma das melhores películas sobre música que já vi. Sasha Baron Cohen faria algo parecido com Borat (2007), onde cria um repórter louco que acaba se confrontando com muitas das hipocrisias do EUA. Essa maneira de fazer comédia inspirou também algumas séries como Derek e The Office, ambas criadas pelo humorista Ricky Gervais, e também Reno 911!, onde uma equipe de filmagem acompanha o cotidiano de um departamento de polícia cheio de loucos. 
Zelig, de Woody Allen vai mais além. A obra mescla as cenas falsas com cinejornais do início do século passado, onde a figura do personagem título se insere em uma montagem excelente. Allen dá a vida a um personagem fascinante, que é capaz de se transformar em qualquer pessoa, de qualquer nacionalidade ou cultura. Ao mesmo tempo que desnuda essa personalidade camaleônica, ele joga em tela toda a hipocrisia humana ao mudar sua natureza ao sabor do acaso.
          


  Com o terror Cannibal Holocaust, de 1980, outro subgênero de documentários fictícios, só que voltado para filmes de horror, surgiu: o Found Footage, que nada mais são que roteiros com enredos de “filmes perdidos”, encontrados por um personagem. Desde a Bruxa de Blair (Blair Witch Project, 1999), o formato ficou famoso. Dois diretores pegaram alguns atores desconhecidos, uma câmera caseira e filmaram na floresta uma história prosaica, mas que se apoiou em um murmurinho do início da internet, somada a boatos que seriam filmagens reais e, pronto. Estava criada uma nova receita para encher os cofres dos estúdios: Filmes baratos, simples, mas com gorda bilheteria garantida.   Daí, surgiram vários exemplares de filmes perdidos para todos os gostos: REC (REC, 2007), com zumbis; Cloverfield (Idem, 2008), sobre um monstro gigante; e o fenômeno Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007) e suas intermináveis continuações, que continuam dando fôlego a esse tipo de filme e indicam que a febre de cinema apoiado em “filmagens caseiras” não irá passar tão cedo.

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