terça-feira, 25 de novembro de 2014

Quando o sonho esbarra diante da realidade

Texto da coluna desta semana sobre o documentário Jodorowski's Dune, publicado originalmente no DIÁRIO DO PARÁ, caderno Você, coluna #Diário Cultural




No início da década de 1970, um cineasta iniciante chamou a atenção do mun

do ao propor filmes esteticamente desafiadores e narrativamente surrealistas em uma época onde a crueza realidade era a força motriz dos maiores cineasta pelo mundo. O chileno Alejandro Jodorowski havia dirigido dois clássicos do cinema surrealista: o faroeste El Topo e o lisérgico A Montanha Sagrada. O produtor Michel Seydoux ficou tão encantado com a visão de Jodorowski e o sucesso dos seus filmes (A Montanha foi a segunda bilheteria na França em 1972) que prometeu produzir qualquer coisa que este quisesse. Jodo, como era chamado pelos amigos, falou sem pestanejar: Duna, clássico da ficção científica de Frank Herbeth, o qual ele confessou que não tinha lido.
E lá foram dois anos de pré-produção e milhões de dólares gastos para que o diretor conseguisse reunir os “guerreiros”, como ele chamou, para embarcar na sua obras messiânica e que “iria mudar a história do cinema”, como o mesmo disse. E Jodorowski não foi modesto na sua empreitada. Primeiro, conseguiu o apoio de gente como Moebius, Dan o’Bannon, HR Giger e Chris Foss na construção artística dos personagens e cenários, além de David Carradine, Orson Welles e Salvador Dali (!!!) como parte do elenco. Até Pink Floyd ele conseguiu convencer a fazer a trilha. Se tudo se encaminhava para ser um encontro de gênios, segundos os quais o cineasta disse que encontrou ou convenceu como uma “obra do destino”, este mesmo encontro de mentes brilhantes acabou sabotando, em parte, a obra.
E é essa a única falha do documentário Jodorowski’s Dune. O diretor Frank Pavich ficou tão encantado pela figura do diretor, que não questiona em nenhum momento como a megalomania dos produtores e a teimosia e arrogância do cineasta também contribuiram para que a obra não saísse do seu enorme storyboard. A produção prometeu muito ao elenco (é hilário a parte em que eles confessam que Welles só aceitou fazer parte da trama após jurarem que chamariam um chef francês para cozinhar para ele todos os dias), estourou orçamentos e o chileno queria fazer um épico espacial de 14 horas. Acabou esbarrando na visão burocrática dos estúdios, que cancelaram o filme ainda no primeiro dia de filmagens de locações.
 Porém, se nunca veremos esta peróla nos cinemas, ficamos encantados com o documentário ao perceber a paixão de Jodorowski pelo cinema e como este fala sobre suas idéias com brilhos nos olhos. Pavich entrevistou o diretor em inglês e espanhol e nos dois momentos este parece engrandecer ainda mais sua visão de mundo, mesmo que acabe cedendo em alguns momentos ao seu superego. Seu rosto só muda, dando lugar ao rancor quando lembra como foi preterido depois disso e como sua adaptação acabou parando nas mãos de outro gênio surreal, David Lynch, que conseguiu lançar sua visão de Duna em 1984. Mas, como o próprio Jodorowski faz questão de dizer (com certa satisfação), o filme era “horrível e uma obra de produtor”.
Depois, o cineasta acabou escrevendo quadrinhos e levou muitas de suas idéias para a arte gráfica junto com Moebius. Como seu storyboard rodou por toda Hollywood, muitos filmes depois foram influenciados pela narrativa, como o próprio Star Wars e Flash Gordon. O’Bannon e Giger fizeram juntos um certo horror espacial com monstros, Ridley Scott e Sigourney Weaver. O resto é história. Ou melhor, nunca foi uma história.         

Nenhum comentário: