sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Os limites do grotesco

A Serbian Film, de Srđan Spasojević, que teve sua cópia apreendida no Brasil, não merece tanto falatório. É uma produção feita para chocar, dentro dos padrões do cinema de horror extremista, que vai além do estilo torture porn. Porém, é caricata e com uma história frágil, que não se sustenta sem a violência explícita. Censurá-la só faz aumentar o interesse do público, que não depende mais da exibição nas salas de cinema para assistir a filmes do tipo. A internet está aí para isso. O que fica é a privação dos nossos direitos de ver e julgar a obra. Censura pura e abjeta.
Goste-se ou não, A Serbian Film se enquadra em uma temática cinematográfica. O japonês Takashi Miike, por ser o mais conhecido, talvez seja o melhor modelo de comparação. Ele também sofreu com proibições à sua obra em alguns países, mas é reconhecido e venerado pelo público e pela crítica. Não é para menos. Sua obra tem unidade, subverte a linguagem do cinema, lida com dramas humanos e apenas exagera na composição dos quadros retratados, carrega nas tintas, beirando, mas não chegando ao non sense. É uma linha tênue e que foi ultrapassada por Spasojević.
A Serbian Film pretende mostrar a inversão (ou perda total) dos valores no país do leste europeu após a guerra civil. Isso é mostrado pela ótica de um ator de filmes pornôs aposentado, Milos. Ele é contratado para voltar à ativa mediante um pagamento exorbitante, com uma ressalva: não pode saber antecipadamente como serão as filmagens. Assim, ele descobre apenas na hora que elas envolvem espancamento, necrofilia e pedofilia. A gota d’água foi um vídeo mostrado pelo diretor de um novo gênero, o “newborn porn”, pornô com recém-nascidos.
Milos tem uma reação esperada: deixa a sala ultrajado. E é aí que o filme tem seu único momento de força, mas, paradoxalmente, perde público. O personagem é dopado com afrodisíaco para gado e estimulado a cometer as maiores atrocidades. Mas isso é mostrado através de fitas de vídeo, descobertas mais tarde por Milos, pois este acordou em sua cama, ensanguentado, sem lembrar do que aconteceu nos últimos três dias. Esse recurso, do filme dentro do filme, nos faz compartilhar com Milos os seus atos e nos coloca na posição de voyeur, cúmplices. Causa estranheza e desconforto.
Ponto para o cinema por despertar essa reação. O objetivo era esse mesmo. O problema é um só: muita violência – mesmo estilizada – para pouca história. Soa forçado. Tudo bem que o naturalismo não era o efeito pretendido, mas era de se esperar o mínimo de coerência na linha narrativa. Onde mora todo aquele drama visto na tela? Passamos o filme todo sem saber, com uma sensação de muito barulho por nada. No clímax, a fala “Eis uma grande e feliz família sérvia”, dita ironicamente, escancara o tema do filme e o que fica em evidência é a fragilidade do roteiro, que confessou a sua inabilidade. Duvidou da sua própria capacidade e deu tudo mastigado para o espectador.
Há ainda quem diga que é tudo uma grande piada, que a idéia era mesmo ser engraçado. Humor negro, diga-se. Que seja, mas, para mim, não funcionou. Enfim, A Serbian Film é, como cinema, abaixo da média, mas deve ganhar status de cult por conta dessa proibição. Uma pena, não merece tanto. De todo modo, o filme pode e deve ser discutido como arte. Censurado, nunca. Não vi incitação à pedofilia, ao contrário, ela é rejeitada pelo personagem principal. Quem o censurou não deve ter visto ou não entendeu o filme. O que torna o ato ainda mais repugnante do que as próprias cenas do filme.

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