sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O verdadeiro cult

Durante a última semana, ouvi muitas reclamações sobre a ausência do novo filme de Lars Von Trier, Melancolia, na lista de estreias do circuito comercial de Belém. Sinceramente, a mim não faz a menor falta. E aqui tomo emprestada uma frase de Renato Russo para me explicar: Em minha opinião, o dinamarquês se enquadra naquela categoria dos que falam demais, pois não têm nada a dizer (Como toda regra tem exceção, O Anticristo é passável).
Radical? Talvez sim. Não costumo ser. Mas os filmes do Von Trier não me provocam reflexão, apenas sono (seguido de raiva por ter perdido meu tempo). Rebuscado ao extremo, ele exalta a forma para disfarçar um conteúdo desinteressante. E não me entendam mal, não se trata aqui de uma defesa do cinema-pipoca ou do entretenimento puro. Existem inúmeros cineastas – atuais e consagrados – que conseguem unir essas duas vertentes, arte e diversão, em suas obras e têm meu respeito.
Michael Mann, Chris Nolan, Copolla, Allen, Samuel Fuller, Edgar Wright, Shyamalan (que ainda tem crédito, mesmo depois das recentes bobagens que dirigiu) e Lucio Fulci são alguns deles. E aqui vai uma dica pra quem está se lamentando por não poder (ainda) assistir na telona o novo Trier. Um “velho” Fulci está em cartaz hoje à noite, às 21h, na Sessão Maldita do Cine Líbero Luxardo, com entrada franca. Infelizmente, vou estar em pleno fechamento da edição do DIÁRIO e perderei a exibição. Mas quem estiver sem compromisso e gostar de cinema, tem a obrigação de estar lá.
O filme em questão é Um lagarto com pele de mulher. Ainda não vi, não posso comentar especificamente sobre ele. Mas por tudo que já vi de Lucio Fulci, posso afirmar sem medo que o seu pior filme com certeza vale mais a pena do que o melhor de Von Trier. Craque da mise-en-scène, Fulci extrai a tensão de seus movimentos de câmera. Joga com o terror psicológico, ao mesmo tempo em que não hesita em partir para o gore, com litros de sangue jorrando da tela.
Curiosamente, um de seus temas preferidos é o mesmo que Trier vez ou outra invoca, como a religião, a violência e demais sentimentos originários daí. Controversos, ambos são. Gênio, pra mim, só Fulci. Ainda mais se levarmos em consideração os parcos recursos que o italiano sempre teve à sua disposição em oposição à babação de ovo em cima de Trier, que consegue financiamentos em vários países (seu banimento de Cannes por ter feito uma piada nazista só vai ajudá-lo nisso. Ele está na moda).
E se você virem o filme de Fulci e afirmarem que é trash, eu digo que a primeira impressão é essa mesmo. Eu tive e me diverti muito, do mesmo jeito. Claro que algumas pessoas não curtem isso. Mas vale a pena. Se os risos involuntários (eles existem) forem deixados de lado, você terá uma aula de cinema. Aos poucos, saltam aos olhos detalhes da composição, do roteiro, entre outros aspectos, que dão vontade de gritar, à la Cidade de Deus: “Trier é o c... Cult mesmo é o Fulci, p...”.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Piranha 3D

Gosta de filme trash? Não? Então passe longe de "Piranha 3D". Se curtir, como eu, você vai rir. E muito. Aliás, esse aviso é meio dispensável, afinal, de um filme com esse nome todo mundo já sabe mais ou menos o que esperar. Ainda mais com o sugestivo subtítulo: sexo, suor e sangue. É exatamente isso que teremos na tela durante os noventa minutos de projeção. Não tem propaganda enganosa.
E justamente por conta do primeiro item, uma dica: vá só com os amigos. "Piranha" é um filme para garotos. Nada de levar a namorada. A não ser que vocÊ queira ela lhe olhando torto ou tapando seus olhos nas cenas mais picantes. E eu lhe garanto: você não vai querer perder o balé aquático encenado por duas garotas. Fora os muitos outros fetiches masculinos presentes.
Quanto ao terror, ele é inexistente. Pessoas morrem, sim. O sangue jorra, também. Mas não há sustos ou clima de tensão. A não ser nas horas em que o 3D age e joga os monstrengos pré-históricos na nossa cara. É um legítimo "terrir", com a licença do cineasta tupiniquim Ivan Cardoso, que cunhou o termo. Com apenas uma óbvia substituição na parte mais explorada do corpo feminino, já que o filme é norte-americano, não brasileiro.
Para a nova geração, é importante lembrar que "Piranha" é uma franquia que, vez por outra, volta às telas. Tivemos o filme de Joe Dante, de 1978. A continuação, de 1981, que teve o privilégio de ser o longa de estreia de James Cameron, e contou com o surreal subtítulo: "Assassinas Voadoras". Além de várias obras de menor expressão (ainda).
Entre outros atrativos, essa nova versão traz participação especial de atores consagrados, como Richard Dreyfuss (do tipo piscou, perdeu) e Christopher Loyd - fazendo seu tipo amalucado de sempre. Além, é claro, da tecnologia 3D, que, embora tratada de forma simples no simples, torna algumas cenas bem interessantes. Por sinal, "Piranha" deve encerrar essa fase de conversões para 3D (exceto os retardatários que ainda não estrearam por aqui, mas já estão caducos lá fora).
Para terminar, volto a dizer: o filme é trash. Muito. Se não se divertir com isso, troque de sala. Caso contrário, boas risadas.

Texto publicado no Por Aí em outubro de 2010

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Papão Smurf

“Há muitos e muitos anos, no coração da floresta, havia uma vila escondida, onde moravam criaturas azuis. Chamavam-se a si mesmo de Smurfs. Eram muito bons. Mas existia também o Gargamel, o feiticeiro perverso. Ele era muito mau. A floresta ainda existe e, se vocês prestarem atenção, ouvirão os gritos do Gargamel. Mas se vocês forem bonzinhos, conseguirão dar uma olhadinha nos Smurfs”. Texto de abertura de desenho animado dos anos 80 – e hoje filme de sucesso – ou um recado para a torcida do Paysandu? Se não conseguiu ler na entrelinhas, o Bola decifra para você, leitor.
O ano era 2006. O Papão era expulso da sua “vila encantada” e disputou a Série B do Campeonato Brasileiro pela última vez. De lá para cá, sofrimento, agonia e decepção. O time não conseguiu achar o caminho de volta, que o recolocaria em posição de destaque no cenário nacional. Pela tortuosa floresta da Terceira Divisão, Salgueiro, Icasa e outros, fizeram o papel de Gargamel, numa perseguição implacável aos seres alvicelestes e muitos jogadores viraram sopa de Smurfs. O eco das derrotas ainda reverbera pelos lados da Curuzu...
Agora, mais uma tentativa. Roberto Fernandes foi contratado ainda no final do Campeonato Paraense, com a missão de formar um grupo capaz de driblar as adversidades dessa trilha sombria. Como um sábio Papai Smurf, ele tem paciência e jogo de cintura para trabalhar e entrosar a equipe, mesmo com as fortes cobranças da torcida, que deseja ver resultados imediatos para não correr risco de perder, de novo, o rastro que leva à “vila” da Série B.
E tudo parece marchar para um final feliz, bem ao estilo dos desenhos oitentistas, já que o elenco formado é da melhor qualidade, com, por exemplo, a presença do Smurf Gênio, Thiago Potiguar, ainda fora de forma, mas peça importante no time e que conta com a confiança da Fiel. Mas, caso ele não esteja apto, temos ainda o Smurf Robusto, Robinho, que entra nos jogos com uma disposição impressionante, não há bola perdida. E se não der pelas vias normais, vai na sorte mesmo, com o Smurf Desastrado, Zé Augusto, que, aos trancos e barrancos, na raça, sempre consegue ser decisivo.
Como ainda está tudo no início, ainda vamos descobrir quais são os outros smurfs do grupo, o Habilidoso, o Fominha, o Vaidoso... A torcida bicolor só espera que ninguém faça o papel de Smurfete e jogue de salto alto ou então que o Ranzinza Luiz Omar não apronte das suas mais uma vez e atrapalhe essa volta à vila escondida que é a Série B. Tão escondida que há cinco anos o Paysandu pena para achar o caminho de volta.

Texto do caderno Bola, do Diário do Pará, publicado em 09 de agosto de 2011.

Perdidos?

Inferno, purgatório e paraíso. Três palavras que simbolizam uma jornada épica, espiritual, que levam a um embate entre a fé e a razão. Alguns escolhem se aventurar por esse caminho longo e tortuoso; outros são levados involuntariamente a ele. Mas, ao final, motivos, sofrimentos, não importam. O fundamental é encontrar a redenção. Algumas respostas sempre vão faltar, mas a vida é isso: aceite o mistério. É assim, como se “A Divina Comédia”, de Dante, ecoasse em nossas cabeças, que “Lost”, uma das séries de maior sucesso da história da televisão mundial, chega ao fim, com a exibição do último episódio hoje no Brasil.
O que é a ilha? Qual a essência do monstro da fumaça? Por que aqueles personagens foram escolhidos para estar ali? São muitas perguntas que escondem o fato de que estar “perdido”, na verdade, pode não ser tão ruim. Afinal, todos nós, em dado momento, ficamos assim, em busca de um rumo. Até mesmo os clubes de futebol. Quem sabe se num universo paralelo, o Clube do Remo não poderia assumir o papel de protagonista dessa história?
Como num clarão eletromagnético que vez por outra cai sobre a ilha (agora travestida de Belém), voltamos ao ano de 2005. Vemos a torcida azulina ter seu último instante de glória, uma esperança para dias melhores. O título da Série C poderia ser um novo e revigorante começo. Mas ali, começaram as escolhas erradas que levariam o clube ao fundo do poço. Dá vontade de avisar, mas não podemos mudar o passado. Os paradoxos temporais seriam catastróficos. Resultado: passado algum tempo, o time ficou sem competição nacional a disputar, perambulando como um fantasma pelo interior do Estado. E o que é pior, um mero coadjuvante no cenário local.
Um homem, talvez, ainda possa mudar essa história. Ele foi chamado de salvador em 2006 por ter conseguido evitar temporariamente um desastre. Ali, identificou os problemas que afligiam o clube, mas não lhe foi permitido continuar seu trabalho. Resultado, o Remo retomou o caminho ladeira abaixo. Mas, assim como a ilha não permite que os personagens cruciais fiquem fora, se desviem de seu foco, Giba voltou ao clube. É o que ele deve fazer: reerguer o clube. Esse é o seu trabalho. O Remo ainda reserva uma tarefa a ele.
Por que da primeira vez não deu certo? Assim como Jack, em “Lost”, Giba precisava fazer sua escolha. Em 2006, ele havia sido contratado do nada, foi colocado no meio daquele pandemônio, uma bagunça generalizada que ele tentou consertar. Saiu e, anos depois, voltou. Agora diz que quer ficar, apesar do recente insucesso. Mostrou calma, serenidade, entende a situação. Boa sorte a ele, que terá muitos percalços nessa jornada, afinal, os monstros da fumaça estão por todos os lugares no Baenão, frutos do egoísmo e da ganância, tentando apagar a luz que brilha no coração de cada azulino.
Se ele vai conseguir é outra história. Talvez até passe o bastão para um novo líder, um novo protetor. E é claro que isso vai acontecer. Se não agora, mais adiante. É o ciclo da vida, ninguém pode impedir. Mas, até lá, o importante é que ele cumpra sua missão e deixe o caminho pavimentado para que o clube saia fortalecido, consiga deixar o limbo e encontrar o paraíso. E se você, leitor, acha que esse texto não tem lógica, você tem razão. É uma simples brincadeira. Mas é também, pelo menos para o torcedor do Remo, uma questão de fé.

Meu texto publicado no caderno Bola, do Diário do Pará, em 25 de maio de 2010, comparando Lost e o Remo. O técnico caiu, não cumpriu sua missão e o clube continua no limbo.

Prazeres culpados

Todo mundo tem, não adianta negar. Podemos até tentar encontrar argumentos pra justificar, mas não vamos conseguir nem para nós mesmos. O jeito, então, é relaxar e curtir. Estou falando dos prazeres culpados do cinema. Daqueles filmes que são ruins de doer, mas que nos deixam vidrados na tela. Perdi as contas de quantas vezes escutei uma pessoa falar: “credo, esse filme de novo?”. Mas está lá, ligada. Sempre.
Acontece. Às vezes, é um detalhe que faz a diferença. O filme pode ser péssimo, ter um roteiro esburacado, atuações canastras (claro, aqui não entram os trashs, esses são assim por natureza), mas, se tem aquela música que você adora ou aquela piadinha infame que faz você gargalhar enquanto todo mundo na sala continua sério, com cara de dor de barriga, pronto. A magia do cinema está completa.
Tenho vários prazeres culpados. Admito isso sem vergonha alguma (ninguém deve ter). Vergonha seria se me limitasse a eles. Como não corro esse risco, só tenho a aproveitar. Mas uma dica: não queira impor aos outros a sua predileção. É um tiro no pé. Se começarem a falar mal do seu filme, você não terá nem como rebater, a não ser com a memória afetiva, que, nesses casos, é o mesmo que nada. Então, para evitar brigas, carregue sua culpa com você, não divida.
Levar na esportiva é o mais importante. E para demonstrar isso vou ter que me expor e revelar pelo menos um dos meus pecados cinematográficos. Não sem antes lembrá-los de que, nessa seara, todos têm telhado de vidro, portanto, nada de julgamentos. O filme em questão é reprisado uma quantidade absurda de vezes na TV por assinatura. E são raras as que eu não estaciono ali. Paro de zapear na hora: Mamma Mia!, com Meryl Streep.
Conta a história de uma garota que vai casar, mas antes quer conhecer seu pai. Acha então o diário da sua mãe e convida três possíveis “pais” para visitá-la, sendo que a narrativa é totalmente pontuada pelas músicas do Abba. Não vou explicar porque gosto do filme (batalha inglória). Simplesmente gosto. Aceitem. Mas o ponto onde quero chegar é o seguinte: pessoas cuja opinião eu respeito detonaram o musical. E o Pablo Villaça (não é parente), do Cinema em Cena, fez isso com uma criatividade espantosa, no que eu considero uma de suas melhores críticas (leia aqui: http://bit.ly/vlRXe).
Eu concordo com tudo que o Pablo escreveu, mas vou continuar vendo e me deliciando com o filme. Paciência. Não importa se “A Julie Walters aqui é uma tortura / E Colin Firth, na caricatura... / O Pierce Brosnan... / Quando canta parece que rosna!”. Pelo menos ele livrou a cara da Meryl Streep, até porque é muito difícil criticar uma atuação da atriz. Enfim, minha lista é interminável, mas não vou dividi-la com vocês. Seria um prazer pra mim, mas uma tortura para muitos. Só espero que sempre tenham essa consideração comigo também.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Os limites do grotesco

A Serbian Film, de Srđan Spasojević, que teve sua cópia apreendida no Brasil, não merece tanto falatório. É uma produção feita para chocar, dentro dos padrões do cinema de horror extremista, que vai além do estilo torture porn. Porém, é caricata e com uma história frágil, que não se sustenta sem a violência explícita. Censurá-la só faz aumentar o interesse do público, que não depende mais da exibição nas salas de cinema para assistir a filmes do tipo. A internet está aí para isso. O que fica é a privação dos nossos direitos de ver e julgar a obra. Censura pura e abjeta.
Goste-se ou não, A Serbian Film se enquadra em uma temática cinematográfica. O japonês Takashi Miike, por ser o mais conhecido, talvez seja o melhor modelo de comparação. Ele também sofreu com proibições à sua obra em alguns países, mas é reconhecido e venerado pelo público e pela crítica. Não é para menos. Sua obra tem unidade, subverte a linguagem do cinema, lida com dramas humanos e apenas exagera na composição dos quadros retratados, carrega nas tintas, beirando, mas não chegando ao non sense. É uma linha tênue e que foi ultrapassada por Spasojević.
A Serbian Film pretende mostrar a inversão (ou perda total) dos valores no país do leste europeu após a guerra civil. Isso é mostrado pela ótica de um ator de filmes pornôs aposentado, Milos. Ele é contratado para voltar à ativa mediante um pagamento exorbitante, com uma ressalva: não pode saber antecipadamente como serão as filmagens. Assim, ele descobre apenas na hora que elas envolvem espancamento, necrofilia e pedofilia. A gota d’água foi um vídeo mostrado pelo diretor de um novo gênero, o “newborn porn”, pornô com recém-nascidos.
Milos tem uma reação esperada: deixa a sala ultrajado. E é aí que o filme tem seu único momento de força, mas, paradoxalmente, perde público. O personagem é dopado com afrodisíaco para gado e estimulado a cometer as maiores atrocidades. Mas isso é mostrado através de fitas de vídeo, descobertas mais tarde por Milos, pois este acordou em sua cama, ensanguentado, sem lembrar do que aconteceu nos últimos três dias. Esse recurso, do filme dentro do filme, nos faz compartilhar com Milos os seus atos e nos coloca na posição de voyeur, cúmplices. Causa estranheza e desconforto.
Ponto para o cinema por despertar essa reação. O objetivo era esse mesmo. O problema é um só: muita violência – mesmo estilizada – para pouca história. Soa forçado. Tudo bem que o naturalismo não era o efeito pretendido, mas era de se esperar o mínimo de coerência na linha narrativa. Onde mora todo aquele drama visto na tela? Passamos o filme todo sem saber, com uma sensação de muito barulho por nada. No clímax, a fala “Eis uma grande e feliz família sérvia”, dita ironicamente, escancara o tema do filme e o que fica em evidência é a fragilidade do roteiro, que confessou a sua inabilidade. Duvidou da sua própria capacidade e deu tudo mastigado para o espectador.
Há ainda quem diga que é tudo uma grande piada, que a idéia era mesmo ser engraçado. Humor negro, diga-se. Que seja, mas, para mim, não funcionou. Enfim, A Serbian Film é, como cinema, abaixo da média, mas deve ganhar status de cult por conta dessa proibição. Uma pena, não merece tanto. De todo modo, o filme pode e deve ser discutido como arte. Censurado, nunca. Não vi incitação à pedofilia, ao contrário, ela é rejeitada pelo personagem principal. Quem o censurou não deve ter visto ou não entendeu o filme. O que torna o ato ainda mais repugnante do que as próprias cenas do filme.