Texto da coluna desta semana sobre o documentário Jodorowski's Dune, publicado originalmente no DIÁRIO DO PARÁ, caderno Você, coluna #Diário Cultural
No início da década de 1970, um cineasta iniciante chamou a atenção do mun
do ao propor filmes esteticamente desafiadores e narrativamente surrealistas em uma época onde a crueza realidade era a força motriz dos maiores cineasta pelo mundo. O chileno Alejandro Jodorowski havia dirigido dois clássicos do cinema surrealista: o faroeste El Topo e o lisérgico A Montanha Sagrada. O produtor Michel Seydoux ficou tão encantado com a visão de Jodorowski e o sucesso dos seus filmes (A Montanha foi a segunda bilheteria na França em 1972) que prometeu produzir qualquer coisa que este quisesse. Jodo, como era chamado pelos amigos, falou sem pestanejar: Duna, clássico da ficção científica de Frank Herbeth, o qual ele confessou que não tinha lido.
E lá foram dois anos de pré-produção e milhões de dólares gastos para que o diretor conseguisse reunir os “guerreiros”, como ele chamou, para embarcar na sua obras messiânica e que “iria mudar a história do cinema”, como o mesmo disse. E Jodorowski não foi modesto na sua empreitada. Primeiro, conseguiu o apoio de gente como Moebius, Dan o’Bannon, HR Giger e Chris Foss na construção artística dos personagens e cenários, além de David Carradine, Orson Welles e Salvador Dali (!!!) como parte do elenco. Até Pink Floyd ele conseguiu convencer a fazer a trilha. Se tudo se encaminhava para ser um encontro de gênios, segundos os quais o cineasta disse que encontrou ou convenceu como uma “obra do destino”, este mesmo encontro de mentes brilhantes acabou sabotando, em parte, a obra.
E é essa a única falha do documentário Jodorowski’s Dune. O diretor Frank Pavich ficou tão encantado pela figura do diretor, que não questiona em nenhum momento como a megalomania dos produtores e a teimosia e arrogância do cineasta também contribuiram para que a obra não saísse do seu enorme storyboard. A produção prometeu muito ao elenco (é hilário a parte em que eles confessam que Welles só aceitou fazer parte da trama após jurarem que chamariam um chef francês para cozinhar para ele todos os dias), estourou orçamentos e o chileno queria fazer um épico espacial de 14 horas. Acabou esbarrando na visão burocrática dos estúdios, que cancelaram o filme ainda no primeiro dia de filmagens de locações.
Porém, se nunca veremos esta peróla nos cinemas, ficamos encantados com o documentário ao perceber a paixão de Jodorowski pelo cinema e como este fala sobre suas idéias com brilhos nos olhos. Pavich entrevistou o diretor em inglês e espanhol e nos dois momentos este parece engrandecer ainda mais sua visão de mundo, mesmo que acabe cedendo em alguns momentos ao seu superego. Seu rosto só muda, dando lugar ao rancor quando lembra como foi preterido depois disso e como sua adaptação acabou parando nas mãos de outro gênio surreal, David Lynch, que conseguiu lançar sua visão de Duna em 1984. Mas, como o próprio Jodorowski faz questão de dizer (com certa satisfação), o filme era “horrível e uma obra de produtor”.
Depois, o cineasta acabou escrevendo quadrinhos e levou muitas de suas idéias para a arte gráfica junto com Moebius. Como seu storyboard rodou por toda Hollywood, muitos filmes depois foram influenciados pela narrativa, como o próprio Star Wars e Flash Gordon. O’Bannon e Giger fizeram juntos um certo horror espacial com monstros, Ridley Scott e Sigourney Weaver. O resto é história. Ou melhor, nunca foi uma história.
terça-feira, 25 de novembro de 2014
terça-feira, 18 de novembro de 2014
Quando algo fica pelo caminho
(artigo originalmente publicado na coluna #DiárioCultural do Diário do Pará, caderno Você de 18/11/2014)
Este artigo contém
alguns pequenos spoilers da temporada final de Boardwalk Empire.
O grande problema das séries de televisão é conseguir manter
a regularidade da história em uma temporada ou várias temporadas inteiras. No
cinema, por exemplo, você tem algumas horas para contar as histórias. Na TV, as
produções exigem toda a calma (ou pressa) necessária para fechar suas
mitologias. Muitas não conseguem, pois a indústria é cruel com fracassos, e são
canceladas abruptamente, sem final. Outras mantêm certo nível de qualidade em
seus roteiros e a coerência com sua narrativa.
Mas, algumas séries se perdem
pelo caminho e o conceito original se desmancha no ar. Foi o caso de Dexter,
que trocou de produtores e assassinou sua reputação depois da quarta temporada.
Durou mais quatro, quando não poderia. Ou de Homeland, que permanece no ar como
uma nulidade após quatro anos, após prometer muito nos seus primeiros
episódios. A trama tensa de gato e rato deu lugar a um amor louco e sem muito sentido.
O que nos trouxe até Boardwalk
Empire. Na estreia, a série chamou a
atenção para os nomes dos envolvidos: o criador era Terrence Winter, roteirista
conhecido por The Sopranos, além de trazer outros escritores e diretores da
premiada série também da HBO, como Tim Van Patten. A produção executiva foi do
ator Mark Wahlberg e de Martin Scorsese, que dispensa apresentações. E a trama
trazia para os telespectadores o jogo de interesses entre mafiosos e políticos
durante a lei seca americana. Sem contar, o talento de Steve Buscemi como o
protagonista Nucky Thompson.
Mas, o encanto com a história
durou apenas duas temporadas. Apesar de alguns núcleos dispensáveis, a trama
era bem amarrada e com boas reviravoltas. O problema veio com a morte de um
personagem importante naquele segundo ano. Parece que os roteiristas se
perderam completamente. Em seguida, tivemos dois anos regulares, até chegar a
este fatídico quinto ano, finalizado há duas semanas.
O que se viu foi uma sequência de
tramas desinteressantes e desperdício de um elenco grandioso, com destaques
para Michael K. Williams (cujo personagem Chalky nem deveria ter voltado para a
série), Jeffrey Wright (que aparece alguns minutos apenas nos oitos episódios)
e Michael Shannon. Shannon , aliás, foi o mais prejudicado. Seu Nelson passou
de um obstinado e louco agente da lei seca para um mafioso patético e burro.
É inaceitável ainda que você
tenha Al Capone e Eliott Ness no seu elenco e não consiga explorá-los
decentemente. Capone prometia muito desde o início, mas virou uma figura sem
noção, que só fazia gritar, gesticular muito e ameaçar capangas quando
aparecia. Nada daquele que se transformou em um dos maiores criminosos do mundo
. Já Ness participou de duas únicas cenas aqui. Se quiser saber quem são eles vá
assistir o clássico Os Intocáveis, de Brian de Palma. Nem a ascensão no
submundo de Charlie “Lucky” Luciano foi bem contada.
Outros personagens como a
prostitura Gillian, o chefe da máfia Rothstein e o assassino sem rosto Richard
Harrow (vivido pelo ator Jack Huston, sobrinho de Anjelica Huston e neto do
grande diretor John Huston) tiveram plots desperdiçados e acabaram mortos ou
esquecido, apesar de prometerem bem mais.
No fim, só sobrou mesmo Steve
Buscemi, que carregou a trama nas costas e deu dignidade ao anti-herói
principal, Nucky Thompson. Buscemi já era um ator conhecido por filmes como
Fargo e Armageddon, mas aqui ele teve o melhor papel da carreira e conseguiu transformar
um poderoso e amargurado empresário do crime em uma figura tridimensional.
Muito pouco para uma série que prometia ser a sucessora natural da história da família
Soprano na HBO. Fica para a próxima.
terça-feira, 11 de novembro de 2014
Nada se cria, tudo se copia
Texto para coluna #DiárioCultural do Diário do Pará publicado originalmente no caderno Você de terça-feira (11/11/2014)).
Filmes de baixo orçamento para pegar carona nas bilheterias de grandes sucessos sempre existiram. A partir da década de 1970, eles se multiplicavam pela Itália, país onde uma série de tosqueiras cinematográficas fizeram sucesso, em um tempo onde não havia internet e os lançamentos e notícias de cinema demoravam a chegar. E tem “readaptações” para todos os gostos: Desde Exterminador do Futuro (que possui uma homenagem até na Tailândia), Tubarão, ET, Star Wars (!!!), até a série de zumbis de George Romero. Ou seja, produtores picaretas pegavam diretores ruins e elencos desconhecidos, copiavam roteiros de filmes famosos e refilmavam na cara de pau, com cenas toscas e efeitos especiais bizarros. Muitas vezes, cenas inteiras dos filmes originais eram “coladas” aqui, o que torna tudo ainda mais absurdo. O resultado ia do péssimo ao divertido. Existe uma versão de Alien em italiano, chamada Contaminação Alien, que é tão idiota que chega a ser engraçada.
Algumas produtoras realmente faziam um trabalho sério com filmes B, como a inglesa Hammer, que ganhou o mundo com versões de monstros clássicos. Outras, usaram o conceito para produzir histórias trashs, mas igualmente originais, como a Troma (cujo criador é um completo maluco chamado Lloyd Kaufmann, mas que deu oportunidade para muita gente que hoje faz sucesso na indústria, como o diretor de Guardiões das Galáxias, James Gunn), sem contar as obras produzidas por Roger Corman (que foi analisado com propriedade pelo jornalista Carlos Eduardo Villaça em sua coluna no Por Aí, aqui do Diário).
Porém, no quesito de maior “homenageadora”, creio que ninguém chega perto da The Asylum. A empresa ficou conhecida pelo sucesso inesperado do péssimo Sharknado (que tem uma continuação saindo por aí), mas já há muitos anos cria coisas absurdas. A sua principal meta é aproveitar sucessos do ano, reunir um elenco de atores decadentes e pronto. Por exemplo, no ano de lançamento de Thor, eles também fizeram sua versão para pegar carona na bilheteria da Marvel. Assim, como na época de Transformers e Guerra dos Mundos, que tiveram cópias toscas lançadas para o mercado mundial. E ainda usaram de todo o cinismo necessário para fazer uma continuação para Titanic, chamada simplesmente de Titanic 2.
A Asylum também é conhecida pelos filmes de monstros e suas respectivas versões versus, como Mega Shark versus Giant Octopus (sério) e Mega Shark versus Mecha Shark, seja lá o que isso signifique. No catálogo da empresa, existem muitos filmes de zumbis, mas a julgar pelo único que vi, Eu Sou Ômega (sim, alternativa para Eu Sou a Lenda, lançada no mesmo ano do filme de Will Smith), é melhor passar longe. Ou então, a outra alternativa é reunir os amigos, a pipoca e rir bastante com o clima tosco que essas obras carregam. Claro, não tem nenhum novo Toxic Avenger aqui, mas pelo menos dá para pesquisar e levar algumas coisas como bons passatempos.
Filmes de baixo orçamento para pegar carona nas bilheterias de grandes sucessos sempre existiram. A partir da década de 1970, eles se multiplicavam pela Itália, país onde uma série de tosqueiras cinematográficas fizeram sucesso, em um tempo onde não havia internet e os lançamentos e notícias de cinema demoravam a chegar. E tem “readaptações” para todos os gostos: Desde Exterminador do Futuro (que possui uma homenagem até na Tailândia), Tubarão, ET, Star Wars (!!!), até a série de zumbis de George Romero. Ou seja, produtores picaretas pegavam diretores ruins e elencos desconhecidos, copiavam roteiros de filmes famosos e refilmavam na cara de pau, com cenas toscas e efeitos especiais bizarros. Muitas vezes, cenas inteiras dos filmes originais eram “coladas” aqui, o que torna tudo ainda mais absurdo. O resultado ia do péssimo ao divertido. Existe uma versão de Alien em italiano, chamada Contaminação Alien, que é tão idiota que chega a ser engraçada.
Algumas produtoras realmente faziam um trabalho sério com filmes B, como a inglesa Hammer, que ganhou o mundo com versões de monstros clássicos. Outras, usaram o conceito para produzir histórias trashs, mas igualmente originais, como a Troma (cujo criador é um completo maluco chamado Lloyd Kaufmann, mas que deu oportunidade para muita gente que hoje faz sucesso na indústria, como o diretor de Guardiões das Galáxias, James Gunn), sem contar as obras produzidas por Roger Corman (que foi analisado com propriedade pelo jornalista Carlos Eduardo Villaça em sua coluna no Por Aí, aqui do Diário).
Porém, no quesito de maior “homenageadora”, creio que ninguém chega perto da The Asylum. A empresa ficou conhecida pelo sucesso inesperado do péssimo Sharknado (que tem uma continuação saindo por aí), mas já há muitos anos cria coisas absurdas. A sua principal meta é aproveitar sucessos do ano, reunir um elenco de atores decadentes e pronto. Por exemplo, no ano de lançamento de Thor, eles também fizeram sua versão para pegar carona na bilheteria da Marvel. Assim, como na época de Transformers e Guerra dos Mundos, que tiveram cópias toscas lançadas para o mercado mundial. E ainda usaram de todo o cinismo necessário para fazer uma continuação para Titanic, chamada simplesmente de Titanic 2.
A Asylum também é conhecida pelos filmes de monstros e suas respectivas versões versus, como Mega Shark versus Giant Octopus (sério) e Mega Shark versus Mecha Shark, seja lá o que isso signifique. No catálogo da empresa, existem muitos filmes de zumbis, mas a julgar pelo único que vi, Eu Sou Ômega (sim, alternativa para Eu Sou a Lenda, lançada no mesmo ano do filme de Will Smith), é melhor passar longe. Ou então, a outra alternativa é reunir os amigos, a pipoca e rir bastante com o clima tosco que essas obras carregam. Claro, não tem nenhum novo Toxic Avenger aqui, mas pelo menos dá para pesquisar e levar algumas coisas como bons passatempos.
terça-feira, 4 de novembro de 2014
Onde os velhos ainda têm vez
(Texto originalmente publicado no jornal Diário do Pará, caderno Você, coluna #DiárioCultural de 04/11/2014)
Finalmente, na última semana, consegui
ver o ótimo filme Nebraska (Nebraska), novo longa de Alexander Payne (Sideways,
Os Descendentes). Bruce Dern vive um velho rabugento, que acredita ter ganhado
um milhão de dólares em uma promoção de marketing e decide ir atrás do prêmio,
em outro Estado, milhares de quilômetros longe de casa. Mesmo sabendo que se
trata de um golpe, o filho decide acompanhá-lo, pois este já apresenta sinais de
demência. O rapaz (interpretado de maneira bem contida pelo comediante Will
Forte) também pretende passar um tempo ao lado dele para entender o porquê de
tanta amargura e insensibilidade com os filhos. É um road movie simples,
filmado em preto e branco, que extrai o melhor do seu elenco, com destaque para
as espetaculares atuações do veterano Dern e June Squibb, como sua impaciente e
desbocada esposa (Os dois indicados com justiça ao Oscar desse ano).
O que Payne conseguiu pode ser
considerado um êxito, pois ele filmou a história do casal de velhinhos fugindo
completamente dos clichês que cercam as atuações reservadas para as atores mais
experientes. São relativamente raras as produções que são sensíveis ao abordar
a relação da velhice com as limitações físicas e emocionais, além da finitude
da vida. Nebraska me lembrou de imediato ao clássico de Ingmar Bergman,
Morangos Silvestres (Smultronstället), onde um professor universitário acerta
as contas com o passado após uma série de sonhos estranhos e durante uma viagem
para receber uma honraria. Em comum, as obras se tornam “filmes de estrada” e
têm personagens difíceis de lidar.
A temática do envelhecimento foi a
tônica do trabalhos de dois dos maiores cineastas de Hollywood. O primeiro foi
Hal Ashby, com o polêmico Ensina-me a Viver (Harold and Maude). Em 1971, Ashby
filmou uma peculiar história de amor entre uma idosa e um garoto que tem um
estranho fascínio pela morte. Com a sutileza própria do autor, o amor aqui não
cai em contornos bizarros, mas o que domina é a delicadeza em uma relação mais
matriarcal que física. Hal Ashby dirigiu um dos meus favoritos, Muito Além do
Jardim (Being There), sobre o qual falarei um dia nesta coluna.
O segundo diretor a se resignar diante
do tempo é Clint Eastwood, só que com menos sutileza. Em Menina de Ouro
(Million Dolar Baby), o eterno Blondie mostra-se seco e cruel, em um exercício
onde a metáfora do Boxe não poderia ser mais apropriada. Já no apenas bom Gran
Torino (Gran Torino), o pistoleiro se redime diante do preconceito racista da
sociedade moderna. Por outro
lado, em 2012, Michael Haneke jogou na cara do público que a velhice pode ser
cruel quando ela quebra uma rotina administrada com todo o carinho e atenção.
Amor (Amour) é a melhor obra do austríaco, já acostumado a usar o cinema como
um exercício sádico sobre a dor humana. A história do senhor que sofre em ver a
mulher se degenerar aos seus olhos é chocante, amarga e os seus gestos de
desespero são compreensivos.
De alguma forma, o cinemão americano
também costuma dar alguma leveza a histórias sobre velhice. Três bons exemplos
são a ótima animação da Pixar UP (UP), o clássico da Sessão da Tarde Cocoon
(Cocoon) e o cultuado Conduzindo Miss Daisy (Driving Miss Daisy). Nesses casos, se
não podemos lutar contra a passagem do tempo, podemos pelo menos aproveitá-la
da melhor maneira possível. Seja a bordo de uma casa de balões, uma nave
espacial ou apenas um carro antigo.
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