sexta-feira, 26 de março de 2010

Um estalar de dedos

Já diz o ditado que, de perto, ninguém é normal. Por essa lógica, o que dizer do ambiente familiar? A primeira palavra que vem à mente é hospício. Uma batalha de egos, manias, costumes e neuroses, que afastaria qualquer pessoa normal desse problemático convívio. Mas o laço sanguíneo não deixa. É família. Pode-se brigar entre si, mas a união e o amor, em tese, falam mais alto. Não é à toa que essa paradoxal relação é constantemente retratada pela indústria do entretenimento. O material de trabalho é farto, seja para a comédia, o drama ou para a ficção científica e o terror.
A combinação desses elementos também é válida, até mesmo necessária, basta ter competência para tal. E um dos produtos culturais que alcançou um nível de excelência nesse aspecto foi "A Família Addams". Os excêntricos personagens criados por Charles Samuel Addams, na década de 1930, uniam humor e horror na medida certa e transportavam todas as suas esquisitices para o cotidiano de uma tradicional família norte-americana. Com base nessa premissa, surgiram seriados de televisão, filmes, desenhos animados e histórias em quadrinhos. Todos com bastante êxito.
“Estranhos e sombrios e causam arrepios, provocam calafrios, é a família Addams”. Seguido de um ritmado estalar de dedos, essa canção, de autoria do compositor Vic Mizzy, morto no ano passado, ficou gravada na cabeça das pessoas que acompanhavam a mais icônica encarnação deste clã na série de TV dos anos 60. Lá os personagens foram batizados, já que Charles Addams não o fez em suas tiras na revista New Yorker. Gomez, Mortícia, Tio Chico, Tropeço, Vovó, Feioso, Vandinha, Primo Coisa e Mãozinha. Até pouco tempo, eu continuava a assistir às aventuras da família no canal por assinatura Nickelodeon, que exibia os episódios de madrugada. Mas, infelizmente, a série saiu do ar, assim como sua “irmã”, "Os Monstros", também excelente.
Os filmes com Raul Julia e Angelica Huston, no início da década de 1990, também marcaram época, ainda que vários detalhes da concepção dos personagens e da visão original do autor tenham sido modificados (embora tenham incluído a clássica trilha sessentista). No entanto, o espírito de “estranheza” da família com o mundo à sua volta foi mantido e isso é o mais importante. E, nos tempos atuais, em que ser mórbido e impactar já não é tão raro assim, os filmes atingiram um grau interessante na escala do macabro, mostrando que os hábitos “comuns” podem ser mais cruéis do que os que têm gosto pelo gótico.
A saga dessa família já foi, portanto, explorada à exaustão. Não há mais nada para tirar daí, certo? Bem, com Tim Burton na parada, a coisa muda de figura. O cineasta é um especialista em tramas sombrias e, com certeza, terá muito que acrescentar a esse universo, já que foi anunciado, na última semana, como diretor de um projeto em stop-motion 3-D baseado no material original dos Addams. Sou suspeito para falar de Burton, mas o fato é que ele estará em terreno seguro e, embalado pelo seu mais recente sucesso, “Alice no País das Maravilhas”, que deve estrear por aqui na próxima semana, dificilmente vai deixar a desejar. E se eu fosse ele, manteria a musiquinha, pois aquele estalar de dedos é fatal: chama o sucesso.

Texto publicado no caderno Por Aí desta sexta, dia 26


Confiram o primeiro episódio da série de 64, em três partes:








Trailer do filme de 1991


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