sexta-feira, 12 de março de 2010

A principal atração da noite

Um dia desses me dei conta de que ainda não havia assistido ao segmento de Quentin Tarantino no projeto Grindhouse, “À prova de morte”. O filme é de 2007 e até hoje não chegou a Belém em DVD e muito menos aos cinemas. Como uma viagem ao exterior ou uma cara importação estavam fora das possibilidades, o jeito foi dar aquela procurada básica na internet. Ah, e antes que me condenem por ter usado tal artifício, só digo que esperei três anos. Ninguém é de ferro. Dito e feito, hora da diversão.
E diversão é a palavra exata para definir tanto o trabalho de Tarantino quanto o de Robert Rodriguez, seu parceiro nessa empreitada, com “Planeta Terror”. As grindhouses, fenômeno norte-americano que se popularizou na década de 70, traziam as famosas sessões duplas com filmes bem podreiras, que exploravam à exaustão a violência e o sexo. Prato cheio, portanto, para o cinema de referências praticado pelos cineastas.
Ambas as partes conseguem retratar com perfeição o clima das aventuras baratas da época e capricham até nos defeitos, como os pedaços faltando, imagens fora de foco e riscadas, entre outros detalhes. No entanto, “À prova de morte” tem ao menos dois momentos que o colocam um degrau acima e o fazem, de fato, “a principal atração da noite”. O primeiro é a visão em quatro ângulos de uma colisão frontal entre dois carros. Simplesmente sensacional, a melhor cena do gênero a que já assisti, sem dúvida. A plasticidade é macabra, tem um quê de perversidade, típica de quem adora (como eu) produções como “Faces da morte”.
O segundo momento é a perseguição automobilística entre dois clássicos do passado: um Dodge Charger preto 1969 e um Dodge Challenger branco 1970, idêntico ao utilizado em “Corrida contra o destino”, uma das inspirações de Tarantino, frequentemente citado no filme. A grande sacada aqui, além de Zoe Bell, dublê de verdade, interpretando ela mesma e correndo perigo real no capô do carro durante a cena, foi filmá-la à moda antiga, sem qualquer tipo de computação gráfica. Fora o fato de provar que todos nós temos uma psicopatia enrustida. Se formos provocados ou a situação exigir, faremos de tudo para sobreviver. Puro instinto. A selvageria é mera consequência.
E se “Planeta Terror” traz participações impagáveis de Bruce Willis, Josh Brolin e do eterno Kyle Reese, Michael Biehh, Tarantino constrói em “À prova de morte” um personagem bem mais interessante e resgata um excelente ator do limbo, Kurt Russel, com seu Stuntman Mike. Engraçado que Kurt foi apenas a terceira opção para o papel, depois de Stallone e Mickey Rourke, mas não vejo como outro ator faria melhor. No mais, adicione um punhado de close-ups de pés e diálogos que exaltam a cultura pop... Voilà, temos uma obra tarantinesca por excelência.

* Texto publicado no Caderno Por Aí desta sexta, dia 12

A melhor cena de colisão da história do cinema:

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