Há algumas semanas, ao escrever sobre O Filho de Saul, citei as semelhanças com Agonia e Glória, de Samuel Fuller. Sam Fuller é um dos mais subestimados cineastas da sua geração, que surgiu na década de 60 e 70. São muitos exemplos dos bons: Peter Bogdanovich, John Cassavetes, Francis Coppola, Martin Scorsese...
Porém, Fuller está mais próximo de outros como Elia Kazan e Sam Peckimpah, que botaram um bode na sala dos americanos, ao ensaiar a própria feiúra do American Way of Life e o padrão de vida da classe média yankee. Nesse sentido, se aproximou bastante da estética do neorrealismo italiano e alemão. É o cinema dos rejeitados e dos desajustados.
Tinha grande interesse e dirigiu várias obras nos gêneros Noir e de Guerra, por motivos óbvios: diante de situações extremadas, como a morte e a loucura, é que o pior e o melhor do ser humano se revelam. Suas narrativas eram envolvidas por camadas de traumas emocionais. Era um cineasta que desnudava, frame a frame, o psicológico dos seus personagens.
Agonia e Glória talvez seja a sua elegia diante da vida. É uma visão melancólica, tristemente real, de uma guerra que foi espetacularizada no cinema até a exaustão. “A verdadeira glória da guerra é sobreviver à ela”, diz o personagem de Lee Marvin, um sargento duro, mas cansado dos horrores causados pelos seres humanos, comandando outros 4 membros de uma infantaria que acaba no meio da guerra, mesmo longe das zonas de batalhas. Além de Marvin, se destacam Robert Carradine e um Mark Hamil recém-saído da continuação de uma certa saga espacial.
Mas há outras cenas igualmente brilhantes, dignas do talento do cineasta. Algumas são bem, digamos pitorescas. O grupo sendo acossado por um único atirador em uma fortaleza é ótima pela revelação de quem é o inimigo. Outra, eles invadem um manicômio, onde trocam tiros com alemães, enquanto os internos permanecem alheios ao que acontece em volta. Em outra, os soldados são confrontados por um único alemão, pendurado em uma imensa escultura de Jesus Cristo na cruz. Há até um parto feito dentro um tanque de guerra.
Tudo isso em meio a diálogos inspirados (“Você sobreviverá, nem que eu tenha que tirar sua cabeça”). Tudo isso narrado pelo personagem de Carradine, um escritor fanfarrão, piadista e que sempre carrega um charuto na boca, um retrato quase autobiográfico de Fuller. Mas é Marvin quem carrega o Um vermelho gigante no peito e que centraliza as emoções da obra. John Wayne se ofereceu para o papel, mas Fuller recusou. Seu rosto era famoso e hollywoodiano demais. Marvin tinha um semblante mais “feio” e duro. Ideal para o papel, o que fica claro na cena final dele, carregando o corpo de uma criança nas costas que possui um simbolismo poderoso. É o resumo de um grande filme feito por grande cineasta. Uma das melhores películas de guerra já feita.
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