segunda-feira, 30 de maio de 2016

A verdade continua lá fora




Alerta: alguns pequenos spoiler da nova temporada de “Arquivo X”

Foi com muita expectativa que os fãs de “Arquivo X” receberam a confirmação de mais uma temporada da série pela Fox. Não era para menos. Diferente da malfadada 9ª temporada, que não contava com o agente Fox Mulder, dessa vez os astros principais David Duchovny e Gilliam Anderson acertaram seu retorno. Era a chance de reestabelecer as pontas soltas deixadas com o fim da série, há 14 anos, e atualizar a história para o público atual.
Mas, infelizmente, fica um gosto bem amargo para quem esperava mais do criador e produtor Chris Carter. A nova narrativa é decepcionante. É uma temporada curta, com seis episódios apenas. Desses, apenas dois tratam da mitologia oficial da série. E são bem fracos. Dos quatro restantes, há um episódio bom (“Mulder e Scully Meet Were-Monster”), um razoável (“Founders Mutation”) e dois bens ruins (“Home Again” e “Babylon”). Uma volta frustrada, principalmente para os fãs das seis primeiras temporadas, base na qual eu me encaixo. Não há um monstro da semana memorável, como aqueles de Prometeus Pós-Moderno e Folie a Deux.
Carter optou por muitas saídas fáceis nos roteiros, apressados e sem muito sentido. Quando você precisa usar do artifício da verborragia exagerada, alguma coisa deu errado. Fora que as coisas parecem cheirar a mofo: o criador insiste em manter a criatura parada no tempo ao manter temas batidos, como vírus mortais e exposições longas sobre DNA, como se a internet não estivesse por aí com milhares de reportagens sobre avanços da ciência.
Há algumas cenas divertidas sobre os agentes tentando lidar com equipamentos novos, como celulares e só. Tivesse se inspirado em outra grande série de sci-fi, como “Fringe” e sua ciência de borda, seria melhor. Até a tentativa de se criar uma nova dupla de agentes à imagem e semelhança do nosso icônico casal Carter tentou, usando de um humor até bastante peculiar, mesmo em se tratando da série. Entretanto, não deveria existir tanto espaço para dancinhas constrangedoras.
O que ainda mantém a história “assistível”, sem dúvida nenhuma, são os atores principais. O carisma de David Duchovny é inegável. E Gillian Anderson é uma boa atriz, conseguindo segurar bem as cenas mais dramáticas. Porém, Mitch Pileggi e seu Skinner pouco aparece. Aliás, manter o status de diretor assistente parece pouco para um personagem que teve tanta importância na série. Seria bacana vê-lo como diretor geral do FBI. E o retorno do Canceroso não é mais do que uma ponta desnecessária, deixando pouco espaço para William B. Davis voltar a ser aquela ameaça que gelava a espinha dos espectadores sempre que aparecia com seu cigarro na mão, em outras eras. O final em aberto desse tomo abre possibilidades para um 11° ano. Espero que tenha. Não é possível manter tantos mistérios pendentes assim. E seria de bom tom que Chris Carter passasse sua criação para outro produtor e escritor. Já pensou esse material nas mãos de J.J. Abrams? Não custa sonhar.

Terror expandido



O trailer pode até enganar mostrando uma ficção científica de ação, mas Rua Cloverfield 10 é, na verdade, um thriller psicológico. E dos mais eficientes. Primeiro, porque se apoia em um desafio, que é manter o interesse do público sendo um filme de câmara (que se passa em um único ambiente, como já expliquei em artigo anterior). E isso sem apelar para a enrolação. O roteiro é simples, mas eficiente.
A produção se aproxima bastante de outro filme: Possuídos (de William Friedkin, de O Exorcista). As duas obras se desenrolam em um único cenário e têm um personagem que envolve os demais em um aterrorizante jogo psicológico. Mas, o filme do estreante Dan Trachtenberg tem algumas vantagens. A primeira é saber criar tensão diante de uma ameaça que permanece boa parte do tempo invisível.
A sacada genial é situar a trama na mesma realidade do blockbuster Cloverfield (2008), que mostrou uma invasão alienígena em Found Footage. Compreendendo que realmente houve a destruição do mundo lá fora, os riscos para os personagens são reais. Por outro lado, há medos frequentes ali dentro também.  E o espectador acaba entrando no clima de claustrofobia graças ao excelente design de produção, que torna um bunker um ambiente acolhedor, mas ao mesmo tempo opressor como uma prisão. A trilha reforça bem a atmosfera de tensão crescente, até atingir seu clímax no ato final da história.
 Mas a narrativa não funcionaria com um elenco ruim. Aqui, o trio principal consegue segurar o filme inteiro com competência. John Gallagher jr. Faz um personagem ignorante, mas de bom coração, que só encontra violência na vida. Já a bela Mary Elizabeth Winstead segura uma personagem decidida e inteligente, capaz de avaliar cenários e tomar decisões frias, mesmo em uma situação de extrema adversidade. E representa algo já corriqueiro na filmografia do produtor J.J. Abrams: mulheres fortes como protagonistas, já mostrado em Star Wars – O Despertar da Força.  
Entretanto, boa parte da força da produção reside na participação, sempre competente aliás, de John Goodman. O astro está se especializando em criar tipos bonachões, aparentemente bem intencionados, porém completamente dominados por uma instabilidade psicológica. É só lembrar de Sobchak em O Grande Lebowski. Em Rua Cloverfield, ele é capaz de criar temor apenas com o olhar ou pequenos gestos, como mexer a barba. Suas expressões faciais anteveem seus atos e é incrível acompanhar sua transformação. Em um mundo justo, Goodman seria lembrado em algumas das premiações anuais do cinema americano.
Rua Cloverfield 10 é um bom início de carreira para Trachtenberg e uma boa surpresa em uma safra de poucos filmes de grande bilheteria realmente bons, provando que é possível fazer muito com orçamentos diminutos, mas grandes ideias.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A elegia de um rejeitado





Há algumas semanas, ao escrever sobre O Filho de Saul, citei as semelhanças com Agonia e Glória, de Samuel Fuller. Sam Fuller é um dos mais subestimados cineastas da sua geração, que surgiu na década de 60 e 70. São muitos exemplos dos bons: Peter Bogdanovich, John Cassavetes, Francis Coppola, Martin Scorsese...
Porém, Fuller está mais próximo de outros como Elia Kazan e Sam Peckimpah, que botaram um bode na sala dos americanos, ao ensaiar a própria feiúra do American Way of Life e o padrão de vida da classe média yankee. Nesse sentido, se aproximou bastante da estética do neorrealismo italiano e alemão. É o cinema dos rejeitados e dos desajustados.
Tinha grande interesse e dirigiu várias obras nos gêneros Noir e de Guerra, por motivos óbvios: diante de situações extremadas, como a morte e a loucura, é que o pior e o melhor do ser humano se revelam. Suas narrativas eram envolvidas por camadas de traumas emocionais. Era um cineasta que desnudava, frame a frame, o psicológico dos seus personagens.
Agonia e Glória talvez seja a sua elegia diante da vida. É uma visão melancólica, tristemente real, de uma guerra que foi espetacularizada no cinema até a exaustão. “A verdadeira glória da guerra é sobreviver à ela”, diz o personagem de Lee Marvin, um sargento duro, mas cansado dos horrores causados pelos seres humanos, comandando outros 4 membros de uma infantaria que acaba no meio da guerra, mesmo longe das zonas de batalhas. Além de Marvin, se destacam Robert Carradine e um Mark Hamil recém-saído da continuação de uma certa saga espacial.
Mas há outras cenas igualmente brilhantes, dignas do talento do cineasta. Algumas são bem, digamos pitorescas. O grupo sendo acossado por um único atirador em uma fortaleza é ótima pela revelação de quem é o inimigo. Outra, eles invadem um manicômio, onde trocam tiros com alemães, enquanto os internos permanecem alheios ao que acontece em volta. Em outra, os soldados são confrontados por um único alemão, pendurado em uma imensa escultura de Jesus Cristo na cruz. Há até um parto feito dentro um tanque de guerra.
Tudo isso em meio a diálogos inspirados (“Você sobreviverá, nem que eu tenha que tirar sua cabeça”). Tudo isso narrado pelo personagem de Carradine, um escritor fanfarrão, piadista e que sempre carrega um charuto na boca, um retrato quase autobiográfico de Fuller. Mas é Marvin quem carrega o Um vermelho gigante no peito e que centraliza as emoções da obra. John Wayne se ofereceu para o papel, mas Fuller recusou. Seu rosto era famoso e hollywoodiano demais. Marvin tinha um semblante mais “feio” e duro. Ideal para o papel, o que fica claro na cena final dele, carregando o corpo de uma criança nas costas que possui um simbolismo poderoso. É o resumo de um grande filme feito por grande cineasta. Uma das melhores películas de guerra já feita.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Duelo de Gigantes





Capitão América – Guerra Civil é a adaptação de história em quadrinhos menos adaptada da história do Cinema. E isso é muito bom para o filme. Eu explico. A essência da película é o conflito entre o herói do título e o Homem de Ferro, exatamente como na saga que leva o mesmo nome nas HQs. Mas não é só. O trabalho dos irmãos Joe e Anthony Russo consegue ser bem fiel a esse enredo, apesar de ter menos heróis que o original, o que é justificável em se tratando de um filme de 2h30. Mas Guerra Civil é uma grande homenagem à arte sequencial. Se você, desde criança, se encanta com uma banca de revistas e já foi ver a produção, sabe do que estou falando.
Como não se arrepiar e se lembrar dos pioneiros Joe Simon, Jack Kirby, John Byrne e Stan Lee?. Aquela ingenuidade legítima das histórias, que também abriam espaço para abordar temas sérios, como o preconceito, mortes e traições?. Assuntos que Alan Moore potencializou em Watchmen, já na década de 1980. Nesse ponto o roteiro é quase impecável. Todas as ações, diálogos e cenários têm razão de ser e funcionam perfeitamente no contexto da cronologia estabelecida pela Marvel, com sucesso, no cinema. A narrativa é fluida e eficaz.
As atuações, figurinos e design de produção acendem um brilho nos olhos dos aficionados. Todas as cenas, principalmente nos embates, são milimetricamente pensadas como grandes páginas de HQ. Um sorriso atravessou meu rosto ao ver a aparição, digamos, gigantesca de um novo/velho personagem, que não aparece nos trailers, mas que os Russos deixaram como cereja no bolo do embate da já icônica cena do aeroporto. É tudo que a gente esperava em um filme da Marvel: herói contra herói, frente a frente. É uma página dupla do George Perez em movimento. Provavelmente, os minutos mais divertidos do Universo da editora. Já no final do filme, ocorre uma reprodução literal da última capa da Guerra nos quadrinhos.
E não podemos deixar de citar a entrada do Homem-Aranha. É uma adição bem-vinda ao cânone oficial da empresa na tela grande. O “cabeça-de-teia” é jovem, boquirroto e bem poderoso. E o uniforme é uma homenagem ao Aranha clássico, de Steve Ditko, e que mesmo revitalizado para os tempos modernos, não perdeu o seu charme de adolescente na pindaíba, que luta irresponsavelmente. O elenco é estrelado, com grandes atores, alguns até fazendo quase pontas, como Marisa Tomei. Mas é Chris Evans e Robert Downey Jr, os protagonistas, que se destacam, pelo tempo em cena e pela carga dramática alta.
E assim o universo Marvel se estabelece no cinema e promete muito nos próximos anos. Os diretores já anunciaram que Vingadores 3 será maior e mais intenso, já que será dividido em duas produções. Mal posso esperar por isso.