quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Ser ou não ser Star Wars?. Eis a questão



Rogue One não é um filme de Star Wars. Mas é um dos mais Star Wars da franquia. Explico. Rogue não tem o tradicional letreiro de abertura contando a história. Não possui o título na fonte conhecida e nem a tradicional contagem em números romanos. E nem tem a trilha do John Williams (quem assume a batuta musical é Michael Giacchino). Por outro lado, recupera alguns elementos perdidos dos filmes originais e traz diversas homenagens, que funcionam e emocionam, na maioria das vezes.
O enredo da produção materializa um fato apenas citado em Uma Nova Esperança: o roubo dos planos de construção da Estrela da Morte pela Aliança Rebelde, que ajuda a destruir a arma e os planos do Império galáctico, comandado por Darth Vader. O grupo de assalto é liderado pela rebelde Jyn Erso (Felicity Jones, pouco expressiva), filha do engenheiro-chefe da Estrela, Galen (O veterano Mads Mikelssen).
O mais interessante do roteiro é dar camadas mais sombrias às motivações dos personagens. Cassian (Diego Luna) é o arquétipo de um herói trágico e Saw Gerrera (Forest Whitaker, ótimo) faz um terrorista fanático que se afastou da causa rebelde e defende ações mais violentas contra o poder vigente. Outro fato interessante é trazer de voltas as referências aos westerns, que tinham sido deixadas de lado nas produções recentes. E ainda adiciona elementos de filmes Wuxia (obras chinesas de ação e fantasia) e de ação. Aliás, as sequências mais agitadas são muito bem dirigidas por Gareth Edwards (do ótimo Monsters e do ruim Godzilla). Edwards explora bem os cenários paradisíacos, a distribuição dos personagens na tela e em profundidade de campo.
E como não poderia deixar de ser, há muitas homenagens à mitologia da série, seja com participações especiais (algumas, digamos, robóticas), músicas e no design de produção (como a reprodução de um ambiente de fazenda que havia no Episódio IV e o planeta onde Anakin é derrotado após a batalha com Obi-Wan Kenobi). Nem os odiados Episódios I, II e III são esquecidos e há uma ligação clara de um personagem com a trama bizarra montada por George Lucas naquela trilogia.
Apenas duas coisas me incomodaram aqui: as motivações do vilão principal Krennic (vivido pelo ótimo Bem Mendelsohn) não são muito claras e o esperado embate final dele com Jyn é decepcionante. Outro problema é o CGI usado para recriar o rosto de dois personagens clássicos da franquia. Não ficaram bons e deixam uma sensação de quem são emborrachados, distraindo dos diálogos. De resto, é um legítimo Star Wars, mesmo não sendo. Vida longa à Força.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Em algum lugar do passado


Clara é uma mulher inteligente e relativamente famosa. Mora em um apartamento confortável na beira da praia da Boa Viagem, em Recife. Ela possui um carro importado e conseguiu criar os filhos tranquilamente. Mas, assim como parte dos brasileiros sem o mesmo nível de estudo e classe social, ela sofre com o poder de influência do dinheiro, de empresários sem ética, do preconceito e da violência. Em Aquarius, o melhor filme brasileiro do ano e um dos melhores de 2016, ela é a dona do último apartamento ocupado no edifício título do filme. Por causa disso, enfrenta a especulação imobiliária, que quer tirá-la de lá para construir apartamentos de luxo.
Aquarius se beneficia do talento do diretor para criar rimas visuais elegantes e ter completo domínio dos elementos em cena, com enquadramentos e planos-sequências bem planejados. Em uma das cenas, Clara está dormindo na rede, enquanto os engenheiros se aproximam da entrada do prédio, vistos pela janela. A câmera consegue abarcar os dois mundos prestes a entrar em colisão, usando a profundidade de campo. Outro exemplo é quando dois personagens promovem um “embate” de carros em marcha ré, em plano fechado. Há ainda uma passagem, quando Clara vai ao cemitério e ela presencia a retirada de ossadas de uma sepultura. É o despejo do corpo no tempo, uma metáfora sobre o “despejo” sentimental da protagonista pela ambição empresarial.
A cena inicial parece deslocada do contexto, mas é na verdade um recorte de memória vívido e específico. Memórias estas que funcionam como uma âncora moral para a protagonista,  diante das ameaças e abusos que sofre para abandonar seu maior patrimônio físico e sentimental. De maneira alguma é apegada ao passado, mas sim às suas lembranças. Jornalista e escritora, ela tem orgulho de conhecer novas tecnologias, como o streaming, que ela faz questão de dizer. Mas prefere os discos de vinil. Pegar, analisar, ouvir, lembrar. Atos consecutivos para manter a mente em uma sintonia sensorial com o passado.
E o trabalho de Sônia Braga é o mais importante para a construção da mensagem do filme. Clara consegue transparecer um ar doce, mas também duro e inquisidor quando necessário. O tom professoral, mas ao mesmo tempo juvenil, muda com pequenas alterações de voz, gestos prosaicos como amarrar o cabelo ou o rosto serenando ao iniciar uma música que gosta. Por mais clichê que a frase pareça, é possível dizer que Braga é a alma do filme.  
O único senão de Aquarius é a quantidade de temas relevantes que Kleber tentou abarcar roteiro e que acabam passando em brancas nuvens dado às prioridades temáticas do diretor, como a venda de drogas na orla, o namoro gay de um dos filhos e a relação patroa/empregada. O roteiro deixa escapar essa “ansiedade” de autor, tentando mostrar ao mundo suas preocupações sociais. De qualquer forma, nada que prejudique uma obra tão importante como Cinema e tão necessária para o Brasil convulsionado de hoje.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Um novo começo


Star Trek – Sem Fronteiras (2016) é o terceiro filme de uma nova franquia estabelecida com o selo da aventura espacial iniciada em 2009. Naquele ano, JJ Abrams (diretor também do novo Star Wars) conseguiu criar um sucesso de bilheteria com uma história cativante, efeitos especiais de primeira e um elenco novo e carismático. A produção atual é a melhor desse reinício. Primeiro, porque rompe com o cânone da série original. Há personagens e motivações novas e isso é bom para atrair um público mais jovem. Algumas decisões são polêmicas e acertadas (introdução ao debate sobre homossexualismo, por exemplo).
O roteiro, escrito pelo ator Simon Pegg (o engenheiro Montgomery Scott) flui bem e funciona ao dividir os personagens em diversos núcleos de ação, dando função narrativa para a maioria deles, dentro de suas características próprias. É um filme de equipe e como tal todos são importantes em algum momento na história. Há muitas piadas e referências divertidas, principalmente nos diálogos entre Spock e Mccoy. O uso de Public Enemy e Beastie Boys na trilha é uma sacada divertida de Pegg.
Infelizmente as personagens femininas perdem espaço do meio da película, principalmente a novata guerreira alienígena Jaylah. Por outro lado, o ator Idris Elba cria um ótimo vilão e é sempre uma presença marcante em cena. O clima é de nostalgia, com a trilha sonora e elementos homenageando o elenco principal da mitologia, principalmente Leonard Nimoy (o Dr. Spock original), falecido em 2015. Há ainda uma melancolia indireta com a presença de Anton Yelchin, que interpreta o russo Chekov e que teve uma morte trágica esse ano.
O problema está na direção de Justin Lin (que era conhecido apenas por 3 continuações de Velozes e Furiosos). Lin parece um discípulo de Michael Bay na hora de construir a tensão nas cenas de ação. Montagem frenética, movimentos de câmeras confusos e maneirismos estéticos (como tremores) exagerados deixam a experiência confusa. Há momentos em que é impossível distinguir o que acontece nas cenas.  O diretor precisaria pegar umas aulas com os irmão Russo sobre como filmar movimento. Mesmo assim, Star Trek Sem Fronteiras é uma experiência à altura dos seus antecessores. Vida longa e próspera à saga nos cinemas, então.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Uma semana com Pokémon Go



Desde que a Nintendo e a Niantic divulgaram o lançamento do jogo Pokémon Go, a internet ficou em polvorosa. A primeira empresa dispensa apresentações. Criou o ícone dos games Mário, os consoles Nintendinho , Super Nintendo e Nintendo 64 e, por causa disso, já foi a maior empresa de jogos do mundo, mas vêm perdendo espaço para a Sony (Playstation) e Microsoft (Xbox). A segunda só tinha certa visibilidade por outro aplicativo de realidade virtual, o Ingress, onde o jogador anda pela cidade atrás de portais mágicos em pontos específicos.
E foi usando a mesma engenharia que a nova diversão dos bichos virtuais foi criada. E, como esperado, virou uma febre mundial em poucos meses. O game demorou bastante para chegar ao Brasil, o que gerou uma onda de protestos dos jogadores brasileiros. Mas há duas semanas, com o servidor nacional no ar, não se fala de outra coisa. Confesso que este é o meu primeiro contato com o universo “pokemonistico”. Então, não sou o mais habilitado a comparar a experiência nova com as outras. Mas alguns pontos posso destacar, após uma semana com o aplicativo devidamente instalado no meu celular. O primeiro é o uso da realidade virtual (RV) e do sistema de GPS para a dinâmica da jogabilidade. É um caminho interessante para o universo gamer: ter várias funções do celular integradas em uma única engine (plataforma de criação de jogos).
Outras experiências de RV já foram feitas, mas nada tão bem executado. A segunda é mais interessante: ajudar a molecada (e os adultos também) a sair de casa e caminhar pela cidade, ocupando espaços públicos. Afinal, a caçada à pokestops (locais marcados no mapa onde há itens de brinde) permite visitar praças, pontos turísticos e locais onde a história da cidade é contada, como museus e igrejas. Também ajuda a melhorar a economia local. Restaurantes, lanchonetes e shoppings estão abarrotados de prováveis clientes, ligados no celular. É um processo de gentrificação salutar e necessário, onde a tecnologia se mostra uma aliada importante para governos e professores. Fora que permite a socialização entre as pessoas. É um álbum de figurinhas redesenhado.
Mas, claro que há alguns senões. O primeiro é que o programa é bem pesado para smartphones mais, digamos, simples. É preciso ter celulares de última geração para aproveitar a experiência de maneira fluida, sem bugs e travamentos. E ele consome muita memória e bateria. Em alguns momentos, o aparelho esquenta em excesso. Outro problema é a falta de ação. As únicas batalhas possíveis entre os animais upados são nos ginásios. Não há muita coisa a se fazer a não ser colecionar pókemons. A Niantic promete, nas próximas atualizações, que os usuários poderão batalhar entre aparelhos e trocar bichos repetidos. E também há uma expectativas entre os fanáticos de integração com os aparelhos da Nintendo, como o esperado NX. Enquanto isso, fico procurando novos personagens. Vamos andar por aí, então.
Falando em Pokémon, a RBA está com uma promoção do jogo. Toda semana, o Diário Online vai divulgar um ranking com os melhores treinadores. Os líderes do ginásio da torre da empresa ganharão prêmios. Maiores informações no site do DOL: www.diarioonline.com.br

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O monstro da nostalgia



O que falar de “Stranger Things”, de que mal assisti a primeira temporada e já considero pacas? Bem, primeiro que é uma “covardia” a Netflix lançar a série homenageando os anos 1980, período da infância da maioria dos seus clientes, que está na marca dos 30 anos. É uma visão estratégica da empresa, para fidelizar e atrair novos assinantes. E deu certo demais, pois pegou no ponto fraco dos cinéfilos: a nostalgia.
E notem que os nostálgicos são praticamente um nicho de mercado atual. É só vermos os novos filmes baseados em sucessos daquele período, como Caça-Fantasmas, Blade Runner, e da série MacGyver. Mas nenhum deles parece ter a “cara-de-pau” dos irmãos Matt e Ross Duffer, criadores da nova série, em copiar os melhores conceitos dos grandes filmes daquela época. E tudo funciona muito bem, graças à capacidade que eles tiveram em prestar muitas, mas muitas homenagens, e manter um roteiro decente e um trabalho honesto.
A sensação de déjà vu está presente em cada frame do seriado. Uma gama considerável de diretores tiveram seu estilo de filmar copiado pela série. A maneira como Steven Spielberg trabalha, com a câmera na altura das crianças, por exemplo. O humor negro e ingênuo dos roteiros de Robert Zemeckis e Fred Dekker. A tensão presente em Tobe Hopper e John Carpenter. O estilo acelerado de Sam Raimi. E a trilha é uma emulação descarada de Vangelis, com sintetizadores e teclados se sobrepondo, e alguns pontos com uma atmosfera gótica do grupo Goblin, famoso por fazer a composição de produções de horror italianas. Sem contar as músicas de Jefferson Airplane e The Clash (cuja “Should I Stay or Should I Go” é essencial para a história) que embalam as cenas.
O roteiro parece escrito por um Stephen King inspirado e adaptado a quatro mãos por John Landis e John Hughes. Crianças curiosas, conflitos de adolescentes, criaturas sobrenaturais em pequenas cidades americanas, mundos alternativos. Até algumas cenas repetidas daqueles filmes são copiadas aqui, como o cientista malvado que pouco fala e a facilidade em se entrar em instalações que deveriam ser de segurança máxima. Como é divertido encontrar todas as referências. O resumo, em si, já é um amontoado de (bons) clichês: vários habitantes de Hawkings são mobilizados para achar um garoto desaparecido, enquanto um monstro ataca pessoas na calada da noite.
O figurino, cabelos e cenários saíram de “Os Fantasmas se Divertem” (nem preciso dizer que Tim Burton é outro homenageado) . Não é à toa que Winona Ryder tem uma forte presença na série como a protagonista. Ela simplesmente dá um show em cena como a mãe desesperada para encontrar o filho desaparecido. Já Matthew Modine praticamente repete o papel de Peter Coyote em ET, o Extraterrestre, como o cientista cheio de segredos e poderes. E é claro que a narrativa não funcionaria se o elenco infantil não causasse empatia. Eles são tão carismáticos, inteligentes e divertidos quanto a garotada de “Goonies” e “Conta Comigo”. Rimos com eles e tememos por suas vidas. Eis a fórmula principal do sucesso de “Stranger Things”: nos sentimos crianças novamente. Queremos mais disso, lógico.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Os ventos da mudança


Em um dos episódios da ótima série “Master of None”, o personagem principal, que é nova-iorquino descendente de indianos, reclama da falta de papéis para atores da Índia que não sejam de gurus sábios ou cantores. Ele mesmo tenta ganhar a vida interpretando e sua única chance verdadeira é em um filme de ação tosco, no papel de um cientista, que acaba sendo cortado na montagem, por não ter muita importância. Aziz Anzari é um ótimo comediante e aqui ele expõe um bode na sala do mundo do cinema americano: a falta de representatividade real de grupos minoritários na tela grande.
Há algumas décadas, essa discussão não teria tanta importância, quando era comum atores brancos fazerem black face (pintarem o rosto para compor personagens negros) ou esticarem os olhos e pintarem um bigode fino na tentativa de parecerem chineses. Mas, nos últimos anos esse debate ganhou força, graças à atuação firme de grupos e artistas, além das necessárias discussões nas redes sociais. O alvo recente foi a Academia de Cinema de Hollywood, que não teve nenhum negro entre os indicados ao Oscar deste ano, inclusive nas categorias técnicas.
Para tentar dirimir a questão, a presidência da entidade responsável pela festa da estatueta dourada anunciou os novos membros da entidade há duas semanas. Dos 680 escolhidos, 46% são mulheres e 40% não-brancos. Há alguns brasileiros, como os cineastas Anna Mulayert (Que Horas Ela Volta?) e Alê Abreu (O Menino e o Mundo) e o diretor de fotografia Lula Carvalho. Ainda é um quantitativo pequeno, mas é um passo considerável nesse processo relativamente recente de inclusão social na sétima arte.
Um detalhe interessante é a criação do chamado Teste de Bechdel, que calcula uma espécie de coeficiente de participação feminina nos filmes e séries. Se a produção tem mais de duas mulheres ou se elas conversam entre si que não seja sobre homens são algumas “equações” usadas para determinar isso. A maioria das obras não passa no teste, mas é curioso ver a quantidade de sucessos de bilheteria ou da audiência na TV que têm mulheres fortes como protagonistas, como o filme “Jogos Vorazes” e a série “The Good Wife”.
Os próprios artistas estão se mobilizando para promover a inclusão social na cultura americana. O cantor Adam Lambert, atual vocalista do Queen, desistiu de participar da releitura de “Rocky Horror Picture Show” para dar lugar a uma atriz trans. O papel ficou com Laverne Cox, que já vinha se destacando em outra série inclusiva, “Orange is The New Black”. “Sense 8” também tem uma atriz trans, Jaime Clayton. O mais importante, no fim das contas, é o sistema de produção de cinema perceber que a diversidade racial, religiosa e sexual deve estar presente lá, mesmo que tímida, como em toda sociedade.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Um encontro épico. Mas não muito...


Zack Snyder ainda tinha um pouco de crédito comigo como diretor de cinema. Afinal, fez os ótimos “Madrugada dos Mortos” e “Watchmen” (que acho um grande filme subestimado). Mas, parece que ele desaprendeu a fazer adaptações e vem num declínio digno de M. Night Shyamalan. A diferença é que o diretor de “O Sexto Sentido” tem investido seu tempo em filmes pequenos, enquanto que Snyder dirigiu o maior embate dos quadrinhos, sonhado por milhões de fãs e que, finalmente, chegou aos cinemas: “Batman vs Superman – A Origem  da Justiça”.
Bem, finalmente os leitores têm seu desejo atendido pela DC Comics, editora dos dois grandes heróis. A má notícia é que o filme é ruim de dar dó. Era quase impossível a história dar errado. Há muito material disponível nos gibis, prontos para serem projetados em tela grande. Mas Snyder parece que preferiu ouvir o próprio ego, o que já tinha prejudicado “O Homem de Aço”, aquela película horrorosa que adaptou novamente a origem do kriptoniano.
Zack Snyder está tão perdido aqui que o único fio condutor que une este filme com “Man of Steel” é a maior falha daquele: o fato do herói destruir prédios nas lutas com os vilões, sem se importar com as pessoas e com a destruição da cidade de Metrópolis. A irresponsabilidade inacreditável do personagem atinge diretamente o Homem-Morcego, que perde amigos com a queda do prédio da sua empresa na cidade. Assim, ele resolve caçar o rival.
Batman também não é favorecido aqui. Sua origem é repetida com cenas praticamente idênticas ao filme do Christopher Nolan. E as motivações de Bruce Wayne são de matar, literalmente. Nem sua veia de detetive aparece, já que ele se perde em buscas tolas e sem sentido. Snyder explora o paralelo entre o arquétipo do herói, em Clark Kent e Jesus Cristo. Porém, sem nenhuma sutileza. A fotografia aposta em tons excessivamente escuros, que dificulta o entendimento do que acontece em várias cenas. A direção é pouco inspirada, focada em cenas forçadamente épicas, com câmeras lentas e muito barulho. Um nada criativo elemento narrativo da quebra de um colar de pérolas se despedaçando pelo chão também aparece. A estética é cafona ao extremo e o roteiro é bem fraco.
Há coisas estranhas demais. Gotham e Metrópolis estão a uma travessia de balsa de distância e, mesmo assim, os heróis se portam como completos desconhecidos um do outro. A narrativa desrespeita o senso de ética e justiça dos dois icônicos símbolos da arte sequencial. Até o compositor Hans Zimmer, que dispensa apresentações, não foi muito feliz na trilha sonora, apelando para temas dramáticos excessivos e repetitivos. O que ainda salva a produção do desastre total, vá lá, é o elenco, que se esforça para dar alguma dignidade a diálogos enfadonhos e construção dramática forçada.
Henry Cavill e Bem Affleck são bons atores, além de estarem rodeados por um círculo respeitável de coadjuvantes como Holly Hunter, Diane Lane e Jeremy Irons. Por outro lado, Jesse Eisenberg força a mão como um Lex Luthor da geração “Millenials”. Seus risos e trejeitos nos fazem ter saudades de Gene Hackman no papel. Um filme esquecível, infelizmente. Nesse ritmo, a DC deve continuar levando uma surra da Marvel. Quando o assunto é cinema, claro.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Autoral e imperfeito





Do italiano Nanni Moretti eu só tinha assistido a dois filmes: o bom “Habemus Papam” (idem, 2011) e o excelente “O Quarto do Filho” (“La Stanza del Figlio”, 2001). Com “Minha Mãe” (“Mia Madre”, 2015), creio já poder denominá-lo como o cineasta do sofrimento familiar., principalmente pelos dois últimos citados. Moretti trabalha no limite do conceito das relações que se desmancham e se revelam ambíguas diante da inevitabilidade da morte.
Por trás do desconforto de viver, entre risadas e lágrimas, existe uma casca de normalidade que racha com a rotina quebrada. Na sua obra mais recente, o autor conta a história de uma cineasta Marguerita (Margherita Buy, excelente) e do irmão Giovanni (o próprio diretor, que costuma tomar para si sempre um dos papéis principais nas suas produções) tentando lidar com a morte iminente da mãe Ada (Giulia Lazarini, emocionante), uma professora aposentada triste, mas de espírito carismático.
Entre idas e vindas dos hospitais, Marguerita trabalha com os bastidores do cinema, supera o relacionamento com o jovem amante e dá suporte emocional para a filha adolescente, além de lutar com a própria consciência, que insiste em revisitar um passado doloroso, mas revelador, muitas vezes confundido com delírios e sonhos. Pela ótica do cinema, Moretti investe em uma metalinguagem nem um pouco sutil, porém intensa: os diálogos reais e fictícios atingem o público de maneira certeira. E o “filme-dentro-do-filme” também carrega o peso da crítica ao capitalismo e à exploração da classe trabalhadora.
O público ainda se torna alvo de Moretti. Logo no início, há uma frase de Marguerita em que ela discute com o diretor de fotografia, mas que parece olhar diretamente para quem está por trás das telas, quando a personagem diz algo como: “Por que você deu close nas pancadas da polícia?”. Ele responde: “Ajuda a trazer o público para dentro do filme”. E ela arremata: “Mas eu não quero o público dentro do filme. Você gosta de violência, eu não”. Uma crítica indireta e direta ao mesmo tempo.
Pois é da não-violência que o autor extrai emoções e exorciza seus próprios demônios, pois existem, provavelmente, camadas de autobiografia aqui. E Minha Mãe também é uma prova de amor ao cinema. Há belas citações à Stanley Kubrick, Roberto Rosselini e Federico Fellini, principalmente nas palavras de John Turturro, que aqui faz um ator americano canastrão, mentiroso e cheio de marra. É o paralelo simbólico entre o cinema americano e o “estrangeiro”. O primeiro fascinante em sua “falsidade” grandiosa; e o outro, fascinado no estranhamento e na admiração simbólica e estética. Curiosamente, Turturro é descendente de italianos e conhecido por atuar em produções independentes nos EUA. É o ator perfeito para um filme que se quis imperfeito.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

A verdade continua lá fora




Alerta: alguns pequenos spoiler da nova temporada de “Arquivo X”

Foi com muita expectativa que os fãs de “Arquivo X” receberam a confirmação de mais uma temporada da série pela Fox. Não era para menos. Diferente da malfadada 9ª temporada, que não contava com o agente Fox Mulder, dessa vez os astros principais David Duchovny e Gilliam Anderson acertaram seu retorno. Era a chance de reestabelecer as pontas soltas deixadas com o fim da série, há 14 anos, e atualizar a história para o público atual.
Mas, infelizmente, fica um gosto bem amargo para quem esperava mais do criador e produtor Chris Carter. A nova narrativa é decepcionante. É uma temporada curta, com seis episódios apenas. Desses, apenas dois tratam da mitologia oficial da série. E são bem fracos. Dos quatro restantes, há um episódio bom (“Mulder e Scully Meet Were-Monster”), um razoável (“Founders Mutation”) e dois bens ruins (“Home Again” e “Babylon”). Uma volta frustrada, principalmente para os fãs das seis primeiras temporadas, base na qual eu me encaixo. Não há um monstro da semana memorável, como aqueles de Prometeus Pós-Moderno e Folie a Deux.
Carter optou por muitas saídas fáceis nos roteiros, apressados e sem muito sentido. Quando você precisa usar do artifício da verborragia exagerada, alguma coisa deu errado. Fora que as coisas parecem cheirar a mofo: o criador insiste em manter a criatura parada no tempo ao manter temas batidos, como vírus mortais e exposições longas sobre DNA, como se a internet não estivesse por aí com milhares de reportagens sobre avanços da ciência.
Há algumas cenas divertidas sobre os agentes tentando lidar com equipamentos novos, como celulares e só. Tivesse se inspirado em outra grande série de sci-fi, como “Fringe” e sua ciência de borda, seria melhor. Até a tentativa de se criar uma nova dupla de agentes à imagem e semelhança do nosso icônico casal Carter tentou, usando de um humor até bastante peculiar, mesmo em se tratando da série. Entretanto, não deveria existir tanto espaço para dancinhas constrangedoras.
O que ainda mantém a história “assistível”, sem dúvida nenhuma, são os atores principais. O carisma de David Duchovny é inegável. E Gillian Anderson é uma boa atriz, conseguindo segurar bem as cenas mais dramáticas. Porém, Mitch Pileggi e seu Skinner pouco aparece. Aliás, manter o status de diretor assistente parece pouco para um personagem que teve tanta importância na série. Seria bacana vê-lo como diretor geral do FBI. E o retorno do Canceroso não é mais do que uma ponta desnecessária, deixando pouco espaço para William B. Davis voltar a ser aquela ameaça que gelava a espinha dos espectadores sempre que aparecia com seu cigarro na mão, em outras eras. O final em aberto desse tomo abre possibilidades para um 11° ano. Espero que tenha. Não é possível manter tantos mistérios pendentes assim. E seria de bom tom que Chris Carter passasse sua criação para outro produtor e escritor. Já pensou esse material nas mãos de J.J. Abrams? Não custa sonhar.