Provavelmente
fui uma das últimas pessoas a ver Que Horas Ela Volta (2015), quando o filme já
possuía todo o respeito diante da crítica e público. A curiosidade só aumentou
quando a obra foi a indicada brasileira ao Oscar de 2016, já que o representante
do Brasil deste ano, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, apesar de não ficar entre os
finalistas, é excelente e um dos melhores de 2014.
E a obra
dirigida e roteirizada por Anna Muylaert merece todas as loas e o hype criado
em cima desta. É um filme bem dirigido, enquadrado e que se beneficia naturalmente
das pequenas mise-em-scènes que a diretora cria nos ambientes da casa da
família de classe onde mora (sobrevive?) a doméstica nordestina Val. Tida como “quase
da família”, ela encara pequenas humilhações diárias como algo natural, em prol
do amor que tem por aquelas pessoas.
A
fotografia, ótima, consegue transformar o quase único cenário da narrativa, a residência
dos patrões, em um ambiente dúbio: há momentos que o local é acolhedor e
iluminado e em outros, se torna escuro e opressor, como a mão pesada que o
sistema social trata a relação entre empregado e empregador. No caso
específico da obra de Muylaert, é esfregado no nosso rosto como o dinheiro é
divisor de castas no Brasil. E como pessoas são vistas como subespécies, que
servem apenas para limpar ou servir gente que é incapaz de levantar de um sofá
para pegar um sorvete na geladeira ou até mesmo um copo d’água, enquanto está
com a cara enfurnada no celular.
É um
choque de gerações (principalmente entre os dois adolescentes: um tem tudo, a
outra tem que lutar pelos seus ideais, mesmo diante de muitos obstáculos pela
frente). O final é poético e desconstrói o início da trama, quando Val deixa de
cuidar da própria filha, para “educar” o filho daqueles que acham que o
dinheiro é capaz até de comprar amor e respeito. Não vou dar spoiler, mas se
vocês entenderem essa “ponte” narrativa, entenderão como a história é ótima em vários
pontos de vistas.
E quanto
à falada atuação de Regina Casé, todas as críticas positivas se justificam: a
sua Val é cheia de virtudes e maneirismos típicos que você esquece que quem
está ali é uma apresentadora de televisão. Nos pequenos gestos, na fala
contida, no conformismo do olhar ou nos diálogos improvisados estão os seus
valores como atriz. Se o Oscar fosse um prêmio justo, Casé merecia uma
indicação. Seu trabalho é primoroso e um dos melhores que já vi no cinema
brasileiro. Destaque também para Carmila Márdila, como Jéssica, rebelde e
questionadora, como os jovens devem ser. E para o quadrinhista e escritor
Lourenço Mutarelli, como o conformado Carlos.
Desde já
estou torcendo que a película fique entre os finalistas do Oscar: Muylaert e
Regina Casé merecem ser reconhecidas mundialmente por este grande filme.
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