(Texto originalmente publicado na coluna Diário Cultural do Diário do Pará, Caderno Você de 11/05/2015)
Quando a Netflix anunciou a parceria com a Marvel
para a criação de várias séries, a iniciar com o Demolidor, a primeira
lembrança dos fãs foi a malfadada versão para o cinema do herói estrelada por
Bem Affleck. Exagerada, com uma história ruim e atuações canastronas, a
película foi um fracasso de público e crítica. Em seguida, e por uma dessas
razões desconhecidas entre os produtores de Hollywood, foi a vez de Elektra
ganhar seu filme, no mesmo universo quadrinhesco do justiceiro cego e
igualmente ruim.
Creio que as dúvidas se dissiparam já nas primeiras
sequências de ação da nova mitologia do demônio de Hell’s Kitchen. Situada no
mesmo universo dos Vingadores, em uma Nova York destruída após as lutas entre o
grupo de heróis com vilões alienígenas, a série procurou se distanciar dos
irmãos de editora e fincar um pé na realidade violenta e suja das ruas da
cidade. Ou melhor, entrar com os dois pés no peito da realidade. É uma série impactante,
bem escrita e que não abre concessões para momentos de descontração. São poucos
alívios cômicos e nisso ela está a anos-luz de distância da galhofa dos
Guardiões da Galáxia.
Com riqueza de detalhes na trama e bons diretores,
Demolidor poderia facilmente estar na grade da HBO. Há um grande cuidado com o
produto final, que só tinha visto recentemente em True Detective e Game of
Thrones (que peca pela história apenas razoável, diga-se). Já há até um
plano-sequência entre os melhores já feitos: um dos bandidos sai da sala onde
uma criança chora. Ele entra em outra porta, fala algo em russo e volta para
outro espaço onde estão seus parceiros de crime. A câmera passeia pelo corredor
estreito, até mostrar o herói mascarado “observando” a movimentação. Ele para
diante da primeira entrada, invade e começa a briga, que envolve socos, chutes,
facas e pistolas. A ação dura longos e angustiantes minutos e lembra muito uma
sequência parecida do Oldboy original.
O elenco também foi bem escolhido. Charlie Cox nunca
teve muito destaque em outras produções, mas tem o físico e a atuação adequada
para o papel de Matthew Murdock. Por outro lado, Elder Henson é um bom alívio
cômico e uma espécie de âncora, que traz de volta o protagonista para a
realidade, como seu amigo Foggy Nelson. Além disso, Deborah Ann Woll, Rosario
Dawson e Vonder Curtis-Hall dão um caráter mais humano e integridade moral à
história. Mas é Vincent D’Onofrio quem ocupa todos os espaços da tela quando
aparece em cena. Com interpretação sutil e gestos contidos, ele é capaz de
transformar um monstro como Wilson Fisk em uma pessoa atormentada, capaz de
gestos de violência repentinos. É sua melhor atuação desde que foi revelado por
Stanley Kubrick no clássico Nascidos para Matar.
Apesar de alguns equívocos como Hemlock Grove, a
Netflix mostra mais uma vez que não está para brincadeira e quer fidelizar
ainda mais seus assinantes, seja upando temporadas inteiras ou lançando boas
séries quase mensalmente, nos tornando quase “reféns” da empresa. Só lembrando
que terão mais quatro séries de heróis (Jessica Jones, Luke Cage, Punhos de
Ferros e os Defensores) pela frente e novas temporadas do Demolidor para o ano
que vem. Azar da nossa produtividade...
Nenhum comentário:
Postar um comentário