terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Retrospectiva 2014: Um ano irregular, mas com qualidade

 
Nesta segunda parte da retrospectiva deste espaço, trazemos as melhores obras do ano no cinema e na televisão. Bem, não podemos dizer que foi um bom ano para estas plataformas. Pouca coisa digna de nota e entre essas produções de qualidade, algumas nem estrearam por aqui. Porém, é sempre divertido fazer uma lista pessoal dos melhores.
O melhor filme do ano, para mim, foi o road movie do diretor Alexander Payne, Nebraska. Com atuações fortes dos veteranos Bruce Dern e June Squibb, o filme foi filmado em preto e branco e tem uma história sensível e bem dirigida. Quem também trouxe uma história que guarda questões complexas em uma narrativa aparentemente simples é Asghar Farhadi, que trouxe para o seu O Passado muito da personalidade que marcou o ótimo A Separação.
Este 2014 também foi aquele onde os grandes diretores mostraram que ainda ditam as regras de qualidade em Hollywood. Martin Scorsese descortinou a loucura do mercado financeiro em uma trama irregular, mas visualmente espetacular e recheada de momentos antológicos com o Lobo de Wall Street. Por outro lado, os Irmãos Coen continuam sem errar no musical Inside Llewyn Davis e David Fincher sempre acerta a mão quando investe em suspenses psicológicos e temos outra grande obra com Garota Exemplar. Por fim, entre os melhores está Richard Linklater, que criou uma obra ambiciosa com Boyhood, sobre a passagem do tempo e suas marcas físicas e emocionais.
O melhor Blockbuster é, sem dúvida, Planeta dos Macacos – O Confronto, que faz jus aos antecessores. Andy Serkis merecia uma inédita indicação ao Oscar pelo trabalho de captura de movimento que faz. E a Marvel colhe os frutos que plantou no planejamento das suas adaptações dos quadrinhos com dois sucessos de público e crítica: O divertido Guardiões da Galáxia e o surpreendente Capitão América 2 – Soldado Invernal
Já em um ano ruim para o gênero de terror, o melhor veio lá da Austrália: The Babadook. A diretora estreante Jennifer Kent reinterpretou o mito do bicho papão em um filme com cara de alternativo, mas extremamente angustiante e assustador. E um austríaco, Tommy Wirkola, dirigiu a película mais retardada do ano: Zumbis na Neve 2. Isso mesmo que o título diz. Um filme de zumbi com muito humor negro e sangue escorrendo para todos os lados.
E o Brasil também continua crescendo quando o assunto é cinema. Se Hoje Eu Quero Voltar Sozinho foi injustamente ignorado pela Academia, mesmo sendo um excelente representante, tivemos outros bons exemplares que foram pouco comentados como Cão sem Dono e Boa Sorte, com a interpretação definitiva de Deborah Secco como uma portadora do vírus HIV.
Por fim, a televisão americana está cada vez mais com cara de cinema e contratou grandes astros e diretores para suas séries. O resultado é que as três melhores são a adaptação do filme Fargo (E atuações instigantes de Billy Bob Thornton e Colin Hanks) e duas séries originais perfeitas do ponto de vista do roteiro e da direção: True Detective (Matthew Mcconaughey e Woody Harrelson, espetaculares) e The Knick (dirigido por Steven Sodenbergh e estrelado por astro Clive Owen). Sem esquecer a adaptação britânica sem erros de Sherlock, que continua magistral (elementar, meus caros).

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Retrospectiva 2014: É, não deu muito certo




Bem, este foi o ano que comecei neste espaço como colunista do DIÁRIO DO PARÁ. Em termos de cinema e séries (além de outros assuntos em menor escala), tivemos bastante assunto para escrever. Assim, decidi não fazer retrospectivas baseadas em listas numeradas, mas resumindo o que considerei os melhores e piores do ano, neste e no próximo artigo. Começo com as obras que, acho, não deram muito certo, foram fiascos de crítica ou decepcionaram os fãs.  
Bem, o pior filme do ano, de longe, é Espetacular Homem Aranha 2. Com mais dinheiro, vilões e efeitos especiais, Marc Webb conseguiu fazer uma continuação muito pior que a primeira aventura do aracnídeo para a nova geração da Internet. O resultado é um filme com roteiro pífio, vilão sem motivação, efeitos capengas e atores ruins (à exceção de Sally Field). Para piorar, temos gancho ainda para uma nova sequência baseada no grupo de vilões do Sexteto Sinistro. Não tenho nem dúvida que será outro grande fracasso.
Depois do sucesso do ótimo Invocações do Mal, era uma certeza que teríamos um filme só para a já icônica boneca Annabelle. Antes não tivesse sido feito. Uma história ruim, uma direção sem direção nenhuma e um elenco de dar dó. Um sofrimento para quem pagou para ir ao cinema ver esta tralha. Espero que James Wan assuma a continuação de vez para que tenhamos algo melhor.
E claro que tivemos ainda o homem que realmente não sabe a hora de parar: Michael Bay. Não só nos deu, sem necessidade, um novo Transformers, como ainda produziu uma nova versão das Tartarugas Ninjas. O primeiro é o mesmo filme de sempre: robôs inúteis, batalhas onde não se enxerga nada, montagem esquizofrênica e mulheres gostosas. O segundo trouxe de volta os quelônios mutantes em uma aventura infantil e idiota. Não entendo como os criadores permitem esse tipo de coisa. Só dinheiro explica.
A televisão americana também teve momentos bem infelizes neste ano. Primeiro, tivemos que aturar mais um ano da superestimada Homeland. Não dá para explicar a atração que os críticos têm com esta série. Muita enrolação, roteiro cheio de buracos e uma protagonista inútil. Outra série cultuada, The Walking Dead começou bem sua quinta temporada, mas se perdeu e entregou um Midseason finale bem ridículo. Assim como Game of Thrones, que passou mais um ano sendo uma série sobre o nada e com muitas falhas, mas superestimada pelos fãs.
Se J.J. Abrams tem o melhor emprego do mundo, sendo o diretor das sequências de Jornada nas Estrelas e Star Wars, o mesmo não pode se dizer das suas produções para a televisão. Revolution foi um fiasco, assim como Almost Human, que prometeu ser uma boa série de ficção científica, mas foi uma bomba tão grande que a Fox cancelou ainda na primeira temporada, deixando a história sem um final. Falando em final, o de Boardwalk Empire foi melancólico. Se a mão de Scorsese salvou a narrativa nas duas primeiras temporadas, as três últimas viraram um samba do mafioso doido. Uma surpresa negativa, pois a maioria da equipe criativa veio da saga da Família Soprano.
Na semana que vem, escreverei sobre o que teve de bom, para mim, nesse período que se encerra nos próximos dias. Dessa vez, deu tudo muito certo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Não há como escapar do mestre Babadook



Em um primeiro momento, The Babadook pode ser confundido com alguns dos filmes alternativos que pipocam aos montes todos os anos nos festivais. Narrativas simples, montagem que alterna entre planos longos e rápidos, planos fechados em pequenos objetos ou gestos do cotidiano. Há também um plano magnífico que acompanha a personagem principal em queda até a cama, despertando de um sonho. Aos poucos e durante longos minutos, descobrimos que esta, Amelia (vivida pela veterana atriz Essie Davis, de Matrix Reloaded), é mãe solteira, após a morte trágica do marido em um acidente de carro. Ela vive reclusa com o filho. Ambos possuem aparências frágeis e parecem doentes. Mas, então percebemos que o que estamos vendo é na verdade uma das experiências mais angustiantes em um filme de terror nos últimos anos.
Toda essa construção narrativa é importante para o que acontece em seguida. A partir do momento em que esta escolhe um livro aleatório para ler ao garoto e fazê-lo dormir, o filme ganha contornos assustadores. A produção australiana tem alguns problemas, principalmente no terço final. A edição fica confusa, deixando o espectador meio perdido e o final é fraco e sem sentido, por apelar para uma surpresa desnecessária e um humor deslocado. Mas vale a experiência da atmosfera criada pela diretora Jennifer Kent, que se mostrou uma estreante talentosa.
A maior qualidade do filme é conseguir manter o monstro apenas sugerido a maior parte da trama. Muitas vezes, não sabemos se ele está realmente se manifestando ou faz parte de alguma alucinação. Nesse sentido, o design de produção é importante, pois é capaz de transformar qualquer sombra em uma ameaça e renovar o conceito clássico do Bicho-Papão. A trilha sonora é simples, mas eficiente. Outro ponto positivo da história é manter o foco apenas nos dois personagens de mãe e filho. Em alguns momentos, realmente tememos pela vida do pequeno, mas é melhor não contar mais para não estragar a experiência psicológica que é assistir ao filme.
Com o bom material em mãos, a diretora mostra claramente as influências da película. Primeiro, possui elementos narrativos de O Iluminado, como o fato de o protagonista ser uma criança e não ficar definido se as manifestações sobrenaturais são reais ou não. Kent consegue até subverter clichês do gênero, como no momento em que determinados personagens aparecem. Em outras produções, suas mortes seriam usados como muletas narrativas, mas aqui não. A obra também tem muitas similaridades com Poltergeist, O Chamado e até de A Entidade (para mim, o melhor filme de terror do ano passado).
Com poucos recursos e um elenco praticamente desconhecido, The Babadook consegue ser mais aterrorizante que outros filmes feitos para terem sucesso, como o fraco Annabelle. Isso graças ao talento da diretora e da história. O veterano diretor William Friedkin (O Exorcista) disse que é “o filme mais assustador que já viu”. O elogio é exagerado, mas com certeza, é a melhor obra de horror do ano. O  E como o próprio livro amaldiçoado diz: “Você não pode fugir do mestre Babadook”, principalmente após assistir a este exemplar da sétima arte.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Que a força da criação esteja com vocês


(Texto originalmente publicado no Diário do Pará, Caderno Você, coluna #DiárioCultural de 02/12/2014)
 
Na última sexta-feira, 28 de novembro, foi lançado o primeiro teaser trailer do próximo filme da nova trilogia de Star Wars, chamado O Despertar da Força. Algumas imagens aleatórias, vislumbres dos sabres de luz, das naves, robôs e personagens, além da trilha marcante de John Williams. Bem, foi o suficiente para acender a empolgação dos fanáticos e dos cinéfilos em geral. Nesse meio tempo, já surgiram diversas teorias sobre a história na internet, além de outros vídeos que pegaram fragmentos do teaser e foram reconstruídos pelos fãs.
Esse burburinho recente causado pela saga de George Lucas é só um fragmento de como que a participação dos chamados “consumidores de mídia” é cada vez mais importante para que determinada obra ou manifestação sobreviva em um mundo virtual repleto de opções. Eles estão ali para criticar em tempo real, dar idéias, criar suas próprias teorias e compartilhar suas opiniões em comunidades fechadas de conhecimento (fóruns, chats, murais, comunidades de redes sociais, etc.). Se na maioria das vezes, esse conhecimento fica fechado entre “membros”, outras esse movimento extrapola o próprio circuito e ganha vida própria. A própria Lucas Arts (de George Lucas), já incentivou e promoveu concursos de melhores histórias de fãs. Algumas viraram curtas metragens disponíveis no Youtube, com qualidade impressionante.
É o que Henry Jenkins, no livro Cultura de Convergência, chama de cultura participativa, baseada em convergênciasaceitas em diferentes meios, onde fragmentos de informações extraídos dos fluxos midiáticos são readaptados para se criar mitologias pessoais ou coletivas. Não é um fenômeno novo. Star Trek, por exemplo, já gerou inúmeros encontros de fãs, que até hoje adotam vestes, gestos e línguas daquele universo espacial. Mas, este ganhou musculatura com a internet. De Matrix a Lost, os produtores aproveitaram muito bem esse fluxo alternativo de informação para expandir suas mitologias. Os irmãos Wachowski, por exemplo, deram apoio a quadrinhos e desenhos animados feitos por artistas fãs, que reinterpretaram aquele mundo e fizeram coisas novas. Outros bons exemplos são os adoradores de sagas como Harry Potter, Game of Thrones e The Walking Dead. São milhares, que adoram, mas criticam na mesma proporção, gerando um tsunami de opiniões.
Muitos, ao invés de se restringir a emitir opiniões, passam à criação. Em 2010, Kevin Tancharoen criou pequenos curtas baseados no universo do game Mortal Kombat. O resultado foi tão profissional que a própria Warner Bros o contratou para fazer uma série oficial online chamada Legacy. O produto final não é tão bom, mas este é um excelente exemplo do universo de possibilidades que os chamados Fanfics (histórias originais criadas por fãs) abrem.
Ainda mais em um período completamente interativo como hoje, onde smartphones, tablets e ambientes de nuvens deram o poder para os indíviduos no fascinante ambiente de massa que é a internet. Por isso, sejam criadores games, livros, séries, filmes e música, só irá sobreviver e crescer nesse ambiente quem souber dar olhos e ouvidos para esse mercado participativo. Ou então, não gerará um mínimo caractere no Twitter.