segunda-feira, 13 de maio de 2013

Ray Harryhausen

Lembro como se fosse hoje: a minha cara emburrada ganhava contornos mais amenos e a má vontade foi sendo substituída aos poucos por um estado de total atenção. A cada nova cena de Fúria de Titãs, mais distante ficava o som da algazarra que meus amigos faziam na rua, jogando bola. A missão era gravar o filme para o meu avô no videocassete, tirando os comerciais. Mas o que, à primeira vista, era uma tarefa ingrata, passou a ser um imenso prazer. Todas aquelas criaturas fantásticas, em uma aventura de tirar o fôlego, me conquistaram. Foi o meu primeiro contato com o trabalho de Ray Harryhausen e afirmo, sem sombra de dúvidas, que até hoje e, mesmo levando em consideração os precários efeitos especiais da época, a Medusa criada por ele continua extremamente assustadora. 
Ray Harryhausen morreu nesta semana aos 92 anos. O seu legado para o cinema de ficção e fantasia vai muito além de Fúria de Titãs, como fiz questão de descobrir após a minha iniciação naquela tarde, na casa do meu avô. Parei incontáveis vezes para assistir aos filmes de Sinbad no Cinema em Casa, do SBT, ou na Sessão da Tarde, da TV Globo. Ou então do Jasão e os Argonautas, outro clássico. E eles sempre carregavam a sua marca, que mesclava animatrônicos com stop-motion na concepção, geralmente, dos vilões das histórias. E a fauna era extensa: esqueletos saindo da terra, tigres, macacos guerreiros e as mais variadas criaturas mitológicas, como a já citada Medusa, o Ciclope... 
Em tempos de cinema 3D e de milhões de dólares gastos só com efeitos especiais, assistir a um filme que tenha a impressão digital de Harryhausen pode soar como pura nostalgia ou algo tosco, mas juro que, pelo menos pra mim, não funciona desse jeito. Eu realmente gosto do trabalho artesanal. O amor pelo cinema parece ficar mais explícito, pois o envolvimento é maior e a técnica, de modo geral, sempre está a serviço da história e não o contrário. E stop-motion é uma arte que dá trabalho, porém, o resultado certamente vai compensar se você for comprometido e tiver paixão pelo que faz. Basta ver, por exemplo, o que fizeram na nova versão de Fúria de Titãs. Um filme que teve todo um aparato tecnológico à sua disposição e não passou do medíocre. 
Tenho em casa uma edição especial de O Monstro do Mar Revolto, no qual um polvo gigante é uma ameaça aos humanos. Nos extras que acompanham o filme dá pra perceber como se trata de um trabalho minucioso e de superação, já que as condições não eram lá essas coisas. Estamos falando, afinal, de um autêntico filme B, como a maioria dos trabalhos em que se envolvia. O polvo não tinha os oito tentáculos que deveria ter, apenas seis. No entanto, sinceramente, não tinha nem me tocado pra isso durante a exibição do filme. A explicação é simples: é o tipo de trama que consegue entreter, prender a atenção, mesmo com falhas e deslizes de roteiro ou direção, pois entrava em ação o poder da fantasia. E Harryhausen era um mestre em criar esse universo.

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