quarta-feira, 29 de maio de 2013

O Mestre (The Master, 2012)






Em o Mestre, Paul Thomas Anderson volta a um tema recorrente de sua filmografia: as relações paternas. Mas, diferente de Sangue Negro e Magnólia, aqui esse conflito não é cosanguíneo. Criador e criatura se confundem, como um Frankestein às avessas, desconstruído a partir de um discurso religioso de fantasia, apoiado em conjecturas falsas e encenações canhestras, em uma das milhares de missões religiosas, aqui denominada “A Causa”, criada nos anos de 1950.


Anderson é um grande diretor. Sabe como trabalhar com a fotografia, a trilha sonora ( de Johnny Greenwood, guitarrista do Radiohead). Adepto de planos curtos e planos longos em sequência, PT sabe sufocar e aliviar o espectador quando quer. Seu domínio do cinema é invejável para os dias de hoje.
Baseada na Cientologia, religião sci-fi dos famosos, A Causa segue os mesmo vícios desta. Centraliza o milagre nas mãos pesadas de um único homem e esta gravidade forçada acaba por estabelecer relações com objetivos automáticos, porém, potencialmente destrutivos (e a semelhança com outras religiões cristãs não é mera coincidência).

Nesse caso, se pensarmos bem, o ser humano é normalmente (ou anormalmente) movido por seu comportamento animalesco. Assim, a violência, o sexo e a falta de compaixão são características intríssecas à humanidade em busca da sobrevivência. E seria muito difícil retirá-lo deste habitat apenas com orações, citações e encenações de hipnoses.



E é neste cenário que o pastor Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman, sensacional)  tenta domar o alcoólatra e pervetido Freddie Sutton (Joaquin Phoenix, ótimo). Ele sabe que a sua própria sombra está refletida naquele rapaz, capaz de simular um sexo constrangedor com uma escultura de areia. Porém este mesmo é dominado pela esposa, vivida com intensidade por Amy Adams. E este triângulo teria tudo para terminar em tragédia, como em Sangue Negro, se não fosse os próprios defeitos (virtudes?) de Sutton. Ele é indomável. Sua postura e modo de agir  são de um selvagem. E Phoenix capta esse maneirismo com uma seriedade impressionante. Impossível para um pastor domesticar uma pessoa assim. Talvez em uma próxima vida. 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Ray Harryhausen

Lembro como se fosse hoje: a minha cara emburrada ganhava contornos mais amenos e a má vontade foi sendo substituída aos poucos por um estado de total atenção. A cada nova cena de Fúria de Titãs, mais distante ficava o som da algazarra que meus amigos faziam na rua, jogando bola. A missão era gravar o filme para o meu avô no videocassete, tirando os comerciais. Mas o que, à primeira vista, era uma tarefa ingrata, passou a ser um imenso prazer. Todas aquelas criaturas fantásticas, em uma aventura de tirar o fôlego, me conquistaram. Foi o meu primeiro contato com o trabalho de Ray Harryhausen e afirmo, sem sombra de dúvidas, que até hoje e, mesmo levando em consideração os precários efeitos especiais da época, a Medusa criada por ele continua extremamente assustadora. 
Ray Harryhausen morreu nesta semana aos 92 anos. O seu legado para o cinema de ficção e fantasia vai muito além de Fúria de Titãs, como fiz questão de descobrir após a minha iniciação naquela tarde, na casa do meu avô. Parei incontáveis vezes para assistir aos filmes de Sinbad no Cinema em Casa, do SBT, ou na Sessão da Tarde, da TV Globo. Ou então do Jasão e os Argonautas, outro clássico. E eles sempre carregavam a sua marca, que mesclava animatrônicos com stop-motion na concepção, geralmente, dos vilões das histórias. E a fauna era extensa: esqueletos saindo da terra, tigres, macacos guerreiros e as mais variadas criaturas mitológicas, como a já citada Medusa, o Ciclope... 
Em tempos de cinema 3D e de milhões de dólares gastos só com efeitos especiais, assistir a um filme que tenha a impressão digital de Harryhausen pode soar como pura nostalgia ou algo tosco, mas juro que, pelo menos pra mim, não funciona desse jeito. Eu realmente gosto do trabalho artesanal. O amor pelo cinema parece ficar mais explícito, pois o envolvimento é maior e a técnica, de modo geral, sempre está a serviço da história e não o contrário. E stop-motion é uma arte que dá trabalho, porém, o resultado certamente vai compensar se você for comprometido e tiver paixão pelo que faz. Basta ver, por exemplo, o que fizeram na nova versão de Fúria de Titãs. Um filme que teve todo um aparato tecnológico à sua disposição e não passou do medíocre. 
Tenho em casa uma edição especial de O Monstro do Mar Revolto, no qual um polvo gigante é uma ameaça aos humanos. Nos extras que acompanham o filme dá pra perceber como se trata de um trabalho minucioso e de superação, já que as condições não eram lá essas coisas. Estamos falando, afinal, de um autêntico filme B, como a maioria dos trabalhos em que se envolvia. O polvo não tinha os oito tentáculos que deveria ter, apenas seis. No entanto, sinceramente, não tinha nem me tocado pra isso durante a exibição do filme. A explicação é simples: é o tipo de trama que consegue entreter, prender a atenção, mesmo com falhas e deslizes de roteiro ou direção, pois entrava em ação o poder da fantasia. E Harryhausen era um mestre em criar esse universo.

In the Flesh, 2013



Esta série britânica da BBC é a prova que dizer que o gênero de Zumbis está saturado é uma balela que só os críticos com ar blasé acreditam. Zumbis sempre serão legais. E sempre haverá algum criativo disposto a incorporar novas mensagens e metáforas sociais envolvendo os mortos-vivos. In The Flesh adiciona um novo e dramático componente: os ex-zumbis. Sim, a série traz a perspectiva de personagens que já comeram carne e graças a um programa do governo e medicamentos conseguiram reverter (pelo menos parcialmente), os efeitos da degradação nos mortos.


Aqui não há hordas sanguinárias, tripas expostas ou gente sendo mordida e se transformando em questão de segundos. Há apenas um jovem solitário que se suicidou por uma paixão não-correspondida por um amigo, e voltou quando não queria. Interessante que todos os “ressuscitados” foram recém-conduzidos de volta a terra dos vivos de maneira inexplicável, que a série, com razão, nem se dá ao trabalho de tentar mostrar. O importante são as reconstruções das relações humanas que estavam destroçadas diante do fim injustificável.
A dor principal não é causada pelo organismo apodrecido. Mas sim, por uma sociedade preconceituosa que não aceita o diferente e nem o amor livre e se vale de uma muleta histórica para justificar suas barbaridades: a Religião. Aquela que, segundo a Bíblia, deveria ser fonte de amor e compaixão é distorcida pela sociedade do ódio e da destruição e, aqui, é impossível que tudo acabe bem. Afinal, sempre teremos exércitos de controladores odiosos que se escondem atrás da gravata e paletó ou da batina pra propagar seus poderes sobre os fracos de espíritos.

In The Flesh vai na ferida, em estado de gangrena, que seja e adota um pessimismo direto. Com tons de cinza e trilha sonora ancorada em canções tristes ( com alguns poucos alívios cômicos), a série mostra que não há salvação para quem é homossexual, negro, pobre ou zumbi. Todos têm que se adequar a um sistema cujo contrato social está mofado e não adaptado aos novos tempos, sob o risco de levar um tiro na cabeça. E que nem o fato de sermos criaturas do mesmo sangue, nos livra de nosso destino cruel. A morte aqui é o horror, mas também a moeda de troca.
Com apenas 3 episódios, In The Flesh se mostrou na sua primeira temporada que é uma das melhores estréia de 2013 na televisão mundial. E é muito bom saber que, em termos de bom cinema, a TV está no seu ápice de qualidade. Que dure por muito tempo. 







sexta-feira, 3 de maio de 2013

John Carpenter - Mestre do Terror


John Carpenter é um daqueles raros artesãos do cinema. De seus filmes, mesmo os medianos, sempre se pode extrair algo de bom. Ele domina a linguagem cinematográfica, pensa a sua narrativa, sabe exatamente como fazer para conseguir a reação esperada do espectador. E isso, no gênero que é a sua especialidade, é fundamental. Até porque o terror hoje sofre com a falta de consistência e originalidade em suas obras e a nova geração, como regra, parece entender que basta aumentar o volume do som para criar um foco de tensão e suspense. Não saber trabalhar a história, desenvolver personagens e, consequentemente, a trama, é um pecado que Carpenter não cometeu em sua vasta filmografia – no máximo uns “pensamentos impuros” aqui e ali, pois ninguém é perfeito. 
Para quem se interessou e quiser comprovar as afirmações acima, o Cine CCBEU promove este mês, a partir do dia 9, o ciclo “As várias faces do mal”, com a exibição de filmes do cineasta, como parte das comemorações pelos quatro anos de existência do cineclube. Estão programados: Halloween, À beira da loucura, Christine – O carro assassino e O enigma de outro mundo. Verdadeiros clássicos do cinema de terror e ficção científica. 
Embora os quatro filmes escolhidos sejam representativos em sua carreira, não pense que sairá de lá expert no cinema de Carpenter, pois ficaram de fora obras essenciais como A bruma assassina, Fuga de Nova York, Eles vivem e Assalto ao 13º DP. Isso sem contar produções menores, mas não menos interessantes, como Pesadelo Mortal (que faz parte da série Mestres do Terror) e Trilogia do Terror, e o divertido Os aventureiros do bairro proibido. Minha dica, portanto, é: vá ao CCBEU e depois à locadora ou à internet. 
Dentre os filmes do ciclo, Halloween é o mais conhecido e apresentou o icônico Michael Myers, personagem que assim com Jason Voorhes e Freddy Krueger também sofreu um processo de idiotização após algumas sequências caça-níqueis. Talvez um pouco menos, já que a sua natureza impediu que o humor tomasse conta dos filmes, como em seus pares, se “limitando” à ruindade desses projetos. Mas nem essa banalização foi suficiente para manchar a imagem do original. Halloween é um filme que ainda hoje causa palpitação. O medo é real, nos faz olhar para o lado, checar se as portas estão trancadas ou coisas do tipo. Destaque para a trilha sonora e a interpretação de uma das mais notórias rainhas do grito, Jamie Lee Curtis. 
Os outros três têm em comum o terror psicológico, a forma como Carpenter nos envolve na vida dos personagens e nos faz temer pelo que possa acontecer com eles. O ambiente tomado pela escuridão e cantos desertos, provoca uma sensação de desconforto, perigo iminente e são reflexos das sombras que habitam a nossa própria alma. Essa é talvez a principal característica do seu trabalho. Ele não tem pressa, contempla a tudo e a todos. O medo é onipresente, um estado de espírito. Mas quando revela a sua face no mundo real, quem não estiver preparado irá sucumbir.