sábado, 14 de dezembro de 2013

As três mães de Argento

Dario Argento é conhecido por suas tramas de mistério e suspense, com boas doses de sangue, que jorram de jugulares mutiladas por um assassino de luvas pretas. São os ‘giallos’, que fizeram a sua fama e o tornaram um dos mestres do cinema de horror. Mas o cineasta italiano também emprestou o seu talento para narrativas sobrenaturais. Aliás, minto. Narrativa é uma palavra que não cabe nesse caso. O que ele fez, com extrema maestria, foi costurar cenas que mesclam beleza e grotesco, sem uma lógica discernível. Em seus filmes, deu vida a pesadelos e os transformou em obras de arte.
Para alcançar esse resultado, Argento minimizou a importância do conteúdo (leia-se roteiro) e se debruçou sobre a forma e o estilo. Fez um cinema sensorial, uma verdadeira experiência estética, onde as cores e os sons são elementos fundamentais para a compreensão e o desenvolvimento da história. Assim, ele consegue que imagens aterradoras fiquem gravadas durante um bom tempo na retina. É como se aqueles pesadelos bem reais, que tentamos trancafiar em algum lugar remoto do nosso cérebro para que não volte a nos assombrar de noite, explodissem em fúria, em plena luz do dia, negando-se a ficar preso na escuridão.
A obra de Thomas De Quincey, portanto, se adequou perfeitamente a esse intento. O escritor inglês do século XIX imaginou o mal encarnado em três mulheres, três bruxas responsáveis por toda dor e sofrimento da humanidade. São elas: a Mater Suspiriorum, a ‘Nossa Senhora dos Suspiros’; a Mater Lacrimarum, a ‘Nossa Senhora das Lágrimas’; e a Mater Tenebrarum, a ‘Nossa Senhora da Escuridão’. Tais entidades inspiraram Argento em três filmes, sendo que dois deles causam um misto de fascinação e repugnância por sua excepcional qualidade, ‘Suspiria’ e ‘A Mansão do Inferno’.
Os filmes são de 1977 e 1980, respectivamente. Naquela época, Argento estava no seu auge criativo. A violência é explícita, mas estranhamente bela e recheada de significado. As ações dos personagens nunca condizem com o racional. É a emoção e o instinto que falam mais alto. Afinal, quem, em sã consciência, mergulharia em um buraco no porão de um prédio para resgatar uma chave? É uma cena surreal, digna de um terror noturno. Ou então quando, ao fugir do ‘nada’, talvez do próprio medo, a vítima encontra o seu destino fatal em uma prisão de arame farpado.
Infelizmente, Argento não fechou com chave de ouro os seus contos de fada (bruxas) bizarros. Talvez pela demora na sua conclusão. ‘O retorno da maldição’ veio apenas em 2007, quando o cineasta demonstrou ter perdido o vigor e a vontade de ousar, de criar. Desse modo, ele abandonou as experimentações e quis realizar um filme ‘normal’, quebrando o mórbido encanto dos anteriores e caindo em clichês do gênero. Algo parecido com o que fez em ‘Reféns do medo’ dois anos depois, numa tentativa de retomar os ‘giallos’, com algumas boas sacadas, mas sem a força e qualidade de outrora. Em tempo: ainda não assisti ao seu último filme, uma nova versão de Drácula. Veremos se o mestre voltou.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Terriers (2010)








Terriers é uma dessas séries perdidas por aí, que a gente acaba descobrindo por acaso pela internet (no caso específico, no Netflix). Cancelada pelo FX após apenas uma temporada, a série poderia ter ganhado vida mais longa. Afinal, tinha muito ainda que explorar na amizade de dois detetives particulares fracassados: um ex-policial alcoólatra e abandonado pela esposa e um ex-ladrão barato que tem uma personalidade quase infantil. 

A questão é que a dupla é fascinante, graças ao ótimo timing cômico e entrosamento dos atores Donal Logue e Michael Raymond James. Ao longo da temporada, eles resolvem pequenos crimes com soluções divertidas e diferentes em uma cidade litorânea dos EUA. Mas, existe um plot maior que envolve assassinatos, traições, especulações imobiliárias e conspirações políticas ao longo da temporada. 

A trilha da série é ótima, a trama flui de maneira eficiente e conhecemos um pouco mais de como surgiu a insólita amizade ao longo dos 13 episódios. Nenhum deles é cansativo, pois os roteiros possuem ótimas referências em outras histórias e reviravoltas interessantes. Assistam. 



sexta-feira, 22 de novembro de 2013

À meia-noite levarei sua alma - A síntese do horror no Brasil

Deitado na grama úmida, ele podia enxergar a noite de céu estrelado que se desnudava entre os galhos das árvores, emprestando um ar soturno à cena, como as vistas nos clássicos filmes de terror dos anos de 1930, do Drácula de Lugosi ao Frankenstein de Karloff. Demorou um pouco a perceber que não conseguia fazer movimento algum. E tal percepção veio quase simultaneamente à noção de que não estava só. Um vulto na escuridão o acompanhava. Tentou falar, gritar, se levantar, porém, de nada adiantou. Só exauriu ainda mais as suas já debilitadas forças. Quando as sombras se dissiparam, a visão tornou-se demais aterradora. O cenário era um cemitério e, à sua frente, estava ele próprio, mas com sutis e fundamentais diferenças, como a indumentária preta dos coveiros e os olhos, ah, os olhos... O demônio ali habitava e partiu para cima dele. Arrastou-o pelos braços entre sepulturas e o jogou dentro de uma cova cuja inscrição na lápide não deixava dúvidas: “José Mojica Marins”.
Quando acordou, em pânico e empapado de suor, Mojica levou algum tempo para assimilar a experiência e todo o simbolismo nela contida. Não foi um mero pesadelo. E sim um parto. A celebração de uma nova vida, mas também da sua morte. Naquela madrugada gélida de 1963, nascia Zé do Caixão, o personagem que o definiria para sempre. As imagens macabras com as quais sonhara eram claras agora: era o destino da criatura subjugar o criador e tomar definitivamente o seu lugar no imaginário popular a partir da produção de “À meia-noite levarei sua alma”.
O caminho para a ascensão de Zé do Caixão era árduo. Mojica, que acumulava fracassos em suas empreitadas cinematográficas até então - embora no seu amadorismo já transparecesse certa aptidão para o ofício -, teria que convencer as pessoas à sua volta a bancar um filme sobre o delírio febril que teve durante o sono. Um filme de terror. Ninguém no Brasil ousava fazer produções do gênero. Vendeu cotas, reuniu o esforço dos alunos da sua escola de cinema e interpretação (que havia montado anos antes justamente para viabilizar as suas ideias como cineasta), pegou dinheiro com os pais, saiu de casa brigado com a mulher, vendeu os móveis... Enfim, conseguiu o necessário para dar vida a Zé do Caixão.
Curiosamente, não era Mojica quem faria o personagem nas telas. No entanto, o ator Dráusio de Oliveira deu pra trás quando soube que iria ter que segurar uma aranha caranguejeira de verdade nas filmagens. Mojica fez testes, mas ninguém o convencia. Não eram assustadores o suficiente. Só ele sabia o terror que tinha vivenciado, então tomou a decisão de interpretar ele mesmo o Zé do Caixão. O coveiro, pelas suas mãos, ganhou cartola, capa e unhas postiças. O último aspecto era a voz. Mojica não usaria som direto no filme e todos teriam que ser dublados. O problema é que Mojica tinha um português ruim e uma das características do personagem era o uso do seu intelecto para transmitir um ar de superioridade em relação aos matutos. O que foi resolvido com a entrada de Laercio Laurelli como a sua voz oficial.
Durante as filmagens, Mojica era tratado como maluco pela equipe técnica e outras pessoas do meio cinematográfico de São Paulo, pois subvertia fórmulas consagradas e tidas como o jeito certo de fazer cinema: não gostava de imagens estáticas e usava a câmera na mão, atuava olhando para o espectador, além de usar a criatividade para driblar a escassez de recursos, seja em movimentos de câmeras elegantes e elaborados seja na aposta em uma fotografia escura e pesada, pouco usual na época.
Quando ficou pronto, Mojica correu a cidade inteira atrás de alguém que aceitasse passar “À meia-noite levarei sua alma” nos cinemas, mas nada. Ninguém se interessava. Demorou quase um ano e muitas provações pessoais e familiares para que Mojica encontrasse o distribuidor baiano Milton Silva, que tinha o controle de boa parte das salas no Nordeste. Ele assistiu ao filme e comprou a parte de Mojica e de todos os cotistas. A partir daí, “À meia-noite levarei sua alma” fez história. Para o bem ou para o mal. Uns amaram, outros odiaram. E é assim até hoje. Zé do Caixão ganhou vida própria após diversos outros filmes e programas de televisão. Transcendeu o seu criador. Gênio, louco, mestre do cinema, um amador que se apoiou na figura exótica, no folclore... Reverenciado no exterior, execrado na sua terra. Todos sabem quem é Zé do Caixão, poucos viram os seus filmes. É nessa dicotomia que José Mojica Marins vive desde aquele pesadelo, bendito ou maldito, há exatos 50 anos.

Simplicidade e genialidade lado a lado

“À meia-noite levarei sua alma” é pobre em orçamento, mas rico em sutilezas e detalhes que o transformam em um dos maiores clássicos do cinema brasileiro. A trajetória de Josefel Zanatas, nome de batismo de Zé do Caixão, incomoda, fere princípios. Ele zomba de Deus, dos mortos, dos oprimidos. É um pária por opção. Não se mistura, se julga superior. E é amedrontador justamente no sentido de que confia em si mesmo e em mais ninguém. Um individualismo expresso em planos e enquadramentos que o colocam acima do povo, preso em sua ignorância e crendices.
Com uma história forte, a parte técnica, que seria um calcanhar de Aquiles, se sobressai positivamente. A já citada fotografia possui um tom fantasmagórico, com um ar expressionista de se contemplar admirado. E a montagem é dinâmica, casa de forma perfeita com o roteiro. Ação e reação. É assim que o filme se desenrola. Uma cena, em especial, dá uma noção da inventividade e apuro técnico de Mojica no uso da profundidade de campo: Zé do Caixão come um carneiro e ri em frente à janela enquanto vê a procissão de Sexta-Feira Santa passar. Além do plano-sequência em que Zé conclama os mortos a virem buscar sua alma. Um primor.
Fora isso, a clara inspiração de Mojica em seriados norte-americanos e histórias em quadrinhos, empresta uma jovialidade ao filme e um frescor de novidade que faltava no cinema nacional. Assim, a cena inicial, da velha bruxa avisando aos espectadores para não assistirem à produção é impecável na função de criar intimidade e nos inserir na história. Já os closes nos olhos do antagonista - que se transformam, tomados pela ira - sempre que um ato de violência extrema está prestes a acontecer provoca o suspense de forma bastante eficaz. E é assim, com amor ao cinema e muita criatividade para superar a precariedade financeira, que Mojica trabalha há mais de 50 anos no ramo, sem o reconhecimento merecido como um dos maiores mestres do cinema de horror. E tudo começou com “À meia-noite levarei sua alma”, um filme que sintetiza a história do gênero no Brasil.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Juan dos Mortos

Um filme de zumbi que vai ao encontro das duas principais vertentes deste subgênero do terror e que, na maioria das vezes, são antagônicas. Assim é “Juan dos Mortos”, que se utiliza de críticas sociais à la Romero ao mesmo tempo em que dá aos seus personagens uma dimensão cartunesca. Essa união já foi tentada em inúmeras ocasiões - certa vez de maneira brilhante, em “Todo mundo quase morto” -, mas, invariavelmente, naufraga, pois o produto final sempre pende para um dos lados, não há um equilíbrio. Ou o amargor e desespero da situação são esquecidos em prol da comédia ou a produção descamba para o humor que se pretende negro, mas não passa de mau gosto. 
Nesse aspecto, “Juan dos Mortos” está acima, bem acima da média do que costumamos ver por aí. O filme cubano jamais deixa de lado a tensão provocada pela contaminação zumbi e as consequências que dela recaem sobre a população de Havana, principalmente a sua parcela mais pobre; assim como consegue extrair daí a graça, o riso, exagerando de forma proposital na construção dos habitantes da cidade, pessoas acostumadas a sobreviver em meio ao caos, tornando-os caricatos, os heróis possíveis naquele contexto – seja o de ruas infestadas por zumbis ou dificuldades sociais e econômicas, em uma crítica direta ao governo de Castro. 
Essa alegoria política está explícita na forma como as autoridades tratam do assunto, minimizando os ataques e jogando a responsabilidade em dissidentes que agem sob as ordens norte-americanas, ignorando a crise e o desespero da população. Nada muito diferente das atitudes de muitos governos que aprontam das suas e tentam desviar o foco dos problemas reais, numa verdadeira ópera bufa. 
Com isso, são válidos, por exemplo, os artifícios usados pelos protagonistas para escapar daquele inferno, mas que, em outra situação, poderiam ser considerados amorais, como montar uma empresa especializada em matar os entes queridos dos clientes; ou, então, ir em direção a um paraplégico na cadeira de rodas perseguido por zumbis, voltar apenas com a cadeira e soltar a pérola: “Ele faleceu. Tivemos que deixá-lo. Não necessariamente nessa ordem”. 
Embora o baixo orçamento não tenha permitido que os efeitos visuais rivalizassem com os das produções de Hollywood, o diretor Alejandro Brugués consegue manter o nosso interesse pelas criaturas. E, de certa forma, esse trabalho mais artesanal confere até mais peso ao que o filme se propõe, combina com a realidade paupérrima demonstrada. Fora que o diretor ainda traz soluções inventivas em termos de linguagem cinematográfica, como na cena da decapitação em massa de zumbis por um carro, além de gags divertidas envolvendo (pasmem) medo de sangue. E assim o filme segue até o final, com criatividade, nonsense, teor crítico e um heroísmo às avessas.


 

sábado, 17 de agosto de 2013

Elena (2012)



Elena Costa era uma jovem aspirante à atriz quando, em 1990, se matou com altas doses de tranquilizantes e álcool. 23 anos depois, sua irmã, a cineasta e atriz Petra Costa decide recontar a vida da irmã para entender (ou tentar) as motivações que teriam levado a bela jovem à tirar a própria vida.

Tentando montar um difícil quebra cabeça familiar, Petra (que tinha sete anos quando Elena faleceu) rememora os pequenos fragmentos pessoais da própria família trazendo para o público toda a dor que acometeu aqueles indivíduos ante à tragédia pessoal que os atingiu. E as marcas desse sofrimento estão em cada canto de olho, mãos, movimentos de cada uma das três vidas que mudaram após aquele ano fatídico.

Como documentarista, Costa decide demonstrar a vida (e a morte) através de pequenos fluxos diários que compõem nosso dia a dia. E a melancolia desta caminhada segue sem rostos, sem identidades, a não ser das duas jovens ligadas umbilicalmente e espiritualmente por décadas e uma mãe que traz, no rosto, toda a crueza de uma existência sofrida.O fluxo de corpos sobre as águas é a representação literalmente simbólica desse deslizar da vida. Assim como as gotas na janela do avião, que remetem às lágrimas que resultarão dali em diante.


Elena é uma figura fascinante como personagem de análise documental. Jovem, bonita, talentosa, mas de personalidade bipolar, como demonstra as filmagens recuperadas de sua adolescência. Em uma cena, ela come com um olhar distante, alheia à alegria infantil que a cerca. Em outra, dança de maneira leve e descompromissada, um contraste com a cena seguinte, onde aparece encenando séria e duramente a primeira peça de teatro.

Mas, Petra não quer julgar todo aquele processo de degradação sutil que  acometeu aquela jovem. Pelo contrário, seu objetivo é jogar uma luz (de uma lua dançante) sobre a arte que se cria da terrível emergência da morte e de como aquelas duas que saíram do mesmo ventre  são apenas uma em personalidade e busca da perfeição cênica. Se Elena não conseguiu isto em vida, Petra o faz, com adoração. E não ganha apenas aplausos, mas muitas lágrimas. E uma vontade imensa de sair dançando pelas ruas frias da cidade grande, que ignora as milhares de Elenas que a percorrem diariamente. 



domingo, 21 de julho de 2013

Evil Dead - A Morte do Demônio (2013)


Todo remake tem um problema que começa já nos créditos iniciais: a inevitável comparação com o produto original. E na ampla maioria das vezes, a refilmagem se mostra uma obra tola e desnecessária (Todos os anos hollywood nos brinda com uma penca de porcarias, vendidas como readaptações, mas que são meros caça-níqueis).

Dito isso, podemos dizer que A Morte do Demônio é um filme menor comparado com o original de Sam Raimi, lançado em 1981. Raimi não tinha orçamento, mas é um cara criativo e conseguiu transformar um enredo trash em um clássico dos anos de 1980, graças ao seu talento em arrancar risos em situação esdrúxulas e apelar para muito gore, ao contar a história de cinco amigos que decidem passar um fim de semana em uma cabana na floresta, mas acabam libertando uma entidade demoníaca, graças ao feitiço contido no Necronomicon, o Livro dos Mortos.

Afora as comparações, o filme deu um ar mais de urgência à história, se aproximando da ótica atual do cinema de horror (mais choque e menos alívios cômicos). Há sustos e sangueira em profusão. O estreante diretor Jede Alvarez (do curta Ataque de Pânico) mostra que tem talento e noção de profundidade. Ele se mostra seguro nas cenas que exigem maior envolvido de quem assiste o filme.




Se mostrando mais uma continuação que uma refilmagem (o sangue na entrada do sótão é um indicativo disso), A Morte do Demônio é uma boa diversão de final de semana, para quem gosta de um filme de terror bem feito. A lamentar apenas o roteiro, cheio de buracos (situações mal explicadas e o velho estereótipo na criação dos personagen) e os atores, que em nenhum momento esbanjam o carisma de um Bruce Campbell, o eterno Ash da versão original.  Falando nele, Assista até o final dos créditos e tenha uma pequena surpresa...

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O bom e velho Schwarza


Quando Martin Riggs tomou para si a clássica frase de seu parceiro Roger Murtaugh e declarou estar “muito velho para essa droga”, ficou claro que ali, com Máquina Mortífera 4, no final da década de 90, um ciclo se aproximava do fim. Mel Gibson, um dos principais heróis de ação do cinema, ainda faria alguns filmes que exigissem grande esforço físico, como O Patriota, mas nunca mais como na série que, ao lado de Mad Max, fez a sua fama. Mas por que falo de Gibson se no título da coluna é Arnold Schwarzenegger o citado? Porque apesar do “recesso” de oito anos como político, Schwarza, ao contrário de Riggs e do próprio Gibson, não está nem aí para a idade e continua na ativa, arrastando seu corpo robótico e sexagenário para sessões de tiros, pancadaria e muito bom humor. 
Ao lado de Bruce Willis e Stallone, Schwarzenegger resiste à aposentadoria dos tipos durões por um motivo muito simples: a limitada capacidade de interpretação não lhes oferta uma variedade de papéis em Hollywood – Willis ainda escapa um pouco desse estigma, tem mais recursos como ator. Em compensação, dê-lhes uma arma e um punhado de frases de efeito que o resultado, provavelmente, será um sucesso de bilheteria. Os Mercenários, que já virou até franquia, está aí para comprovar a tese. Já o bom humor, que sempre esteve presente (principalmente em Schwarza, pois Stallone vez ou outra apostava no drama), agora é fundamental. Os filmes não são somente de ação, são comédias de ação, no melhor estilo True lies, O último grande herói e Um tira no jardim de infância. 
O último desafio, o mais recente do Schwarza, entra nesse rol. Há tempos não ria tanto em um filme. Para se ter uma ideia do tom nonsense e de todos os seus clichês e previsibilidade, ele já começa com um policial comendo donuts. Daí para saber quem vai morrer e como será o embate final é um pulo. Além disso, tem a participação de Johnny Knoxville, a “mente brilhante” por trás de Jackass. Ora, um filme que abre espaço considerável a um cara cujo ápice de atuação foi ter deixado um jacaré morder a sua bunda tem mesmo que abraçar a sua irrelevância, o seu lado trash. E tem Rodrigo Santoro também, que deve ter aceitado o papel só mesmo para tirar uma casquinha da Jaimie Alexander, já que ele é conhecido por priorizar escolhas artísticas. 
Enquanto isso, Schwarzenegger faz o que dele se espera como xerife de uma cidadezinha de fronteira que tem a missão de parar o Pablo Escobar da nova geração, que está em fuga para o México: dá uns esporros por telefone no chefe do FBI, surge na última hora para salvar os seus ajudantes, solta as suas pílulas de sabedoria, demonstra emoções distintas sempre com a mesma expressão facial e parte para a porrada contra o vilão, sendo mais eficiente do que toda a inteligência norte-americana e equipes da SWAT fortemente armadas. Juro e tenho testemunha de que levantei da cama e aplaudi de pé a cena em que Schwarza frustra de vez o plano do mafioso, se tornando, de fato, o último desafio, como diz o título do filme. Ah, a tosquice, ela não tem limites... Nesse caso, ainda bem.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Mais vivos do que Nunca





(Texto publicado originalmente no Diário do Pará, Caderno Você, edição de 13/07/2013)


Você percebe que algo faz parte da cultura Pop quando dá de cara com uma propaganda de brinquedos, em um canal de fechado, com estes personagens. Mas, dessa vez não são os personagens de Toy Story a percorrerem o imaginário da garotada. Nesse caso, são zumbis. Isso mesmo. Os putrefatos comedores de carne agora são pequenos e simpaticos bonecos para você colecionar. E eles se espalharam como uma epidemia: estão em grandes lançamentos do cinema, como Guerra Mundial Z, Meu Namorado é um Zumbi e Resident Evil; nos quadrinhos( o fenômeno The Walking Dead); na literatura (Orgulho e Preconceito e Zumbis) e nos videogames (Resident Evil, Dead Island e Zombie U).

Mas, nem sempre foi assim. Desde que Bela Lugosi estrelou o filme Zumbi Branco (1932), até a década de 90, o subgênero de filmes com zumbis ficou relegado ao cinema chamado B e uma pequena legião de fãs. Fanáticos esses trazidos por um sujeito baixinho e sorridente chamado George Romero, que decidiu que seria cineasta e faria algumas obras primas do cinema trash, principalmente a sua aclamada trilogia do terror: A Noite dos Mortos Vivos (1968, o pioneiro), O Despertar dos Mortos (1978) e o Dia dos Mortos (1985). O maior interesse por Romero foi o fato de suas criaturas serem mais que comedoras de carne. Cada película trazia imbutida uma crítica social específica e devastadoras (preconceito racial, consumismo e crimes militares em destaque).

Romero acrescentou mais um grande filme nesse rol: Terra dos Mortos (2005), que peitava a relação predadora entre ricos e pobres. Um quarteto de filmes de respeito, só manchado pela Ilha dos Mortos (2009), um filme ruim e esquecível. Romero, hoje, é o cineasta mais imitado no mundo e uma fonte infinita de refilmagens: Madrugada dos Mortos (2004, excelente) e A Noite dos Mortos Vivos: Origem (2010, uma porcaria) são alguns exemplos. Em 1990, Tom Savini fez uma surpreendente refilmagem de A Noite dos Mortos Vivos, tornando-a uma das melhores do gênero.

E o ano de 1985 foi um desses que define um gênero. Somente aqui veio duas outras referências cinematográficas para os desmortos:  os clássicos Reanimator e A Volta dos Mortos Vivos. O primeiro, fruto do trabalho enlouquecido de Stuart Gordon. O outro, uma obra marqueteira de Dan O’Bannon (a mente doentia por trás do monstro de Alien). Em 1988, Wes Craven (da série Pânico) voltou ao tema de Zumbi Branco ao criar um drama sobre processo de zumbificação de haitianos, dessa vez nas mãos do ditador Baby Doc.

Mas, a essa altura do campeonato, os italianos, pródigos em produzirem giallos (filmes de seriais killers), resolveram se aventurar no gênero. E a experiência foi a mais divertida possível. Filmes tão díspares como Demons (1986), de Lamberto Bava (e produzido pelo mestre Dario Argento) e Pelo Amor e Pela Morte (1994) mostraram que era possível dar um toque de autor aos filmes podreiras. Mas foi o grande e injustamente esquecido Lucio Fulci que a cara definitiva para os zumbis spagghetis. Com o maravilhoso Zombie 2 (1979) (nome picareta dado pelos produtores italianos, para dizer que seria uma continuação de A Noite dos Mortos, que foi chamado no país de Zombie) e com o intenso The Beyond (1981), Fulci levou esse tipo de filme marginal a um novo patamar, misturando carne estragando com um clima gótico e trilhas arrasadoras do Goblins. E em Zombie, ainda tem zumbis caminhando no fundo do mar!.

E a coisa se espalhou pelo mundo. Peter Jackson (O Senhor dos Anéis), levou os zumbis para a Nova Zelândia em Fome Animal (1992) e daí eles chegaram à Espanha (REC, 2006); À Noruega (Dead Snow,2009); Alemanha (Rammbock, 2008); França (A Horda, 2009) e até, pasmem, à Cuba (Juan de Los Muertos, 2012). Da terra da Rainha, vieram alguns bons exemplares, como o misógino e engraçado Doghouse (2010) e os clássicos Todo Mundo Quase Morto (2004) e Extermínio (2002). E, claro, não podemos esquecer os excelentes exemplares brasileiros dessa safra: o bom Mangue Negro (2008) e os razoáveis Porto dos Mortos (2010) e Zombio (1999).

A promessa é que esta escalada popular dos zumbis continue em alta com o sucesso de The Walking Dead. Mas, isso já é uma outra história, em um Apolicalipse mais próximo de você.   

Para conhecer mais sobre os Zumbis:

Filmes:

Zumbi Branco
Reanimator
A Noite do Mortos Vivos
Madrugada dos Mortos
Dead Snow
Doghouse
Juan de Los Mortos
REC
A Maldição dos Mortos Vivos
Planeta Terror
Todo Mundo Quase Morto
Fido
Zumbilandia
Fome Animal
Extermínio
Terra dos Mortos
Cemitério Maldito
Zombie 2
Cockneys vs Zombies
A Volta dos Mortos Vivos

Quadrinhos

Walking Dead (2003) – Série de quadrinhos que deu origem à série e jogo

Marvel Zombies (2005) – Hq criada por Robert Kirkman onde os morto-vivos invadem o universo Marvel.

The Goon (1999)



Séries

Walking Dead (2010) – Sucesso de público, apesar de escorregar feio na terceira temporada. Quarta temporada estréia em outubro deste ano.

Dead Set (2010) – Minissérie interessante sobre zumbis que atacam um set de gravação de um reality show estilo Big Brother.

Death Valley (2011) – Série Cômica da MTV sobre grupo da polícia especialista em caçar zumbis e vampiros. Durou uma temporada.

In The Flesh (2012) – Excelente drama britânico que trata de zumbis “reabilitados” e novamente inseridos na sociedade, encarando preconceitos e dramas existenciais. Segunda temporada já foi anunciada para 2014.

Les Revenants  (2012) – Elogiada série francesa sobre pessoas que voltam do mundo dos mortos. Uma temporada apenas.


Games

Zombies Ate My Neighbors (1993) – Clássico absoluto do Snes e difícil de zerar pacas.

Resident Evil (1996) – Game que influenciou uma geração de survivor horror nos videogames e rendeu uma série de sucesso com dezena de jogos.

Left for Dead (2008) – Jogo de tiro colaborativo com ritmo frenético.

Plants vs Zombies (2011) – Puzzle divertido feito para plataformas móveis.

The Walking Dead (2012) – Elogiada adaptação da HQ com novos personagens e modalidade Point and Click.

Literatura


Orgulho e Preconceitos e Zumbis (editora Intrínseca) – Releitura do clássico Orgulho e Preconceito de Jane Austen.

Celular (editora Objetiva) – Excelente livro de Stephen King sobre contaminação global causada por celulares.

The Walking Dead – A Ascensão do Governador (Editora Record)

Guerra Mundial Z (Editora Rocco)

  





Videoclipes:

Michael Jackson – O clássico Thriller


Billy Idol -  Dancing With Myself  (dirigido por Tobe Hooper, do Massacre da Serra Elétrica)

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Guerra Mundial Z


A consciência de que somos pequenos diante do universo e da natureza somada ao medo causado pela perda da humanidade em situações-limite. É a premissa básica de um bom filme de zumbis. O gore – sangue, tripas, etc. – é um bônus. Pode ou não fazer parte desta equação e não está ligado diretamente à qualidade da obra. Essa confusão existe por um motivo muito simples: é mais fácil apelar para a violência gráfica do que trabalhar uma ideia, pensar o filme, provocar sensações por meio da linguagem cinematográfica, da estrutura narrativa e de um subtexto interessante – seja ele político, religioso ou social. Guerra Mundial Z faz isso. E muito bem. 
Para efeito de comparação, tomemos como exemplo uma das principais séries do momento: The Walking Dead. Questões ligadas à sobrevivência norteiam a produção e zumbis não passam de pano de fundo para os conflitos entre os vivos. Vez ou outra, um aparece e rola a carnificina. Nada gratuito. Tudo de grotesco que acontece apenas ressalta uma dramaticidade pré-existente. É, como disse antes, um bônus. 
Já em Guerra Mundial Z, o massacre e cenas mais fortes são sugeridos. Não vemos uma única gota de sangue derramada, mas do princípio ao fim ficamos em estado de alerta, em total tensão, pois o perigo que ronda os personagens nos envolve e um simples piscar de olhos parece ser fatal. A identificação inicial com aquelas pessoas é, portanto, essencial para entrarmos nesse jogo, pois as cenas de ação, que dão a exata dimensão da escala global que o vírus atingiu – e que remetem diretamente aos créditos iniciais, com a noção do nosso comportamento “animalesco” na Terra – são encadeadas de maneira a não deixar espaço para respiros ou aprofundamentos psicológicos. 
E como esse resultado é alcançado? Logo no começo, observamos Gerry Lane preparar o café da manhã para as filhas, fazer brincadeiras no carro... Ações que poderiam ser de qualquer pai de família no dia a dia. O cotidiano é invocado. É um dia comum na vida do cara. Poderia ser qualquer um de nós em seu lugar, não é preciso superpoderes. Lógico que ter treinamento militar de ex-agente da ONU como ele ajudaria um pouquinho no processo. Mas o fato é que ele é humano, tem que encarar a própria mortalidade enquanto tenta cumprir a sua missão, que não é salvar o mundo. Isso já seria uma consequência do que de fato importa a ele: salvar a sua família. 
Por falar nisso, “salvar o mundo” soa até um pouco contraditório, já que aqui é a natureza quem está nos dando o troco, como um implacável serial killer, nas palavras do cientista que tenta decifrar as pistas deixadas por esse “vilão” e, dessa forma, achar uma cura. Mas dar o troco pelo quê? Quem se faz essa pergunta obviamente não é familiarizado com os filmes de zumbi, cuja pertinência sempre se fará presente quando a sociedade vive uma crise, seja em que âmbito for, pois a alegoria é a sua razão de ser. Por isso, cada canto escuro explorado pela câmera do diretor Marc Forster e até mesmo cada morto-vivo que avança sobre nós trazem consigo um espelho para que possamos ver, enfim, onde erramos e como – e se – podemos recolocar o mundo nos trilhos.