Quando escrevi sobre A Corrente do Mal, citei como uma das curiosidades do filme o fato da combalida cidade de Detroit ser parte importante da história do terror, se pondo inclusive como um personagem necessário. Há outros milhares de exemplos no cinema, mas me vem à mente, rápido, dois: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho e Manhattan, do Woody Allen.
Em Columbus (2017), a identificação urbana dos personagens com o município é tanta que dá nome à obra também. Tive de pesquisar sobre a mesma para conhecer mais sobre isso e descobri que Columbus fica no Estado da Indiana e apesar de pequena (tem menos de 50 mil habitantes), abriga um acervo gigantesco de construções criadas por arquitetos modernistas. Na década de 1950, um apaixonado por arquitetura chamado J. Irwin Miller levou vários projetos para renovar o ambiente de prédios públicos e privados.
Ou seja, um cenário perfeito para o estreante diretor coreano Kogonada explorar o rigor estético dos cenários e como estes contribuem para a construção semiótica da narrativa, com estruturas coloridas e retas frequentemente apontando para os atores em cena ou expandindo a posição destes, a partir de suas linhas retas. Para isso, Kogonada usa câmeras fixas e perfeitamente enquadradas, com atores ou estruturais prediais sendo o centro do enquadramento, em uma simetria obsessiva, capaz de deixar Wes Anderson ou Stanley Kubrick orgulhosos.
Kogonada também lança mão de planos excessivamente abertos para que as figuras dramáticas possam fazer suas digressões, e é interessante notar como a obra rivaliza diretamente com outro filme recente, Na Praia à Noite Sozinha (de Hong Sang-soo), em revelar como o atual cinema oriental possui uma fortíssima influência do classicismo estético de Yasujiro Ozu.
Em relação ao roteiro simples, este mostra uma estudante de Biblioteconomia, Casey (Haley Lu Richardson, de Fragmentado) que conhece e passa a compartilhar sentimentos com Jin (John Cho, mas conhecimento pelas comédias de Harold e Kumar, em uma atuação corretamente contida), filho de um professor de arquitetura que está em coma. Jin também possui uma certa paixão platônica pela madrasta (vivida por Parker Posey).
Assim, o diretor abraça a própria obra como independente, ao dar espaço para os indies dos anos de 1990 na figura de Posey, e também faz concessões ao cinemão, com a participação de Cho. A história é construída com diálogos falsamente banais e alguma tensão verbal, com temas em espirais e personagens disfuncionais, algo comum nas obras de Richard Linklater e Jim Jarmusch. Ou seja, é um filme que nos envolve pelo simples, mas atento olhar sobre as relações humanas.
Entretanto, a própria inexperiência do diretor é o seu grande e único defeito aparente. Talvez duvidando que o espectador vá entender, de cara, as composições que cria, ele acaba alongando os planos de maneira excessiva, e torna a experiência cansativa em alguns momentos. Mas nada que tire o prazer de apreciar uma obra que investe no tradicionalismo cinematográfico para contar uma história ou ausência desta (por que não?), mesmo com alguns pecados mais fáceis de perdoar.
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