terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Os melhores de 2017




Há tempos que procuro fugir de fazer listas estilo Top 10 (no caso aqui, 12), mas acho que essa safra 2016/2017 veio tão boa que decidi encerrar a coluna deste ano com uma lista de grandes filmes que tive o prazer de assistir nos cinemas, e alguns em casa. Confira, abaixo, os meus preferidos desse período e a justificativa para cada um deles. Lembrando que alguns nem são deste ano, mas estrearam em Belém nos últimos 12 meses.
Na Praia à Noite Sozinha (Hong Sang-soo) – Roteiro simples e uma direção prosaica, mas que ilustram os conflitos internos de sua personagem principal, que exorciza seus sentimentos entre bebidas e cigarros.
Afterimage (Andrzej Wajda) – O testamento cinematográfico final de Wajda é uma síntese da sua obra, onde arte e política se entrelaçam, rasgando ideologias e sonhos.
Bingo, o Rei das Manhãs (Daniel Rezende) – Depravado, debochado e com Vladimir Brichta em alta voltagem. O grande representante nacional deste ano.
It - A Coisa (Andy Muschietti) – Uma adaptação que tinha tudo para dar errada, mas funciona assustadoramente bem, graças à direção certeira e um elenco infantil inspirado. Bill Skarsgård arrepia até os ossos.
Corra! (Jordan Peele) – Outra obra-prima do terror. Roteiro fantástico e atual, misturando horror, ficção científica e racismo. Aterrorizante, principalmente por tocar em feridas reais.  
Eu não Sou Seu Negro (Raoul Peck) – Conflitos raciais nos Estados Unidos, sob a ótica crua dos seus criadores, viram uma espiral histórica sobre a violência contra os negros naquele País. Um tapa na cara de todos nós.
John Wick – Um Novo Dia para Matar (Chad Stahelski) – A continuação de um sucesso improvável se transforma no grande filme de ação da década. É o Duro de Matar da nova geração. E Keanu Reeves é o cara de mais sorte em Hollywood.
A Criada (Park Chan-wook) – O criador de Lady Vingança e Old Boy troca a violência psicológica extrema pela tensão sexual e o resultado é igualmente impactante.
Logan (James Mangold) – Depois de dois filmes fracos, Wolverine tem sua redenção no cinema com a melhor adaptação de quadrinhos do ano. Pessimismo e esperança caminham lado a lado.  
Star Wars – Os Últimos Jedi (Rian Johnson) – Esteticamente, é o exemplar mais bem acabado da saga. Se não bastasse, o roteiro guarda, ainda, alguns dos momentos mais emocionantes da história do cinema de Ficção Científica.
Moonlight (Barry Jenkins) – O grande protagonista do Oscar mereceu cada aplauso. A descoberta da sexualidade, que corre como as ondas do mar.
Eu, Daniel Blake (Ken Loach) – Quando a pobreza se torna um empecilho para o Estado, os pobres são tratados com indiferença cruel. Cada frame da obra de Loach é um soco no estômago.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O caminho certo da Força





O instituto Datafábio, após uma pesquisa feita comigo mesmo, chegou à seguinte conclusão: os melhores filmes da saga Star Wars tem Jedi no título. Vamos aos fatos: meu preferido é o Retorno de Jedi. E, agora, o segundo da minha lista se chama Os Últimos Jedi (2017). A obra que está no cinema é bonita, empolgante e emocionante. Ou seja, tudo que os fãs da saga e do cinema esperam.
O grande trunfo de Rian Johnson é o roteiro, escrito pelo próprio. O diretor não perde muito tempo em resolver alguns nós deixados em O Despertar da Força. O que gera, inclusive, algumas cenas que derrubam reações esperadas ansiosamente pelos fanáticos. Ele também não está muito interessado nas conspirações interplanetárias. Pelo contrário, investe apenas em um embate específico, que simboliza em escala menor o alcance da disputa entre Primeira Ordem e Resistência. Mais importante aqui são as relações humanas e as críticas sociais.
É o espaço perfeito para os atores se destaquem, principalmente os nossos velhos conhecidos Luke e Leia Skywalker. Mark Hamill dá um show diante dos conflitos pessoais do herói, mas sem perder o timing cômico. A sua presença em cena é sempre de arrepiar. Já Carrie Fisher é a valentia e doçura em pessoa e a obra se torna um grande epitáfio para ela. Uma sequência que parece um balé no espaço já entra para a história como uma das grandes cenas da história do cinema. O trio de protagonistas Daisy Ridley, John Boyega e Oscar Issacs não decepcionam. Ridley tem carisma e talento para receber o bastão Jedi das sequências.
O que não quer dizer que não existem cenas de ação ou batalha de naves. Há bastante. Em profusão. Mas, novamente, Johnson imprime a própria assinatura, com um novo design de produção e ousadias na direção (om direito a gags visuais inspiradíssimas), mostrando que o universo criado por George Lucas é tão rico que é possível homenagear diretores do porte de Stanley Kubrick, Sergio Leone e Akira Kurosawa. As cenas de batalha no deserto de sal são de uma beleza metafórica pouco vista em blockbusters atuais.
Se não bastasse, os efeitos práticos estão em toda parte, inclusive na aparição de um guerreiro querido, que deve deixar os mais nostálgicos emocionados. O único senão, novamente, são as motivações dos vilões. O Lorde Supremo Snoke foi apresentado como uma grande ameaça no filme anterior, mas perde sentido aqui. Assim como o general Lux e a Capitã Phasma, sem muita presença em cena. Sobra apenas para Kylo Ren ser o anti-herói perfeito, crescendo em cena e se tornando uma criatura angustiada e angustiante.
Mesmo afeito a muita nostalgia, Johnson também quer romper com o passado e pensar no futuro. E ver um símbolo religioso queimar, enquanto determinado personagem exalta as ações que virão, além das máscaras que são abandonadas, é o perdão que o cineasta dá a si mesmo pelas liberdades criativas que tomou, tanto no visual quanto na história. E se depender dos fãs, críticos e da própria Disney (que já garantiu uma trilogia de presente para ele), ele está no caminho certo da Força.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Os cantos da cidade




Quando escrevi sobre A Corrente do Mal, citei como uma das curiosidades do filme o fato da combalida cidade de Detroit ser parte importante da história do terror, se pondo inclusive como um personagem necessário. Há outros milhares de exemplos no cinema, mas me vem à mente, rápido, dois: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho e Manhattan, do Woody Allen.
Em Columbus (2017), a identificação urbana dos personagens com o município é tanta que dá nome à obra também. Tive de pesquisar sobre a mesma para conhecer mais sobre isso e descobri que Columbus fica no Estado da Indiana e apesar de pequena (tem menos de 50 mil habitantes), abriga um acervo gigantesco de construções criadas por arquitetos modernistas. Na década de 1950, um apaixonado por arquitetura chamado J. Irwin Miller levou vários projetos para renovar o ambiente de prédios públicos e privados.
Ou seja, um cenário perfeito para o estreante diretor coreano Kogonada explorar o rigor estético dos cenários e como estes contribuem para a construção semiótica da narrativa, com estruturas coloridas e retas frequentemente apontando para os atores em cena ou expandindo a posição destes, a partir de suas linhas retas. Para isso, Kogonada usa câmeras fixas e perfeitamente enquadradas, com atores ou estruturais prediais sendo o centro do enquadramento, em uma simetria obsessiva, capaz de deixar Wes Anderson ou Stanley Kubrick orgulhosos.
Kogonada também lança mão de planos excessivamente abertos para que as figuras dramáticas possam fazer suas digressões, e é interessante notar como a obra rivaliza diretamente com outro filme recente, Na Praia à Noite Sozinha (de Hong Sang-soo), em revelar como o atual cinema oriental possui uma fortíssima influência do classicismo estético de Yasujiro Ozu.
Em relação ao roteiro simples, este mostra uma estudante de Biblioteconomia, Casey (Haley Lu Richardson, de Fragmentado) que conhece e passa a compartilhar sentimentos com Jin (John Cho, mas conhecimento pelas comédias de Harold e Kumar, em uma atuação corretamente contida), filho de um professor de arquitetura que está em coma. Jin também possui uma certa paixão platônica pela madrasta (vivida por Parker Posey).
Assim, o diretor abraça a própria obra como independente, ao dar espaço para os indies dos anos de 1990 na figura de Posey, e também faz concessões ao cinemão, com a participação de Cho. A história é construída com diálogos falsamente banais e alguma tensão verbal, com temas em espirais e personagens disfuncionais, algo comum nas obras de Richard Linklater e Jim Jarmusch. Ou seja, é um filme que nos envolve pelo simples, mas atento olhar sobre as relações humanas.
Entretanto, a própria inexperiência do diretor é o seu grande e único defeito aparente. Talvez duvidando que o espectador vá entender, de cara, as composições que cria, ele acaba alongando os planos de maneira excessiva, e torna a experiência cansativa em alguns momentos. Mas nada que tire o prazer de apreciar uma obra que investe no tradicionalismo cinematográfico para contar uma história ou ausência desta (por que não?), mesmo com alguns pecados mais fáceis de perdoar.