“Quando
você perde a autoestima, você perde tudo”. A frase, dita em determinado momento
de Eu, Daniel Blake (2016), é importante por resumir toda a estrutura narrativa
do filme de Ken Loach. Confesso que não conhecia nada da obra do diretor
britânico, mas fica a sensação de que, para ele, a mensagem é mais forte que a
estética. E o roteiro de Paul Laverty, parceiro da maioria das obras de Loach,
se impõe ao desnudar a relação capital e assistência social, através de sua
burocratização e monetização excessiva, como se o pobre fosse um estorvo, que
gera “custos” para os governos.
Daniel
Blake (Dave Johns, em atuação melancólica) é um senhor rígido e mal humorado,
mas de bom coração, que trabalha como carpinteiro há 40 anos (uma clara
analogia a José, pai bíblico de Jesus). Até que um dia sofre um problema
cardíaco que lhe impede de trabalhar. Ele começa uma verdadeira jornada para
conseguir que o Estado lhe pague o seguro desemprego e a aposentadoria,
enquanto faz amizade com uma mãe solteira em situação de miséria, Katie (Hayley
Squires, uma revelação). Não, Blake não vive no Brasil, mas na Inglaterra
atual.
Afinal, a
extrema pobreza não é exclusividade dos países do Terceiro Mundo. Tanto os EUA,
quanto os países europeus, possuem uma massa de pessoas em extrema
vulnerabilidade social e não sabem o que fazer com ela. Falta sensibilidade de
todos os setores no trato à população mais carente. Essa é uma verdade
universal. A dificuldade do personagem em conseguir uma única ligação
telefônica para o serviço público, que ainda é paga, transforma pequenas
atitudes cotidianas em um drama surreal.
Em tempos
onde o valor do capital é maior que o valor humano, Loach constrói um tratado
sobre as relações humanas e o mundo atual. Ele não investe em longos planos ou
enquadramentos precisos, mas consegue transpor todo o sofrimento daquelas
pessoas diante de uma cidade que funciona como organismo vivo, e como esta
trata seus habitantes mais necessitados como anticorpos incômodos.
E Eu,
Daniel Blake mostra que, ao invés de encarar o problema de frente, os governos
pioram as coisas, implementando sistemas onde se orgulham de informatizar os
processos, mas ainda enviam cartas para a casa das pessoas para tornar tudo
mais demorado. Que põem pessoas com vozes treinadas e aborrecedoras para
“entrevistar” requerentes de benefícios. E não percebem como soa ridículo
tentar usar linguagem corporativa, com seus jargões clichês, expressões de
autoajuda e números superlativos, diante de uma plateia cuja maior preocupação
é estar com todas as contas pagas e ter comida na mesa até o final do mês.