segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Fantasmas do presente



Muito mais que causar susto ou ojeriza nas pessoas, os filmes do terror sempre foram usados para descarregar angústias sociais, ideológicas ou religiosas. Desde o sueco Haxan (1922), que usou colagens e dramatizações para falar sobre fanatismo e demonização da personificação feminina, até Despertar dos Mortos (1978) que levou os zumbis para dentro de um Shopping Center para criticar o consumismo, o horror é um gênero transgressor e representativo por natureza. Talvez por isso cause tanto fascínio.
O que nos traz ao ótimo Sob a Sobra (Under the Shadow, 2016), produção da Jordânia dirigida pelo iraniano Babak Anvari.  O filme se passa na década de 1980, durante a guerra entre Irã e Iraque e mostra uma mulher lutando para manter sua vida profissional e sua família em um cenário de conflito, onde se esconder no sótão de um prédio para se proteger de bombas é uma rotina quase diária. Shideh (Narges Rashidi, ótima) é impedida de exercer a Medicina pelas autoridades iranianas, vê o marido ser convocado para a guerra e ainda tem a desconfiança dos vizinhos por não seguir algumas regras rígidas de comportamento que a religião impõe.
Para piorar, ela desconfia que está sendo perseguida por um Djinn, espírito maligno que gosta de pregar peças nas pessoas e teria vindo junto à um míssil inimigo que cai no prédio. Os Djinns são demônios conhecidos dos contos árabes e deram origem à lenda do gênio da lâmpada de Alladin, sendo transformados em seres bondosos. Nesse momento em diante, a vida de Shideh vira, literalmente, um inferno. Seus vizinhos vão embora, ela não pode contar com nenhum tipo de ajuda governamental e ainda vê a filha ser envolvida pelo espírito do mal.
O enredo serve como pano de fundo para Babak trazer à tona temas espinhosos sem apelar para o melodrama ou maniqueísmos, como o papel da mulher nas sociedades islâmicas, os horrores das guerras, a velhice, patrulhamento ideológico e punitivismo. O monstro representa tudo isso através de uma estética sem definições, onde os elementos em cena são mais importantes que a forma da criatura. Há um momento em que o mesmo se materializa em um véu e espalha pelo cômodo, onde Shideh precisa “se soltar” para salvar a filha.
Tudo isso com um roteiro simples, mas bem trabalhado com sustos e tensões, e planos elegantes (uma cena onde a sombra da bomba parece atingir um personagem no peito). Tudo isso usando praticamente um cenário, o que dificulta ainda mais a direção, principalmente em filmes assim (James Wan se tornou um mestre é fazer planos sequências fortes em pequenos espaços).  Sentimos uma tensão no ar o filme inteiro, mesmo que não saibamos o porquê. Quer dizer, até sabemos, mesmo que não acreditemos em fantasmas.

Nenhum comentário: