Muito mais que causar susto ou ojeriza
nas pessoas, os filmes do terror sempre foram usados para descarregar angústias
sociais, ideológicas ou religiosas. Desde o sueco Haxan (1922), que usou
colagens e dramatizações para falar sobre fanatismo e demonização da personificação
feminina, até Despertar dos Mortos (1978) que levou os zumbis para dentro de um
Shopping Center para criticar o consumismo, o horror é um gênero transgressor e
representativo por natureza. Talvez por isso cause tanto fascínio.
O que nos traz ao ótimo Sob a
Sobra (Under the Shadow, 2016), produção da Jordânia dirigida pelo iraniano
Babak Anvari. O filme se passa na década
de 1980, durante a guerra entre Irã e Iraque e mostra uma mulher lutando para
manter sua vida profissional e sua família em um cenário de conflito, onde se
esconder no sótão de um prédio para se proteger de bombas é uma rotina quase
diária. Shideh (Narges Rashidi, ótima) é impedida de exercer a Medicina pelas
autoridades iranianas, vê o marido ser convocado para a guerra e ainda tem a desconfiança
dos vizinhos por não seguir algumas regras rígidas de comportamento que a
religião impõe.
Para piorar, ela desconfia que
está sendo perseguida por um Djinn, espírito maligno que gosta de pregar peças
nas pessoas e teria vindo junto à um míssil inimigo que cai no prédio. Os Djinns
são demônios conhecidos dos contos árabes e deram origem à lenda do gênio da
lâmpada de Alladin, sendo transformados em seres bondosos. Nesse momento em
diante, a vida de Shideh vira, literalmente, um inferno. Seus vizinhos vão
embora, ela não pode contar com nenhum tipo de ajuda governamental e ainda vê a
filha ser envolvida pelo espírito do mal.
O enredo serve como pano de fundo
para Babak trazer à tona temas espinhosos sem apelar para o melodrama ou
maniqueísmos, como o papel da mulher nas sociedades islâmicas, os horrores das
guerras, a velhice, patrulhamento ideológico e punitivismo. O monstro
representa tudo isso através de uma estética sem definições, onde os elementos
em cena são mais importantes que a forma da criatura. Há um momento em que o
mesmo se materializa em um véu e espalha pelo cômodo, onde Shideh precisa “se soltar”
para salvar a filha.
Tudo isso com um roteiro simples,
mas bem trabalhado com sustos e tensões, e planos elegantes (uma cena onde a
sombra da bomba parece atingir um personagem no peito). Tudo isso usando praticamente
um cenário, o que dificulta ainda mais a direção, principalmente em filmes
assim (James Wan se tornou um mestre é fazer planos sequências fortes em
pequenos espaços). Sentimos uma tensão
no ar o filme inteiro, mesmo que não saibamos o porquê. Quer dizer, até
sabemos, mesmo que não acreditemos em fantasmas.
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