segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Tempo Destino





Em determinado momento de A Chegada, comandantes militares do mundo inteiro entram em uma espécie de conflito linguístico, onde não há um entendimento claro sobre o significado das palavras traduzidas da linguagem dos extraterrestres, que chegaram à Terra e ninguém sabe o que eles querem. É desse embate babelesco que Denis Villeneuve extrai todas as metáforas acerca da incompreensão humana diante dos processos de comunicação, relacionamentos, vida e morte.
E o que parece uma ficção científica catastrófica de início, se revela um drama dos bons, se espelhando em outros grandes exemplares do gênero como os ótimos Contato e 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Isso porque o diretor (dos ótimos Incêndios, Os Suspeitos e O Homem Duplicado e do razoável Sicário) não está interessado em maniqueísmos de guerra, mas no caráter cíclico do tempo, como manivela do destino e que se repete ad infinitum.
Aqui uma professora de linguística, Louise (Amy Adams, injustiçada pelo Oscar) e o físico Ian (Jeremy Renner) se unem para tentar estabelecer contato com os aliens, após 12 naves gigantescas virem ao planeta e se espalharem pelo mundo. Villeneuve usa de sua experiência em filmes contemplativos, com poucos diálogos, para transmitir a carga dramática adequada para a sua obra, sem abrir mão de plots de tensão narrativa. O roteiro é um primor ao estabelecer pequenos, mas importantes, símbolos para tratar da passagem do tempo como uma espiral de acontecimentos, da língua extraterrestres – com “letras” em curvas - aos palíndromos.
O filme se beneficia ainda de inspirados design de produção e de som, que leva ao limite a exploração desses conceitos: a entrada da nave parece uma imensa laringe com cordas vocais e a forma da nave em concha representa o isolamento social. O próprio contato dos cientistas com os intrusos é feita através de uma espécie de vidro, determinando que a comunicação visual pode se sobrepor à física. E os alienígenas são imensas estruturas com tentáculos que parecem punhos e dedos, como mãos que escrevem o futuro.
Ouso dizer que A Chegada tem a ambição temática de Interestelar, porém com muito mais escopo dramático, por conseguir algo que faltou no seu antecessor, que é ser emotivo sem apelar para dramalhões. O que já é um feito e tanto.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Fantasmas do presente



Muito mais que causar susto ou ojeriza nas pessoas, os filmes do terror sempre foram usados para descarregar angústias sociais, ideológicas ou religiosas. Desde o sueco Haxan (1922), que usou colagens e dramatizações para falar sobre fanatismo e demonização da personificação feminina, até Despertar dos Mortos (1978) que levou os zumbis para dentro de um Shopping Center para criticar o consumismo, o horror é um gênero transgressor e representativo por natureza. Talvez por isso cause tanto fascínio.
O que nos traz ao ótimo Sob a Sobra (Under the Shadow, 2016), produção da Jordânia dirigida pelo iraniano Babak Anvari.  O filme se passa na década de 1980, durante a guerra entre Irã e Iraque e mostra uma mulher lutando para manter sua vida profissional e sua família em um cenário de conflito, onde se esconder no sótão de um prédio para se proteger de bombas é uma rotina quase diária. Shideh (Narges Rashidi, ótima) é impedida de exercer a Medicina pelas autoridades iranianas, vê o marido ser convocado para a guerra e ainda tem a desconfiança dos vizinhos por não seguir algumas regras rígidas de comportamento que a religião impõe.
Para piorar, ela desconfia que está sendo perseguida por um Djinn, espírito maligno que gosta de pregar peças nas pessoas e teria vindo junto à um míssil inimigo que cai no prédio. Os Djinns são demônios conhecidos dos contos árabes e deram origem à lenda do gênio da lâmpada de Alladin, sendo transformados em seres bondosos. Nesse momento em diante, a vida de Shideh vira, literalmente, um inferno. Seus vizinhos vão embora, ela não pode contar com nenhum tipo de ajuda governamental e ainda vê a filha ser envolvida pelo espírito do mal.
O enredo serve como pano de fundo para Babak trazer à tona temas espinhosos sem apelar para o melodrama ou maniqueísmos, como o papel da mulher nas sociedades islâmicas, os horrores das guerras, a velhice, patrulhamento ideológico e punitivismo. O monstro representa tudo isso através de uma estética sem definições, onde os elementos em cena são mais importantes que a forma da criatura. Há um momento em que o mesmo se materializa em um véu e espalha pelo cômodo, onde Shideh precisa “se soltar” para salvar a filha.
Tudo isso com um roteiro simples, mas bem trabalhado com sustos e tensões, e planos elegantes (uma cena onde a sombra da bomba parece atingir um personagem no peito). Tudo isso usando praticamente um cenário, o que dificulta ainda mais a direção, principalmente em filmes assim (James Wan se tornou um mestre é fazer planos sequências fortes em pequenos espaços).  Sentimos uma tensão no ar o filme inteiro, mesmo que não saibamos o porquê. Quer dizer, até sabemos, mesmo que não acreditemos em fantasmas.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Pós-modernidade in Technicolor





O filme La La Land – Cantando Estações (2016) seria o respiro otimista que precisamos, em tempos de pessimismo generalizado no mundo? A pergunta, um tanto retórica, pode ter orbitado a mente dos votantes do Oscar, que deram 14 indicações ao filme. A expectativa é que a obra de Damien Chazelle abocanhe boa parte das estatuetas na cerimônia do próximo dia 26 de fevereiro.
E não sem razão. Apesar do seu filme anterior, Whiplash, ser um tanto superestimado, já tinha qualidades que Damien Chazelle trouxe para seu musical. O ritmo frenético e a música como plataforma dramática são algumas delas. Porém, dessa vez, o diretor foi buscar referências de muitas décadas atrás. Ele abusa da sessão nostalgia, desde a fonte usada no nome do filme, até o desfile de imagens de letreiros pela tela, para indicar passagem de tempo.
Chazelle consegue recuperar a inocência e o glamour da Hollywood. Para isso, ele se esbalda das referências cinematográficas, sendo a mais “descarada” a de praticamente copiar cenas de Cantando na Chuva, o clássico absoluto de Gene Kelly, filmado em 1952. Nessa época, os filmes tinham um estado de fantasia que durou até a década de 1970.
Tecnicamente, o filme é impecável. Da cenografia aos movimentos de câmera, há um completo e necessário domínio da mise en scene e dos longos e coreografados planos sequências que o musical exige, além de Chazelle e sua equipe trabalharem perfeitamente com luz, sombras e profundidade de campo. A cena inicial, no meio do trânsito de Los Angeles, desde já, entra para o panteão das grandes passagens da história do cinema.
Emma Stone também tem um rosto belo e marcante, como as estrelas dos musicais antigos. Seus imensos olhos tomam conta da tela quando ela está em cena. É a Ginger Rogers do novo século. O visual do filme é colorido ao extremo. Um arco-íris de sensações que casa inabalavelmente com as melodias agridoces e otimistas das canções. Ryan Gosling tem o porte e um ar de deboche típico dos galãs da era de ouro, como Clark Gable. A dupla está bem à vontade nos números musicais e tem um entrosamento invejável em cena.
O grande barato de La La Land é como nos sentimos envolvimentos com o clima, como se estivéssemos em uma sala de cinema antiga, abismados com a explosão de cores possíveis, a partir da Technicolor (empresa que dominou a tecnologia de criar cores para o cinema). Aqui, a ingenuidade é fria e calculada para agradar a nova audiência. A temporada de prêmios mostra que, sim, agradou.