segunda-feira, 25 de abril de 2016

Remando contra a maré




Nos primeiros anos que tive contato com um computador, acessar a internet era algo, digamos, complexo. Você precisava de toda uma engenharia de cabos para conseguir uma conexão. Sem contar o fato de ter que se portar como uma coruja: afinal, a rede consumia pulsos telefônicos por minuto e só permitia acesso depois da meia-noite ou nos finais de semana. Pior, a linha ficava o tempo todo ocupada. Ou seja, se alguém da casa precisasse fazer uma chamada, adeus bate-papo do MIRC.
O fato é que naqueles tempos, no final da década de 1990, a rede mundial de computadores já era um fenômeno em crescimento, mas a difusão cultural como ferramenta de popularização ainda caminhava a passos lentos. Era quase impossível assistir filmes online. Não havia Youtube e os trailers dos filmes só no Quicktime, da Apple, que demorava horas para conseguir fazer um download em boa resolução. O Napster começava a incomodar a indústria musical por causa do MP3, mas um disco com qualidade boa exigia também boas horas na frente da tela. Foi o período em que blogs de scans de quadrinhos bombaram. E os e-books viraram febre nas comunidades virtuais.
Daí que chegaram a internet banda larga e o wi-fi. Os computadores se popularizaram e as empresas de entretenimento investiram em modelos de negócios baseados na difusão de produtos a partir de preços fixos. Netflix, Social Comics, Amazon, Spotify, etc. Nunca os servidores estiveram tão acessíveis. Os consoles de videogames viraram multiplataformas para se jogar conectado com um amigo ou alguém do outro lado do mundo, além de publicar vídeos e comprar filmes.  Está tudo aqui, nas palmas das nossas mãos. Com dois cliques, sabemos de tudo que acontece no mundo ou começamos mais um episódio da nossa série favorita.
Por isso que essa proposta de fixar limites de franquias na banda larga é um tanto quanto esdrúxula. Primeiro, porque soa como uma tentativa de sobretaxar os usuários e aumentar lucros. Segundo, irá mexer nesse comportamento do usuário que vem sendo construído nas duas últimas décadas, conforme expliquei. E essa conversa de não poder ter pacotes ilimitados não cola. Investindo em uma infraestrutura melhor, o sistema funciona bem. Internet não é gasolina que vai acabando até parar o carro.
E, utilizando a mesma metáfora, eu começo a achar que se as empresas não mantiverem esse veículo se movimentando e tentarem empurrar um carro mais simples, as pessoas irão optar por outros meios de transporte. Nada que outras empresas mais inovadoras não procurem oferecer.  Lembrem-se que a criatividade e o empreendedorismo, em tempos de tecnologia, se espalham como ondas. E essa maremoto nem as indústrias da música e do cinema conseguiram parar. Ou as empresas se adaptam a esse meio ou serão engolidas por ele. Remar contra a maré alta não deve adiantar muito.

terça-feira, 12 de abril de 2016

O caminho da maturidade





No início dos anos 2000, o estúdio de animação da Disney, berço de produções históricas e premiadas, passou por uma crise sem precedentes. Depois do sucesso de “Tarzan”, em 1999, os animadores não conseguiam mais fazer um grande filme. “Dinossauro” e “A Nova Onda do Imperador” tiveram apenas bilheterias razoáveis. Em seguida, entre 2001 e 2007, foi uma sequência espantosa de fracassos de público (à exceção de “Lilo e Stitch”), como “Atlantis”, “O Planeta do Tesouro” e “Irmão Urso”. A pá de cal parecia vir com o ruim “Nem que A Vaca Tussa” (que tinha feito o estúdio desistir das animações tradicionais) e o pior de todos: “O Galinho Chicken Little”. Tempos sombrios demais para a turma de Mickey e Cia.
Mas eis que, em uma tacada de mestre, a empresa abriu as malas e pagou alguns bilhões para comprar a Pixar, maior produtora de filmes de animação do mundo. O contrato previa que as marcas permaneceriam separadas, mas o comando criativo de ambas ficaria nas mãos de John Lasseter. E é impressionante como a entrada de Lasseter arrumou a casa, transformou os novos exemplares em estouros de bilheteria e ganhou aplausos da imprensa mundial (“A Família do Futuro” foi feita nesse meio tempo), como “Bolt”, “A Princesa e o Sapo” (que trouxe o 2D de volta), “Enrolados”, “Detona Ralph” e “Operação Big Hero”. “Frozen”, então, deixou os executivos com sorrisos de orelha a orelha e virou uma coqueluche entre os adolescentes.
“Zootopia” segue a mesma fórmula e colhe bons frutos. Um ótimo roteiro, animação deslumbrante e um banho de criatividade dos artistas responsáveis pela história. O primeiro grande barato de “Zootopia”, de cara, é respeitar a escala anamórfica dos animais. Todos os bichos agem e se movimentam seguindo sua própria estrutura corporal. Aliás, como todo ambiente urbano deveria fazer, a cidade funciona para os seus cidadãos de diferentes tamanhos e ecossistemas. Isso leva a algumas gags visuais inspiradas, como o metrô com vários tamanhos de saídas e as lanchonetes adaptadas para as girafas, onde a comida é ejetada por tubos. Divirtam-se ainda com as referências a “O Poderoso Chefão” e “Breaking Bad”.
A história é bem conduzida, com ação e surpresas. Mas, principalmente, por levantar temas atuais como o feminismo (que virou um padrão pós-Lasseter), a corrupção, justiça social e, principalmente, o combate ao fascismo, evidente quando determinado personagem diz: “O medo sempre funciona como política”. A lição que o filme deixa, no fim das contas, é que é possível aceitar as diferenças e incentivar a boa convivência urbana, lutando contra os discursos que pregam a intolerância. Ou a gente segue essas premissas ou corremos o risco de sermos extintos da face da terra, como algumas espécies da película. Porém, diferente do mundo selvagem, prejudicado pela ação humana, nós estamos condenados pela nossa própria ignorância e cobiça.

OURA
Boa surpresa eu tive ainda quando abri meu aplicativo de música e achei o disco “Oura”, de Allan Carvalho (um dos responsáveis pelo Duo Quaderna, junto com Cincinato Jr). Carvalho mostra um amadurecimento musical impressionante. O álbum é ótimo, cheio de camadas sonoras e referências musicais universais. Uma mistureba da boa. Tem toadas de boi, brega, guitarrada e surf music. Ouçam com atenção. Está nas melhores plataformas de streaming.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Sobre simulacros e decepções


Aviso: Alguns pequenos spoilers sobre Lost e Arquivo X no texto a seguir.
No livro Simulacro e Simulações Jean Baudrillard defende que, em qualquer sociedade, não há apenas um embate entre real e imaginário. Mas sim, uma coexistência impossível graças à sedução do irreal frente a uma realidade imperfeita. Os símbolos são mais importantes que sua representação. Em todo o caso, o inconsciente pode ser manter confortável diante daquilo que não domina e rejeita as imperfeições que mantém a própria humanidade com os pés no chão, entre decepções, apegos morais e pequenos arroubos de felicidade. 
Estava pensando nessa relação ao rever um dos meus episódios favoritos de Arquivo X: “A Sexta Extinção”, um dos poucos decentes da 7ª temporada. Nele, o agente Fox Mulder aceita a proposta de largar as investigações e levar uma vida comum, de subúrbio, estilo American Way of Life, com esposa e filhos, próximo de amigos. Mas no mundo real da série Mulder padece, em coma, de um mal alienígena. A felicidade é pueril e imaginária. É o seu corpo resistindo à morte e recriando uma vida que não mais condições de existir.
O que me levou diretamente para a melhor narrativa do Superman nos quadrinhos. Na coletânea “O Que Aconteceu ao Homem de Aço?”, o escritor Alan Moore cria a história emocionante de “Para o Homem que tem Tudo”, com Clark Kent preso a uma planta espacial, definhando. Mas o parasita também lhe dá memórias falsas de uma vida em Kripton, onde ele reina ao lado do filho. Quando o herói percebe que está sendo enganado, há uma cena, de partir o coração, dele dizendo para o rebento que este não é real.  O desejo de viver outra vida em realidades paralelas já foi tema de inúmeros filmes, sendo o mais óbvio Matrix, além de outros como Show de Truman, Cidade das Sombras, A Vida em Preto e Branco e Eles Vivem. Na sua última temporada, Lost alterna dois mundos: o real, na ilha, e uma espécie de purgatório, após a morte dos personagens, onde estes conseguiram viver felizes e realizados.
Há um paralelo bruto nessa questão de realidade simulada com o que vive hoje a chamada Geração Y. Uma geração que, em sua maioria, acha que não existe nada além das próprias ambições. O reflexo está nas redes sociais: busca-se o ideal de corpo, cenário e status, mesmo que sob uma perspectiva falsa. O problema é que uma hora a conta chega e a frustração é certa. Não se aceita o fracasso, esquecendo que o mundo é feito por fracassados. Se todos fossem bem sucedidos, o mundo entraria em colapso. Lembrem que a Economia é o estudo da escassez e não da riqueza infinita. A realidade cobra um preço alto e se você não tiver equilíbrio, se torna uma pessoa egoísta, atrás de uma meritocracia fingida, que acha que o mundo lhe deve alguma coisa, ao invés de pensar que  nós é que devemos algo ao mundo.