Pensem em quanta coisa mudou na vida de vocês e do país em 20 anos. Pois esse foi o tempo que “Chatô – O Rei do Brasil” demorou a ver a luz do dia, ou melhor do escurinho da sala grande. Lançado nos cinemas em novembro do ano passado em salas restritas, o filme não atraiu grande público. Mas agora, a história ganha uma nova chance com a disponibilização no Netflix. E - surpresa! – o filme é bom.
A priori, dois pensamentos invadem minha cabeça: Se tivesse sido lançado com o planejamento da época, seria um clássico instantâneo. Acabou perdendo o posto de pioneiro na comédia histórica nacional para “Carlota Joaquina”, lançado em 1995. Outra percepção: o tempo é cruel com todo mundo, menos com a Letícia Sabatella. É curioso notar como o elenco principal envelheceu nessas décadas. Alguns, como José Lewgoy e Walmor Chagas, morreram antes do lançamento da película.
O maior trunfo de Guilherme Fontes é também seu calcanhar de aquiles. O roteiro é ousado e, por isso mesmo, bem difícil de ser filmado. Não é a toa que o dinheiro acabou antes da pós-produção, o que trouxe problemas jurídicos entre o diretor e o Governo, que queria o dinheiro investido de volta. Ao situar a ação em vários locais e épocas diferentes, ele enfrentou um desafio gigante na cenografia e figurino. O filme captou na época R$ 8 milhões, o que hoje daria R$ 66 milhões. Uma quantia razoável para um filme americano, mas uma fortuna em se tratando do cinema nacional.
No final das contas, os acertos são maiores que os problemas. Guardadas as devidas proporções, a produção me lembrou o perrengue que Francis Coppola enfrentou para filmar “Apocalipse Now” (o processo, inclusive, virou documentário) e também a luta de Terry Gilliam para que sua visão de “Dom Quixote” ganhe vida (esperamos até hoje por isso).
A narrativa passeia entre a realidade e o delírio, entre o surrealismo e a sátira pura. Uma chanchada nacional com toques de Woody Allen, Wes Anderson, Joel e Ethan Coen, e até de Alejandro Jodorowski. Se fosse um pouco mais enxuto e simples, seria o nosso “Amarcord”, a obra-prima de Federico Fellini. É uma viagem alucinógena por um Brasil em urbanização e pós-colonial, apoiado por uma biografia rica em detalhes e mesmo assim desconstruída totalmente (não li o livro de Fernando Morais para comparar, mas já me interessei).
Mas, infelizmente, há muitos problemas também. As atuações são bem canastronas, à exceção de Marco Ricca, excelente como o personagem título, o magnata das comunicações Assis Chateaubriand. A história do empresário é cheia de nuances e passagens surpreendentes, mas o elenco não acompanha o ritmo e a linguagem impostos pelo diretor. Paulo Betti, por exemplo, parece completamente deslocado como Getúlio Vargas e a já citada Letícia Sabatella faz pouco mais que uma figuração.
Acho que pelas falhas de planejamento do material filmado, a montagem parece ora acelerada, ora arrastada. Creio que Fontes teve que se virar com o material que tinha nas mãos. O brasileiro não é um Orson Welles que destrinchou a vida de um magnata americano com ironia e perversidade em “Cidadão Kane”, mas o roteiro dele possuia a excentricidade necessária para render um bom filme. É uma pena que todo o imbróglio da produção tenha praticamente sepultado a carreira que o ator/cineasta. Teria muito futuro.
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