segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Anos dourados


Na última sexta-feira (25), quando comecei a escrever este texto, havia uma fila gigantesca para trocar kit de material escolar por ingressos para o show da banda norueguesa A-Ha. Este caso é mais um exemplo de como os anos da década de 1980 ainda exercem um fascínio único nas pessoas. Um misto de nostalgia e diversão, que até mesmo quem não viveu aquela época sente. Mas, qual o motivo para a existência desse saudosismo cultural de 3 décadas atrás, que nenhum outro período é capaz de disputar?.
Bem, primeiro acho que o próprio período tem uma resposta mais ou menos certa. Os EUA haviam passado pela Guerra do Vietnã. E os jovens mudaram seu paradigma de comportamento, influenciados pela liberação sexual e o desejo de ter a liberdade de fazer o que quiser, rompendo convenções sociais. Em suma, a época que o pop dominou as paradas de sucesso, com Madonna, Cindy Lauper e o funk modernizado do Michael Jackson. No cinema, o sucesso do Clube dos Cinco e Curtindo a Vida Adoidado.
Enfim, a cultura pop abraçou sua vocação kitsch, alegre e exagerada. E eis, que um astronauta fincou uma bandeira na lua, no spot da MTV, e o estrago estava feito. Todo mundo adorava passar horas vendo videoclipes, quando os criadores do Youtube ainda engatinhavam.  A Europa também passava por mudanças. A vocação industrial começa a perder fôlego, a população da periferia já tinha tido voz com o Punk e o pós-punk doutrinava a mente musical da garotada com Depeche Mode e The Smiths. Os sintetizadores viraram instrumentos necessários e o próprio A-Ha nasceu nesse bom das batidas eletrônicas.  
Foi também a época que a tecnologia se tornou mais acessível. O Walk-man e o Disc-man dominavam os ouvidos. A televisão estava mais barata. Os videocassetes permitiam a gravação de musicais pela TV. E os aparelhos de som 3 em 1 enfeitavam as salas. Toda prateleira que se prezasse, tinha uma coleção de vinis e fitas-cassetes. Quem nunca trocou fitas com coletâneas gravadas com os amigos?.
Bem, e quem viveu aquela época hoje beira a casa dos 40 anos, tem maturidade, estabilidade financeira e ainda consome muito daquilo. Não é a toa que as festas do Hot Classics são sinônimos de casa cheia. E que os shows dos artistas que permanecem na ativa lotam igualmente. É por isso que o Simple Minds e, por conseguinte, os anos 80, cantam com tanta ênfase: “Don't You (Forget About Me)”. Se depender desse público consumidor, a década não será esquecida tão cedo...

terça-feira, 15 de setembro de 2015

O prazer através do outro


  
Uma das grandes vantagens desse início de operação do Social Comics é a quantidade absurda de quadrinhos nacionais à disposição dos leitores. São HQs feitas por brasileiros talentosos que não conseguiriam o mesmo espaço e alcance de publicação em bancas de revistas e casas especializadas na nona arte, mas não devem em nada para artistas de outros países e grandes editoras. Uma das primeiras obras que li no aplicativo e me surpreendeu positivamente foi Necromorfus, criado e roteirizado por Gabriel Arrais e desenhado por Magenta King. A Grafic Novel é uma publicação da editora RQT Comics, e Necromorfus é seu primeiro projeto.

O impresso conta a história de Douglas, um adolescente que pode assumir a forma de qualquer pessoa falecida, bastando para isso apenas tocar em qualquer resto mortal do morto. Mas, o que parece um dom, também é uma maldição. O jovem não apenas herda a aparência do morto (homem ou mulher), mas suas lembranças, pensamentos e até as dores sentidas na hora da morte. Por causa disso, Douglas parou de envelhecer. Ele se tornou um ser imortal aprisionado aos corpos dos outros.

Nesse caso, ele lembra bastante a personagem Mística, dos X-Men. Porém, diferente daquela mutante da Marvel, que usa muito seus poderes para atingir diversos objetivos naquele universo, o garoto usa sua “benção” mais para estudar as personas alheias. Ele é uma espécie de Zelig Mutante. Só que com muito mais camadas de sentimentos, já que o personagem do filme do cineasta Woody Allen parece mais um ser condicionado a assumir a forma de outrem, sem se importar com as consequências do que faz. Assim, mesmo assumindo ter uma maldição Douglas usa seu processo de simbiose para buscar prazer carnal e sentimental, como um drogado e seu entorpecente.

Para apoiar essa construção simbólica de um personagem forte, Magenta King aposta em traços são propositalmente sujos e com formas meio vagas, potencializando a sensação de confusão sentimental do personagem. Mas, não pensem que é uma leitura maçante. Pelo contrário, Arrais também investe em boas cenas usando o espaço meio limitado dos quadrinhos. O fato de Douglas se transformar também em animais mortos, por exemplo, gera sequencias ótimas como a que ele é obrigado a se transmutar em uma barata e um urso para fugir de uma situação específica. Necromorfus é leitura recomendada para quem gosta de quadrinhos. Gabriel Arrais certamente foi influenciado pelo cinema (David Cronemberg e Alessandro Jodorowski) e pela literatura (Franz Kafka e William S. Burroughs) para criar Necromorfus e só isso já é o suficiente para atrair sua atenção. Compre na página da editora na internet ou leia pelo Social Comics.

 

 

Mostra de Cinema da Amazônia

Belém, Bragança, Manaus e Rio Branco são as cidades que receberão a VI Mostra de Cinema da Amazônia. Além das exibições, a mostra terá oficinas, palestras, debates e encontros em espaços diversos, desde salas de cinema e teatros, até escolas públicas, universidades, institutos culturais e centros comunitários. Ficou curioso? A programação completa está no site bacana do evento: http://www.mostradecinemadaamazonia.com/

terça-feira, 8 de setembro de 2015

A Corrente do Mal





No domingo, dia 30 de agosto, os fãs de cinema lamentaram a morte do cineasta Wes Craven. E na última semana, estreou no cinema, o filme A Corrente do Mal (It Follows, 2015). O quê tem a ver uma notícia com a outra?. Tudo. Com absoluta certeza, o promissor David Robert Mitchell se inspirou bastante na filmografia de Craven para construir a atmosfera impactante que criou para a sua obra, um dos filmes de terror mais surpreendentes dos
últimos anos.
O enredo é simples, como em quase todo bom filme de horror: jovens são perseguidos por uma entidade maligna e desconhecida após terem relações sexuais. O grande problema é que o “monstro” não tem um perfil definido. Ele pode assumir qualquer identidade e aparecer a qualquer momento. A única chance de se livrar dele é fazendo sexo com outra pessoa, que acabando assumindo o carma para si. A tal corrente do título nacional.
Como dito, a produção tem influencias de algumas obras de Craven, como a paranoia sobrenatural de A Hora do Pesadelo (Nightmare On Elm Street, 1986). Além disso relaciona a questão do sexo com maldições, como em Benção Mortal (Deadly Blessing, 1980). Dentro dessa temática, há também similaridades em temática com Rabid (1977), obra ousada e repugnante de David Cronemberg, que foi dirigida em um período de lutas de gênero e liberdade sexual, mas também da proliferação de doenças venéreas.
É claro que a mira do cineasta também está nos slashers movies (filmes de psicopatas assassinados, sendo o mais famoso, o Jason de Sexta-Feira 13) da década de 1980, com direito a sustos fáceis e trilha sonora recheada de sintetizadores. Talvez, It Follows também seja o mais próximo de John Carpenter e seu Halloween que qualquer outra película nos últimos anos.
Porém, aqui, as metáforas são direcionadas para as primeiras relações entre os jovens, com mira nos medos e angústias de uma geração que está conectada ao mundo inteiro pela internet, mas ainda carrega muitas dúvidas sobre virgindade. A falta de contato familiar também é abordada com sutileza por Mitchell.
O cenário, somado a isso, é um personagem importante da história. Detroit foi o centro do desenvolvimento americano por décadas, graças à indústria automobilística. Era tão importante para a economia americana, que foi retratada como um centro tecnológico mundial em Robocop. É em um subúrbio da cidade que a história começa e depois avança para o centro da cidade. E o roteiro se passa ali por razões óbvias. Hoje, Detroit acumula prédios abandonados, ruas sujas e famílias vivendo próximas da linha da pobreza.
Assim como o ótimo Babadook, a Corrente do Mal é uma bela surpresa em um gênero que está sempre se reinventando, que é o Horror. Ou seja, para dar novidade é preciso subvertê-lo, algo que Wes Craven sempre buscou nos seus filmes, principalmente em obras como Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes, 1977) e, claro, Pânico (Scream, 1996).