segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O fim da pirataria?


Agora em agosto entra no ar uma plataforma chamada Social Comics. Em novembro, outra nomeada Cosmic. O que ambas têm em comum? O fato de usarem um novo modelo de negócios que vem se tornando padrão nestes tempos “pós-Netflix”: o de oferecer conteúdo diversificado e exclusivo a preços módicos, a partir de sistemas criados para a internet, como o streaming. Só que, ao invés de filmes e séries, nos dois casos os produtos oferecidos são as histórias em quadrinhos. Sim, meus caros. Com poucos reais, você tem acesso a uma banca de revista virtual com muitas opções de escolhas. É o sonho de quem tem mais de 30 anos e devorava revistinhas nas esquinas por horas e horas até decidir levar uma para casa.
Já falei sobre o fenômeno Netflix, mas é interessante como esse padrão começa a se estender por outros segmentos. Já existem serviços em testes de livros, revistas e até de conteúdo em vídeos exclusivamente eruditos. Serviços como o Google Music e o Spotify são populares por oferecer música para escutar online ou para download, a partir de bibliotecas gigantescas e que possibilitam a montagem de playlists particulares ou compartilhar gostos (lembram da moda de trocar fitas cassetes gravadas? Pois é)... Ah, e sem esquecer algo que Microsoft e Sony fizeram com os videogames Xbox e Playstation, respectivamente. Os usuários pagam mensalidades para ter acesso a conteúdos exclusivos, poder jogar online e, o melhor, dão vários jogos de graça por mês. Alguns, inclusive, são recentes e custam caro em mídia física.
O que todas essas áreas de produção cultural têm equiparado é que sempre foram alvos da pirataria, que gera bilhões de prejuízos para a indústria, mas por outro lado, permitia um tipo de acesso universal à cultura, mesmo que à margem da lei. Os quadrinhos também são alvo de pirataria desde o início da internet, assim como a música e o cinema. Muitos usuários de fóruns e blogs “escaneavam” suas coleções de gibis e disponibilizavam em PDFs para outros usuários.  E assim como outras empresas de tecnologias (Netflix é o melhor exemplo, novamente), essas “bancas digitais” se vendem como um modelo viável para comercializar seus produtos enfrentando a ilegalidade. Além da comodidade, claro. É fácil, rápido e prático.
 Para termos uma idéia de como a internet está mudando esse paradigma na relação custo,  plataforma e fornecimento, o  72º Festival de Veneza decidiu oferecer parte do catálogo de filmes da mostra deste ano para ser assistido por espectadores de todo o mundo em streaming, em um sistema chamado Sala Web, vendendo “ingresso virtual”. Ou seja, você pode assistir a um filme do festival em casa, sem precisar ir à Itália. E emissoras como HBO e Telecine oferecem pacotes com seus catálogos.
São tantas opções, somadas ao aumento da renda dos brasileiros, que está havendo um processo de mudança na já falada relação do consumidor com a pirataria. Hoje, muitos preferem pagar barato por um produto de qualidade, do que gastar com outros de origens duvidosas. Já repararam como diminuiu a quantidade de tabuleiros de pirataria pelas ruas? É um dos sintomas mais claros e objetivos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Uma cidade com as veias abertas




Para Nic Pizzolatto, não há um único fiapo de esperança para o ser humano. E ele deixa isso bem claro com esta segunda temporada de True Detective. Ok, na primeira o final teve rompantes de felicidades e conformismos. Mas dessa vez, não temos tempo para alívios. Para o autor, vivemos em uma sociedade que esconde seus podres atrás de falsos moralismos e rompantes de hipocrisia, sob o manto falacioso do bem comum. Qualquer tentativa de quebrar esse ciclo é paga com a morte.
Ao ampliar o leque de personagens e subtramas, Pizzolatto amplifica essa sensação de angústia e desesperança. O ponto de partida da história é o mesmo: um corpo com marcas de um assassinato cometido com crueldade. Mas as semelhanças com o ano inicial da série terminam ai. Enquanto no ano passado o roteiro resvalava no sobrenatural, aqui o realismo finca o pé com força no pescoço.
Outra diferença está na direção: Cary Fukunaga deu unidade às imagens no primeiro ato. Neste segundo ano, vários diretores se revezaram por trás das câmeras, deixando a condução irregular, mas ainda digna de muitas cenas bem conduzidas, como a do tiroteio sangrento no final do quarto episódio. Até então, acompanhar a trama é um exercício de paciência. O roteirista desenrolar a narrativa com toda a calma necessária e exigindo plena atenção de quem assiste.
É uma espécie de mal necessário, pois tudo que acontece lá na frente é um reflexo dessa construção linear (lembrando, novamente, mais uma diferença com o ano inicial, que apoiava sua estrutura em flashbacks). É claro que há momentos pelos quais parece que estamos perdidos nos acontecimentos, mas, no fim, é tudo uma questão de “não tente entender, apenas sinta”, como diria Jean Luc Goddard. Uma característica claramente influenciada pelos filmes chamados Noir das década de 40 e 50 (também homenageados em filmes como Chinatown, Blade Runner e Los Angeles - Cidade Proibida). Tramas complexas, personagens sem caráter e anti-heróis cheios de dúvidas são algumas fases desse gênero policial.
 O único senão da produção é a participação de três personagens listados como principais (e não vou dizer quais são), que parecem deslocados do resto da trama. Um deles gera tão pouco interesse, que sua saída brutal da temporada empalidece bastante e não gera o impacto necessário. Entretanto, os atores compensam isso. Rachel McAdams e Colin Farrell estão competentes como sempre, mas é Vince Vaughn a grande surpresa. Acostumado a papéis em comédias, o ator consegue transformar seu mafioso em um personagem desesperado e violento, como um animal selvagem encurralado em uma armadilha. Só Vaugh já valeria assistir a série. Mas True Detective é mais. Muito mais. A pergunta é: estamos prontos para mais uma temporada?. A conferir. 

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A loucura definitiva de John Cassavetes





Há filmes pensados para serem grandiosos, mas se revelam pequenos. Existem também aqueles que, apesar de pequenos, são grandes em diversos sentidos. Uma Mulher sob Influência (A Women Under the Influence, 1974) está no segundo grupo. É um filme experimental, esteticamente radical e, propositalmente, com toques amadores. Mas possui uma temática poderosa e se torna mais rico quando avaliamos toda a carreira do diretor, o genial John Cassavetes.
Cassavetes dirigiu outras produções que adoro, como Glória (Gloria, 1980), Faces (1968) e Amantes (Loves Streams, 1984), mas é Uma Mulher Sob Influência que possui seu olhar definitivo sobre as relações sociais. Cassavetes explorava a alma humana e as relações dolorosamente reais entre as pessoas como um mineiro a retirar ouro de pedra. Aqui, ele usa sua genialidade para explorar em pequenas nuances a relação corroída entre Nick, um operário frustrado e cansado e Mabel, dona de casa incompreendida e amargurada, praticamente à beira da loucura.
Gena Rowlands está soberba como a personagem sufocada pela rotina e pelos graves devaneios mentais. Seus trejeitos, cacoetes cada vez mais intensos e desespero diante de um estado que não pode ser dominado são controlados com precisão dramática inigualável pelo diretor. Peter Falk tem o rosto marcante e duro e é ator adequado para o papel. A dupla transborda talento dramático para as cenas mais intensas, como da discussão diante dos filhos. Cassavetes trabalha assim, com pequenos constrangimentos. A cena do jantar com os amigos do trabalho de Nick também é esplendorosa. O cineasta estabelece um crescendo que passa de momentos felizes e íntimos para a vergonha total, em uma atmosfera asfixiante.
Rowlands trabalhou em quase todos os filmes de Cassavetes. Era sua esposa e confidente, ficando ao lado dele até a sua morte, em 1989. Como trabalhava com pouco dinheiro, ele contava com a atuação de amigos, que trabalhavam praticamente de graça, como Falk. Era um bom ator (foi o marido de Mia Farrow em O Bebê de Rosemary), mas foi por trás das câmeras que influenciou outros grandes cineastas como Roman Polansky, Paul Thomas Anderson e James Gray. Nick Cassavetes, filho do casal, é um bom diretor, mas está longe de ter o DNA de gênio do pai, que deixou um legado definitivo para e sobre o Cinema.