segunda-feira, 16 de março de 2015

Quando se esgotam as reservas morais




(Texto originalmente publicado na coluna Diário Cultural, do caderno Você do Diário do Pará de 16/03/15) 

Francis Underwood chegou ao topo e realizou o sonho de ser presidente dos EUA. Mas, como já era esperado, finalmente o castelo de cartas começa a desmoronar.  Agora é ladeira abaixo. Mas, quando se trata do nosso anti-herói atual favorito, é preciso se agarrar na ponta do desfiladeiro até onde der, para justificar os “esforços” utilizados no intuito de estar ali, incluindo chantagens, manipulações e assassinatos.
E como uma boa raposa política, ele usará de todos os artifícios possíveis para amplificar o jogo de poder, mentiras e sedução. E é ai que a série melhora de maneira significativa. A segunda temporada foi muito regular por se apoiar em coadjuvantes sem expressão e por reviravoltas meio forçadas. Já a terceira, que a Netflix disponibilizou agora, é bem mais amarrada em seu roteiro e na construção dos personagens.
Felizmente, um dos pontos fortes de HoC são seus personagens. Todos eles precisam se desfazer de suas reservas morais se quiserem sobreviver politica e socialmente. E o enredo utiliza todas as nuances possíveis para construí-los. Nesse sentido, quem se destaca aqui é o fiel assessor dos Underwoods, Doug Stamper. Da experiência de quase morte até aqui, ele precisa recuperar sua própria confiança, abalada pelas limitações físicas, e a do presidente. Mas, enfrentar as dores morais pode ser muito pior que as do corpo. Há uma cena nos primeiros episódios, envolvendo ossos quebrados que é bem representativa.
Entretanto, o maior trunfo dos produtores está no casal principal, Claire e Frank. E eles tanto sabem disso que deixam o caminho livre para Kevin Spacey e Robin Wright brilharem. Aqui, diante da movimentação do poder, o amor pode cede lugar à desconfiança e solidão. O certo é que após a Casa Branca, este casamento não será mais o mesmo. A fotografia e o design de produção são essenciais para mostrar esse distanciamento. Sempre fotografada em tons escuros, assim como as roupas e os objetos, a morada oficial da presidência se torna um lugar opressor e claustrofóbico. Além da posição dos quartos e da mesa de jantar acentuar esse desequilibro afetivo (o que remete diretamente à brilhante cena de Cidadão Kane, onde a crise do casal é mostrada pela distância cada vez maior entre eles na montagem, quando estão juntos sentados à mesa).
Os bastidores da política, com suas negociatas e crises, incluindo aquelas diplomáticas, são mais bem trabalhadas que a temporada anterior. Todos os atores políticos têm seu destaque, e tudo que acontece na reta final tem sua razão de ser. Enfim, prevejo que House of Cards vai reencontrar seu prestígio nas premiações e junto ao público e ficaremos com saudade de Frank nos confrontando diretamente nos olhos, quebrando a quarta parede. Afinal, como já disse, somos cúmplices de suas maquinações. Tomara que a quarta temporada, se houver, não demore muito.

Aqui, a cena de Cidadão Kane:

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