O jornalista e escritor Anderson
Araújo, 34, lança o livro "Bêbado Gonzo e outras histórias", dia 5 de
março próximo, na Fox Vídeo da Travessa Doutor Moraes, às 18h30. São 25 contos
e crônicas, entre textos inéditos e reeditados do blog homônimo criado em 2009.
Com histórias com personagens, cenários e situações de Belém, fugindo do
regionalismo tradicional, a publicação foi viabilizada com apoios feitos por
crowdfunding, financiamento coletivo através da Internet, inaugurando no
Pará uma nova forma de captação de recursos para autores sem editora.
Bêbado Gonzo passou uma campanha de
arrecadação de dois meses. O projeto para financiar o livro ficou hospedado no
mais tradicional site de financiamento coletivo do Brasil, o Catarse (www.catarse.me),
criado em 2009. O autor estipulou o valor de R$ 6.818 para produzir a primeira
tiragem e, ao final da empreitada, conseguiu R$ 8.010. Para Anderson, a nova
forma de captação de recursos pode ser uma alternativa ao eterno "pires na
mão" dos novos escritores ainda sem editora ou patrocinadores para tornar
um projeto literário em realidade.
"Foi uma alternativa
satisfatória, principalmente, em se tratando de Belém, uma cidade com pouca
tradição de editores, de gente realmente interessada em produção nova para
transformar em produto e colocá-lo nas estantes para a venda. Espero que
experiência com o Bêbado Gonzo estimule novos autores a transformarem suas
ideias em livros de verdade. Torço por isso", diz o escritor.
O livro recebeu apoio em doações em
dinheiro, entre R$ 20 e R$ 1 mil, de 91 pessoas de Belém e várias cidades
paraenses, como Castanhal, Marabá, Paragominas, Santarém e Tucuruí, mas também
de municípios de outros Estados como Macapá, Fortaleza, Brasília, São Paulo e
Porto Alegre. Segundo o idealizador da proposta, o êxito da campanha está
ligado à boa vontade dos que já conheciam os textos no blog, mas também a
facilidade de comunicação e propaganda através das redes sociais virtuais, como
Facebook e Twitter.
O livro tem contos e crônicas que
mostram detalhes pitorescos e situações típicas de Belém, como na crônica de
abertura do livro "O choro da pata" e no conto/crônica "O conto
secreto do maldito palhaço assassino de gatos". A obra tem ainda situações
improváveis como o a capital paraense sob ameaça no conto "Zumbis em
Belém" e a prisão de um serial killer de corruptos em "O
assassino". Há ainda textos líricos e íntimos como "A visita",
"A máquina de escrever" e "O canto do galo", mas também
situações tragicômicas baseadas em relatos cotidianos e nas observações do
autor, como repórter que é há quase dez anos, é o caso de
"Rasga-bíblia", "Maquinho Galo Duro" e "A balada
perdida de Carlos Enoque".
"Bêbado Gonzo" foi
editado pelo autor e tem projeto gráfico da designer e publicitária Gabi Dias,
ilustrações de Diego Michel e diagramação de Érico Miranda. O livro tem
192 páginas e estará à venda nas lojas da Fox Vídeo (na Travessa Doutor Moraes
e na Doca de Souza Franco) por R$ 29,90. Em breve, a publicação também
estará disponível em Ebook.
Serviço:
O livro "Bêbado Gonzo e outras
histórias", de Anderson Araújo, será lançado no dia 5 de março
(terça-feira), a partir das 18h30, na Fox Vídeo, que fica na Travessa Doutor
Moraes, 584, bairro de Batista Campos, entre a Avenida Conselheiro Furtado e
Rua dos Mundurucus.
Confira o Trecho da crônica de
abertura do livro, "O choro da pata":
"(...) O pato e a pata
pareciam conscientes do seu destino. Nas horas derradeiras, eles perceberam a
movimentação e não saíram para o quintal. Ficaram ambos acuados no canto onde
dormiam, faziam amor e ela colocava os ovos, com os olhos arregalados que os
patos têm a vida inteira.
Da janela, ficamos olhando os dois,
morrendo de dó. Condenados à morte por crime nenhum. Muita injustiça. Minha
irmã Andréa chorava e eu ali, indignado e de mãos atadas contra a tirania dos
adultos.
A hora havia chegado e minha tia
Kátia, sem muito preparo para a tarefa, foi ser o verdugo das aves. Por algum
motivo desconhecido, ela pegou primeiro o patarrão. Ficamos apavorados.
Ele se debateu todo, mas foi dominado
pelas asas. Era um bicho bonito, grande, com penas escuras meio esverdeadas, a
cabeça branca e aquela membrana vermelha em cima do bico, para dar o charme.
Resolvi me traumatizar de propósito e
assistir o abate do amigo emplumado. Era minha forma de dizer adeus. Ele foi
levado para o jirau e levou uma pancada para ficar zonzo e não se mexer muito
durante a decapitação. Quando a faca foi baixar no pescoço, não tive coragem de
olhar. Desviei e o mundo começou a apresentar as surpresas próprias do caos.
Sem muita força, Kátia jamais
desconfiou que o bicho não desistiria fácil. No golpe mal dado, o animal se
desprendeu, saiu rebatendo panelas, derrubando cacarecos e lambuzando o quintal
de sangue para desespero dos pequeninos que já estavam na porta da cozinha para
assistir à cena bizarra.
Ninguém teve coragem de impedir a
última caminhada do patarrão que, como um zumbi, andava milagrosamente com a
cabeça pendurada por um fio de pele, degolado. Mesmo morto, ele tomou o caminho
de sempre e foi para o canto que sempre ficava com sua companheira.
Corremos para a janela lateral para
acompanhar aquele espetáculo inacreditável. Ao ver o marido chegar, sem cabeça,
em andar troncho dos mortos-vivos, a pata recuou até onde não pode mais, como
se fugisse do horror, e ficou imóvel diante da cena.
Com a ferida letal, o pato parou a
pouco mais de um metro da fêmea e deu os últimos suspiros já sem nenhuma força
para continuar sua demonstração impressionante de resistência.
A essa hora as crianças já choravam.
Os primos menores, sem entender muito, ficavam na ponta do pé para espiar pela
janela o que estava acontecendo e os adultos também pararam tudo para olhar.
Minha mãe inclusive lamentou não ter uma filmadora para registrar aqueles
momentos estranhíssimos.
Muito comovido, assisti a todo o
desenrolar do último adeus do pato e, diante do fato, o primeiro sinal de
vocação para a função que me acompanha até hoje se revelou e estampei a
manchete sonora: OLHEM! A PATA ESTÁ CHORANDO! (...)".