Situações extremas tendem a revelar a verdadeira face das pessoas. Se esconder atrás de palavras não é mais uma alternativa válida, são as atitudes que contam em um mundo tomado pelo caos e pela incerteza. Muitos perdem qualquer resquício de humanidade, se tornam amargos, egoístas. Outros se agarram àqueles que amam, família e amigos, vendo nessa relação de cumplicidade uma maneira de manterem-se “vivos”, com a esperança, embora remota, de que tudo volte a ser como antes. Quem está certo ou errado? A questão é mais complicada do que parece.
Interessante ser esta uma das principais discussões em uma série de terror. O tema da sobrevivência em meio a um apocalipse zumbi poderia facilmente resultar em uma trama superficial, sem conteúdo, com base apenas em sustos e elementos clássicos do horror, em nada diferenciando da maioria das produções que chega aos cinemas durante o ano. Felizmente, não é o caso de The Walking Dead, que faz por merecer todo o barulho causado a cada novo episódio, com profundas incursões pelo lado mais primitivo do ser humano, dominado pelo instinto. A série deu um tempo no sétimo episódio da 2ª temporada e só volta em fevereiro.
Todos os personagens ali são tridimensionais, possuem uma carga de complexidade rara no gênero. Seus dramas e conflitos saltam da tela e, certamente, encontram identificação no espectador. Maniqueísmo é algo que não existe. Todos têm seus motivos para ter determinado comportamento, por mais que não estejamos de acordo. E até essa nossa visão fica alterada, já que se trata de uma nova realidade. Será que julgar algo com uma visão "antiga" é o correto? Os conceitos de "bom" e "mau" permanecem inalterados? É uma discussão que pode se prolongar bastante.
Shane, por exemplo, à primeira observação, é repulsivo. Um cara que deveria ser proibido de manter contato social, já que deixou a maldade, inerente a todo ser humano, reger a sua existência como forma de preservação. Mas as experiências aterrorizantes pelas quais passou poderiam ser consideradas atenuantes, não? Além disso, quem pode dizer, sem um pingo de dúvida, que não prejudicaria ou até mesmo mataria um desconhecido para salvar a vida de uma pessoa querida? Ele escolheu um lado, uma forma prática de sobreviver. Para ele, funciona.
E o Rick? Um "mocinho" que toda vez que tenta fazer a coisa certa, acaba causando danos a alguém. É mais fácil fazer de Shane um vilão, mas se os mortos caminharão sobre a Terra quando o inferno estiver cheio, como dizem, Rick, com suas boas intenções, é um dos principais causadores desse extermínio. É difícil julgar. Agir como Shane pode até significar tornar-se um monstro, um zumbi, por assim dizer, sem sentimentos e ligações com o passado. Mas pode ser a única saída em tempos de crise. Quem sabe o apocalipse zumbi não é exatamente isso: o auge da degradação humana, quando o homem terá que recomeçar do zero o seu processo evolutivo e se aperfeiçoar como raça para não cometer os mesmos erros.
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