sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Pôsteres

Na era da internet, colocar um filme em evidência é muito fácil. Notícias saem a cada instante em sites especializados em cinema, fora os teasers, vídeos de bastidores, entrevistas... A divulgação é maciça. O pessoal de marketing trabalha pesado para vender com sucesso um longa-metragem e, geralmente, consegue, mesmo quando a qualidade da obra é discutível. Agora, imagine antigamente, sem todas as inúmeras ferramentas tecnológicas disponíveis hoje. Além do carisma dos atores principais e da boa reputação dos diretores, os estúdios contavam apenas com uma plataforma para chamar a atenção do público: os pôsteres.
Por esse ângulo, o pôster, embora ainda seja produzido normalmente, é uma arte que perdeu um pouco do fascínio e da importância de tempos passados. Ele deixou de ser “a” imagem de um filme para ser mais um detalhe de um extenso material de divulgação. E isso pode ser constatado com um simples jogo de memória: diga um pôster inesquecível, que tenha ficado na sua cabeça nos últimos dez anos. Difícil, não? Agora lembre de filmes clássicos como Tubarão, O Bebê de Rosemary, O Exorcista... Duvido que eles não estejam em algum lugar do seu subconsciente.
Fazer um pôster é trabalho para verdadeiros artistas: resumir em um desenho, em uma pintura, toda a carga simbólica de um longa-metragem. Exige criatividade e talento. São obras de arte. Não é à toa que os mais clássicos valem uma fortuna para colecionadores. E também não é coincidência o fato de os citados no parágrafo acima terem em comum o gênero a que pertencem. É no suspense/horror que os artistas mais desenvolveram sua capacidade, com a representação dos medos e delírios ali expostos, seja na forma de monstros, assassinos, fantasmas, demônios ou outros seres que povoaram a imaginação de cineastas e dos espectadores ao longo dos anos.
O expressionismo alemão é, talvez, um dos principais expoentes dessa era clássica dos pôsteres, acompanhando à perfeição obras como M – O vampiro de Dusseldorf, Nosferatu, O Gabinete do doutor Caligari... Fora a inventividade do chamado segundo escalão do cinema norte-americano. Os filmes B marcaram época com seus pôsteres muitas vezes bem melhores do que os próprios filmes. Sem contar que a arte em cor constrastava com a película em preto e branco. Uma picaretagem digna dos produtos em questão e que entraram para o folclore cinematográfico.
Quando era pequeno, meu irmão inventou de montar uma locadora de VHS em um cômodo anexo à casa do meu avô e vivia tentando arranjar pôsteres para colocar nas paredes. A ideia não durou muito, até se converteu para games antes de encerrar, mas era bacana, curtia ver aqueles filmes à mostra. E que adolescente não tapou todos os espaços livres do seu quarto com pôsteres? Eles têm, portanto, valor sentimental para muita gente e é uma pena que esse trabalho hoje não seja mais valorizado, deixando de lado o traço humano pela rapidez e artificialidade de um programa de computador para a sua concepção. Triste era moderna...


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Sobrevivência

Situações extremas tendem a revelar a verdadeira face das pessoas. Se esconder atrás de palavras não é mais uma alternativa válida, são as atitudes que contam em um mundo tomado pelo caos e pela incerteza. Muitos perdem qualquer resquício de humanidade, se tornam amargos, egoístas. Outros se agarram àqueles que amam, família e amigos, vendo nessa relação de cumplicidade uma maneira de manterem-se “vivos”, com a esperança, embora remota, de que tudo volte a ser como antes. Quem está certo ou errado? A questão é mais complicada do que parece.
Interessante ser esta uma das principais discussões em uma série de terror. O tema da sobrevivência em meio a um apocalipse zumbi poderia facilmente resultar em uma trama superficial, sem conteúdo, com base apenas em sustos e elementos clássicos do horror, em nada diferenciando da maioria das produções que chega aos cinemas durante o ano. Felizmente, não é o caso de The Walking Dead, que faz por merecer todo o barulho causado a cada novo episódio, com profundas incursões pelo lado mais primitivo do ser humano, dominado pelo instinto. A série deu um tempo no sétimo episódio da 2ª temporada e só volta em fevereiro.
Todos os personagens ali são tridimensionais, possuem uma carga de complexidade rara no gênero. Seus dramas e conflitos saltam da tela e, certamente, encontram identificação no espectador. Maniqueísmo é algo que não existe. Todos têm seus motivos para ter determinado comportamento, por mais que não estejamos de acordo. E até essa nossa visão fica alterada, já que se trata de uma nova realidade. Será que julgar algo com uma visão "antiga" é o correto? Os conceitos de "bom" e "mau" permanecem inalterados? É uma discussão que pode se prolongar bastante.
Shane, por exemplo, à primeira observação, é repulsivo. Um cara que deveria ser proibido de manter contato social, já que deixou a maldade, inerente a todo ser humano, reger a sua existência como forma de preservação. Mas as experiências aterrorizantes pelas quais passou poderiam ser consideradas atenuantes, não? Além disso, quem pode dizer, sem um pingo de dúvida, que não prejudicaria ou até mesmo mataria um desconhecido para salvar a vida de uma pessoa querida? Ele escolheu um lado, uma forma prática de sobreviver. Para ele, funciona.
E o Rick? Um "mocinho" que toda vez que tenta fazer a coisa certa, acaba causando danos a alguém. É mais fácil fazer de Shane um vilão, mas se os mortos caminharão sobre a Terra quando o inferno estiver cheio, como dizem, Rick, com suas boas intenções, é um dos principais causadores desse extermínio. É difícil julgar. Agir como Shane pode até significar tornar-se um monstro, um zumbi, por assim dizer, sem sentimentos e ligações com o passado. Mas pode ser a única saída em tempos de crise. Quem sabe o apocalipse zumbi não é exatamente isso: o auge da degradação humana, quando o homem terá que recomeçar do zero o seu processo evolutivo e se aperfeiçoar como raça para não cometer os mesmos erros.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Attack the block

Uma história bem contada não precisa de efeitos especiais grandiosos para prender a atenção do público. E não importa se o filme em questão traz como tema um ataque alienígena, que, por conceito, carece de um mínimo de investimento que permita ao espectador se envolver com a trama, torná-la crível. Em “Guerra dos Mundos”, por exemplo, Spielberg torrou cerca de 200 milhões de dólares e o resultado foi apenas regular. O original, da década de 50, com parcos recursos, quase um filme B, obteve muito mais êxito nesse aspecto.
Mas como sucesso de bilheteria é o fator levado em consideração pelos estúdios, não é exatamente uma surpresa que “Attack the block”, um filme inglês de baixo orçamento (13 milhões de dólares), nunca tenha chegado aos cinemas brasileiros. Ele não tem a “grife” hollywoodiana, embora seja produzido por Edgar Wright, responsável pelos excelentes “Todo mundo quase morto”, “Chumbo grosso” e “Scott Pilgrim contra o mundo”. Fora que não possui um Tom Cruise ou similar no elenco. O mais conhecido ali é Nick Frost, habitual colaborador de Wright. A direção é do desconhecido Joe Cornish.
O filme começa com uma inversão de valores. Os mocinhos aqui não são pessoas virtuosas, com quem podemos nos identificar facilmente. São os chamados “trombadinhas”, que fizeram de um bloco de condomínio o seu território, roubando com violência os desavisados que passam por ali. Ao atacarem uma moradora, são surpreendidos por um asteroide, que acerta em cheio um carro próximo. O líder da gangue, Moses, aproveita para vasculhar o automóvel destruído atrás de alguma coisa de valor, mas se depara com uma criatura que o fere e foge.
Inconformado, Moses parte à caça do que ele pensa ser uma espécie de porco-espinho e o mata. Ele leva o bicho para um traficante amigo seu analisar, já que o cara é fanático por Animal Planet e, quem sabe assim, faturarem uma grana. Mas, da janela do apartamento, Moses e sua gangue observam inúmeros asteroides caindo ali próximos. Não há dúvidas, é uma invasão.
O filme possui um forte caráter social, que retrata a juventude marginalizada londrina e a relação desta com a polícia local. Mas é uma carga de dramaticidade que não tira o foco da diversão, ao contrário, a reforça, utilizando-a como muleta para movimentar a narrativa, fazê-la andar. Uma disputa de poder no condomínio, que ocorre paralelamente, também serve a este propósito.
Mas esse contexto seria de pouca utilidade se as criaturas de “Attack the block” não causassem a tensão sugerida a todo instante. E como o orçamento não permitia grandes esforços da equipe de efeitos especiais, a opção foi por uma fotografia (por si só acinzentada para transmitir a melancolia que é viver naquele condomínio), mais escura quando os aliens surgem em cena, realçando sua capacidade destruidora com um intenso brilho azul das suas bocas. É simplesmente amedrontador.
A inventividade do roteiro prossegue até o final, quando descobrimos o porquê da insistente perseguição aos jovens (ao lado da vítima do assalto no início - em mais uma sacada genial - que terá que confiar sua vida aos seus inimigos), já que, a priori, as criaturas teriam toda a Inglaterra para espalhar o terror.
Enfim, é uma pena que “Attack the block” não chegue aos cinemas. São raros, hoje, os filmes de gênero que não insultem a inteligência do espectador. Parece que há uma regra implícita: para ser mainstream, é necessário vir mastigado. Ainda bem que existem as exceções e, claro, a internet para baixar essas preciosidades.