sexta-feira, 13 de maio de 2011

Mangue Negro

“Adoro o cheiro de cérebros e tripas pela manhã...”. Se o coronel Kilgore, de Apocalypse Now, fosse um zumbi, a frase mais famosa do cinema seria essa. Como ele era um cara normal (ah, entendeu, né?), foi o napalm que entrou para a história. Mesmo assim, quem curte uma boa trama de mortos-vivos, pode usá-la sem contra-indicação. Afinal, em um gênero que produz anualmente uma quantidade considerável de filmes, encontrar aqueles que são realmente criativos é uma raridade. Fica no ar um cheiro de novidade que, no caso de Mangue Negro, é o odor fétido da decomposição dos corpos.
Embora o filme, produzido no Espírito Santo, seja de 2009, ainda não tinha ouvido falar dele. Em uma das minhas madrugadas insones, achei-o na internet para download. Uma rápida pesquisa e soube que ele percorreu alguns festivais de cinema fantástico no Sul e Sudeste do país, onde obteve um sucesso considerável. Resolvi conferir e não me decepcionei. É um belo exemplar de terror trash, na mesma linha de clássicos como Evil Dead e Fome Animal.
O que mais me chamou a atenção em Mangue Negro – além do fato de alguém se aventurar no cinema de gênero no Brasil, principalmente o terror, tão renegado – foi a preocupação em não cair na mesmice, de apenas imitar o estilo consagrado por George Romero. Zumbis nós temos aos montes, em todas as mídias. Eles estão na moda e não é de hoje. Então, o que o diretor capixaba Rodrigo Aragão fez foi inserir elementos da cultura brasileira nesse universo, criando uma identificação do espectador com a obra. Afinal, sempre soubemos que a contaminação era em escala mundial, mas nunca vemos isso na tela.
Assim, quando surge uma preta velha, destilando sua sabedoria, sabemos que a coisa é pra valer. Fora as crendices populares, como, por exemplo, usar o veneno do baiacu para salvar a mocinha de um destino nefasto. Ah, e claro que não podemos esquecer do pano de fundo que, seguindo a cartilha de mestre Romero, traz uma crítica social – no caso, tendo a ecologia como tema. É uma justificativa até bem interessante para o levante dos mortos, que geralmente ninguém sabe como começou. Na podridão dos manguezais do Espírito Santo, a vida tornou-se rara com a destruição dos sistemas ecológicos. Dali, só poderia sair mesmo a morte.
No mais, tem que ser ressaltado o trabalho de maquiagem, feito pelo próprio Aragão. Os zumbis ficaram assustadores, nojentos... O diretor também criou alguns animatrônicos, esses bem toscos. Mas como a ideia era passar uma sensação de decrepitude, o resultado não destoou. O amadorismo dos atores também ajudou na composição do clima realista do filme. Tá certo que, às vezes, dá uma agonia a falta de recursos do mocinho, uma espécie de Ash à brasileira, mas ele consegue funcionar. Outro aspecto que incomoda é o excesso de fades. O diretor poderia ter variado mais.
Mas nada que tire muitos pontos do filme. O fato é que o cinema brasileiro precisa de mais novidades do tipo. E Mangue Negro mostrou que não é difícil. Bastaram, no caso, 50 mil reais e um punhado de criatividade.

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