As luzes já haviam sido acesas e uma boa parte do público já tinha levantado para sair da sala de cinema. Mas eu ainda estava lá, sentadinho no meu lugar, com a respiração presa e os olhos fixos na tela, os créditos passando. Mentalmente, revi o filme em questão de segundos e cada lembrança só fez reforçar o choque, o impacto que a viagem da protagonista ao seu subconsciente me causou. A forma como seus medos, inseguranças, limitações e força de vontade para superá-las ganham vida, literalmente, tornou Cisne Negro uma das melhores produções de terror a que já assisti.
E cuidado para não confundir. Uma unha quebrada, a pele do dedo sendo arrancada... São situações aflitivas, sem dúvida, mas não é aí que está o terror. Tudo é muito sutil. O terror está, principalmente, no olhar de Nina (Natalie Portman) ao perceber o quanto é infantilizada, que não sabe lutar pelo que deseja, enfim, que não está preparada para enfrentar o mundo. Um medo que cada um de nós já sentiu em algum momento. Medo de arriscar, do desconhecido, medo de viver.
Trata-se, portanto, de um tema comum a vários filmes, um processo de crescimento pessoal, superação. O diferencial aqui não é o conteúdo, dramático por natureza, mas a forma, que é o que, de fato, o transforma em um thriller: sentimos na carne a deterioração psicológica de Nina e a sua consequente “mudança” de atitude, fisicamente falando, numa verdadeira fusão. Não há divisória. O que ela sente e pensa é mostrado, é literal. É simplesmente perturbador.
Um detalhe interessante é o uso de espelhos como personagens da narrativa. Recurso barato e recorrente em filmes assumidamente de terror (hoje em dia um clichê), os espelhos aqui não cumprem apenas a função de “assustar” o espectador, mas interagem com a protagonista e nos dão a dimensão de como está o seu desenvolvimento, tanto na questão puramente técnica, da dança, como no que diz respeito à sua personalidade, vista dos mais diversos ângulos.
Isso é genial pelo simples motivo de que só com espelhos, com múltiplos olhares, tenhamos uma noção exata (talvez nem dessa forma) de quem somos realmente. E é assim com qualquer pessoa. O normal durante a vida é potencializarmos apenas algumas das nossas características e nunca conhecer até onde podemos chegar. Nosso lado escuro (e todos têm) grita, pede pra sair, mas o reprimimos, temos medo do que possa acontecer se o soltarmos. Isso é terror.
2 comentários:
Seu olhar é muito sensível...o terror da não perfeição (que atinge todos os seres humanos, em maior ou menor grau...), de fato, foi retratado muito bem em Cisne Negro. Lembrei que ao assistir, a mamãe de Nina me deixou inquieta na poltrona adeira do cinema...uma personagem forte e marcante, um terror sutil...
Texto excelente!
Flor.
Você definiu bem o filme: "terror da não perfeição". A força, a dramaticidade da situação da Nina reside justamente no fato de isso ser algo identificável, com base na realidade. Perturba, com certeza. Obrigado pelo elogio :)
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