sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um filme de terror

As luzes já haviam sido acesas e uma boa parte do público já tinha levantado para sair da sala de cinema. Mas eu ainda estava lá, sentadinho no meu lugar, com a respiração presa e os olhos fixos na tela, os créditos passando. Mentalmente, revi o filme em questão de segundos e cada lembrança só fez reforçar o choque, o impacto que a viagem da protagonista ao seu subconsciente me causou. A forma como seus medos, inseguranças, limitações e força de vontade para superá-las ganham vida, literalmente, tornou Cisne Negro uma das melhores produções de terror a que já assisti.
E cuidado para não confundir. Uma unha quebrada, a pele do dedo sendo arrancada... São situações aflitivas, sem dúvida, mas não é aí que está o terror. Tudo é muito sutil. O terror está, principalmente, no olhar de Nina (Natalie Portman) ao perceber o quanto é infantilizada, que não sabe lutar pelo que deseja, enfim, que não está preparada para enfrentar o mundo. Um medo que cada um de nós já sentiu em algum momento. Medo de arriscar, do desconhecido, medo de viver.
Trata-se, portanto, de um tema comum a vários filmes, um processo de crescimento pessoal, superação. O diferencial aqui não é o conteúdo, dramático por natureza, mas a forma, que é o que, de fato, o transforma em um thriller: sentimos na carne a deterioração psicológica de Nina e a sua consequente “mudança” de atitude, fisicamente falando, numa verdadeira fusão. Não há divisória. O que ela sente e pensa é mostrado, é literal. É simplesmente perturbador.
Um detalhe interessante é o uso de espelhos como personagens da narrativa. Recurso barato e recorrente em filmes assumidamente de terror (hoje em dia um clichê), os espelhos aqui não cumprem apenas a função de “assustar” o espectador, mas interagem com a protagonista e nos dão a dimensão de como está o seu desenvolvimento, tanto na questão puramente técnica, da dança, como no que diz respeito à sua personalidade, vista dos mais diversos ângulos.
Isso é genial pelo simples motivo de que só com espelhos, com múltiplos olhares, tenhamos uma noção exata (talvez nem dessa forma) de quem somos realmente. E é assim com qualquer pessoa. O normal durante a vida é potencializarmos apenas algumas das nossas características e nunca conhecer até onde podemos chegar. Nosso lado escuro (e todos têm) grita, pede pra sair, mas o reprimimos, temos medo do que possa acontecer se o soltarmos. Isso é terror.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Era uma vez...

Dois adolescentes jogados num sofá. Uma olhada rápida no ambiente permite dizer que ele está em total simbiose com seus ocupantes: tudo é muito feio e sujo. Toda a atenção é voltada para o aparelho de televisão, com o som nas alturas. Puro metal. Durante a exibição de clipes, a dupla destila seus comentários. O humor negro, a acidez e o palavreado chulo imperam. Eles riem de suas próprias tiradas. Uma risada contagiante. Mas, quando um dos garotos derruba sua coca-cola no controle remoto, algo acontece. A TV parece entrar em curto e fica saltando de canais. Sintoniza a Al-Jazira, a CNN, a RAI, filmes em pay-per-view e, por fim, para, sem possibilidade de troca, no canal 24h do Big Brother Brasil. Os garotos, Beavis e Butt-Head, se entreolham e exclamam: “WTF”!
Como levantar do sofá para tentar consertar qualquer que tenha sido o problema não era sequer uma alternativa e o programa já mostrou, em menos de um minuto, dez closes de peitos e bundas, os garotos ficaram assistindo, compenetrados. O idioma diferente era o de menos, já que a linguagem corporal apresentada era universal. Os olhos esbugalhados a cada aparição feminina, seguida de uma rápida ida ao banheiro, claro, contrastavam com a revolta pelo tempo desperdiçado com homens se gabando de seus músculos. E não era porque o heavy metal cessara que os comentários mordazes tiveram o mesmo destino.
No começo, os jovens se limitavam a relacionar tanta testosterona com a pequenez do órgão sexual e do cérebro dos homens, além de fantasiar o que eles fariam com a “abundância” de (as) mulheres vistas na tela. As festas diárias naquela casa os fizeram planejar viagens ao Brasil para participar de toda a sacanagem, embora a música tocada não os agradasse nem um pouco. Numa das raras saídas da frente da TV, apenas para reabastecer o estoque de junk food, um deles teve a ideia de pesquisar no Google sobre o programa. Em um site, leram uma reportagem que os deixaram estarrecidos: o Big Brother era um reality show levado a sério, que existia em diversos países, não sendo apenas um entretenimento feito para moleques como eles, que precisavam liberar a sexualidade.
A descoberta, aliada ao fato de que o vencedor ganharia uma bolada em dinheiro, de tão absurda que era, fez com que Beavis e Butt-Head se animassem em querer participar do programa, um verdadeiro culto à imbecilidade e, por isso mesmo, um prato cheio para a dupla. Onde mais as pessoas se deixam enganar por montagens, como num videoclipe (e disso eles entendiam), e compram isso como “realidade”, premiando, na maioria das vezes, um completo idiota? Eles poderiam fazer fortuna, sem dúvida. Era só colocar a mochila nas costas e percorrer os países que exibiam o programa para se inscrever e faturar uma grana, já que estavam há tanto tempo no limbo.
Assim, primeira passagem na mão e claro que para o Brasil, já que eles não desperdiçariam a chance de ficar três meses numa casa ao lado das mulheres mais belas do planeta, só na curtição, sem fazer nada, ser chamados de “heróis” e, quem sabe, voltar aos holofotes, emplacando uma série ou novela por aqui. E eles quase conseguiram o seu intento. Mas o criador da dupla, Mike Judge, pressentiu o que os seus personagens estavam tramando e resolveu resgatá-los. Dar-lhes uma nova chance, novos episódios do próprio programa após anos de “desemprego”. A proposta era irrecusável e a viagem ao redor do mundo foi adiada. Afinal, é certo que esse tal de Big Brother terá vida longa, oportunidade não vai faltar. Hehehe, hehehe, hehehe...