
No início do século dezenove, a aristocracia inglesa ditava as regras e o jogo de aparências era mais valorizado do que nunca. O papel das matriarcas, por exemplo, era quase unicamente arrumar bons pretendentes para suas filhas e casá-las o mais depressa possível. Essa missão, aos olhos de hoje, causa repulsa. A vontade que dá é de mandar um exército de zumbis para se banquetear com os cérebros, não só dessas mães, mas de todos que compactuam com ideias do tipo, além de outras arrogâncias, sempre ligadas ao status social.
Vontade essa, em parte, saciada pelo escritor Seth Grahame-Smith, que fez uma releitura trash do romance de Jane Austen, Orgulho e Preconceito, inserindo mortos-vivos na narrativa, que se transforma, então, um uma deliciosa comédia de costumes de humor negro. Apesar de ter mantido 85% do texto original – até por isso mesmo, pensando bem -, o trabalho deve ter sido bastante exaustivo. Afinal, a intenção não era descaracterizar, e sim mudar a contextualização. Portanto, se você estiver familiarizado com a história, o prazer de ler será maior ainda.
A famosa família Bennet, que já passou por tantas encarnações no cinema, na televisão e no teatro, ressurge na literatura com uma característica adicional: a habilidade nas “artes mortais”. Todas as cinco herdeiras foram enviadas à China para se tornarem guerreiras e ajudarem no combate aos “não-mencionáveis”. A contragosto da mãe, é claro, que prefere vê-las bordando e assumindo suas posições submissas em relação aos maridos. Voltando ao que disse lá no primeiro parágrafo, acho que só não rolou uma licença poética mais aprofundada aqui, porque os zumbis não achariam seu precioso cérebro nesta cabeça oca.

É legal notar a forma como o “co-autor” consegue tratar o preconceito nesses novos elementos. Como a família Bennet é simples, ir para a China estudar com monges guerreiros é visto sob uma ótica desprezível, já que o Japão goza de melhores conceitos, com seus ninjas. Isso, claro, é somente na teoria, já que Elizabeth Bennet, a nossa heroína, é uma das mulheres mais letais de toda a Inglaterra. E, tenho que dizer, imaginá-la partindo pra cima do Sr. Darcy, dos zumbis e de qualquer um que ouse desafiar a sua honra é de rolar de rir, pois essa atitude é, simplesmente, uma extensão do seu temperamento.
Se a entrada dos elementos sobrenaturais funciona como chamariz de vendas – o que, de fato, ocorreu, com o livro no topo das listas e, inclusive, com direitos vendidos ao cinema -, a grande sacada foi não se escorar só nisso e fazer o trabalho com responsabilidade. Afinal, todos sabem que onde há zumbis no meio, a probabilidade de existir uma crítica social, à la George Romero, é grande. Era só se aproveitar disso. Assim, se a leitura original, embora reflexiva, já era leve e gostosa, as decapitações e demais banhos de sangue adicionam uma boa dose de diversão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário