segunda-feira, 28 de março de 2016

Orgulho, Preconceito, Zumbis e sonolência


O filme de zumbi é um gênero que se recusa a esgotar. Só de 2015 para cá, 3 filmes foram lançados por grandes produtoras: Como Sobreviver a Um Ataque Zumbi, Cooties e Orgulho e Preconceito e Zumbis. Tudo na esteira do sucesso da série The Walking Dead. Mas se depender dessa trinca aí, os mortos-vivos no cinema já estão quase enterrados.
Orgulho e Preconceito é um clássico da literatura inglesa do século 19. Escrito por Jane Austen, conta uma história de amor na aristocracia inglesa, envolvendo um nobre e uma camponesa de família tradicional, Darcy e Elizabeth. A grande sacação do escritor Seth Grahame –Smith foi pegar a história, que já tinha os direitos autorais liberados pelo tempo, e pôr uma subtrama envolvendo os desmortos, misturando romance e terror.
Não li o livro, mas se for a mesma bobagem que o filme, quero distância. Nada funciona na produção, mesmo com um elenco espetacular que o diretor Burr Steers tem em mãos. Gente do quilate de Jack Huston (Neto do mestre John Huston e o novo Ben-Hur da refilmagem), Sam Riley (O Ian Curtis de Control) e Lily James (Cinderela). Para piorar, é inadmissível que atores como Charles Dance e Lena Headey (os dois saídos diretamente de Game of Thrones) sejam tão mal aproveitados e não passem de quase coadjuvantes. Dance, por sinal, tem praticamente duas falas que o trailer já havia antecipado.
Por falar em trailer, a prévia é desonesta com o público ao vender uma trama com mulheres fortes e guerreiras, além de muita ação. Nada disso se concretiza. Para piorar, o roteiro é incoerente ao propor uma adaptação livre onde as jovens são treinadas para a batalha, em uma cena até divertida. Mas 5 minutos depois, pôe todas elas para disputar “bons partidos” em uma festa, exatamente como um filme clássico faria. Ora, se é para ser uma sátira, que seja adequada aos novos tempos. Afora que todas se portam de maneira patética e indefesa no decorrer da trama.
Que por sua vez é rasa e cheia de buracos. Steers investe tanto nos diálogos impolutos do original que deixa a experiência arrastada. Funcionou em Romeu e Julieta, com Leonardo Dicaprio, mas ali a trama tinha pique suficiente para manter a atenção do público. No caso atual, fica tudo maçante. A fotografia é comum demais e os efeitos especiais parecem feitos para produções televisivas. Sem contar que a trama mais legal e que renderia bastante, é deixada de lado até os segundos finais. Como já havia dito em outros textos, tudo fica mais legal com zumbis. Mas se eles quase não aparecem, como levar a sério um filme que os tem no título?. Acho que nem os produtores sabem a resposta.


Império
dos Mortos
Comecei a ler a primeira parte da minissérie de George Romero e Alex Maleev para a Marvel. É uma boa trama, apesar de uns problemas de condução dos personagens. Esse primeiro tomo reúne os 5 capítulos iniciais de 15 prometidos. Esta sim é uma boa história de zumbis e ainda consegue fazer uma bem vinda adição de vampiros na história, que tem clima noir e de urgência urbana. Aguardo com ansiedade as próximas edições.

segunda-feira, 14 de março de 2016

O diabo está nos detalhes




Lá pela metade de Spotlight (2015), o jornalista Mike Rezendes (Mark Ruffalo, ótimo) tem um acesso de raiva no meio da redação. É uma mistura de ansiedade e indignação. O primeiro sentimento é pela vontade de ter o seu trabalho exposto para a sociedade. Mas Rezendes também está enojado com o que estava apurando. O seu semblante contrasta com o sangue frio do seu editor-chefe, Walter Robinson (Michael Keaton, competente). Este quer apurar melhor o escândalo. Quer evitar informações erradas que possam desacreditar a reportagem.
Rezendes e Robinson não estão de lados diferentes nessa luta. São apenas dois bons jornalistas numa batalha aguerrida pela verdade diante da opinião pública. Ambos são membros da equipe Spotlight, como eram chamados os profissionais investigativos do Boston Globe. Eles descobriram uma relação aterrorizante entre a Igreja Católica e a pedofilia. Dezenas de padres abusavam de crianças e a única “punição” que recebiam era a troca de paróquia.  A investigação foi por acaso, graças a uma nota de um colunista, o que levantou a suspeita do novo diretor de redação Martyn Baron (Liev Schreiber, em uma atuação discreta, mas determinante). Quando os primeiros fios foram puxados, descobriu-se um novelo de intrigas.
Spotlight ganhou o Oscar deste ano não por ser um grande filme. Não é. É até um filme bem modesto comparado outros concorrentes, como Mad Max e o Regresso. Mas creio que o propósito do diretor Tom Mccarthy tenha sido exatamente esse. Dar uma dimensão realista a uma história real. A estatueta veio pela força dos temas abordados. Que são o papel do jornalismo e também como a igreja pode ser nociva para sociedade. Há um diálogo muito bom entre a personagem Sacha Pfeiffer (vivida com garra por Rachel McAdams) e uma das vítimas do padre, que simboliza essa relação da religião como vilã e se mostrar como salvadora.
O homem, abusado na infância, começa falando, relutantemente, como um quase defensor dos padres, até aos poucos cair em si. Sobra o silêncio. Aqui, a hierarquia católica funciona como uma mão invisível sobre todos. Não é a toa que a maioria dos planos abertos possui uma igreja em destaque. Mesmo querendo que o Oscar de filme fosse para Mad Max, acho que aqui está em boas mãos. Spotlight é honesto, bem feito e de uma importância social imensurável. Sua mensagem deve durar por muito tempo, como só as boas histórias conseguem.

PS: No final do filme, há várias cidades citadas onde os padres foram denunciados por pedofilia. Quatro são brasileiras: Arapiraca, Mariana, Rio de Janeiro e Franca. É assustador perceber como esse é um problema mundial e que a instituição Igreja ainda faz pouco caso disso. 

segunda-feira, 7 de março de 2016

Um quase-clássico




O Regresso (The Revenant, 2015) venceu três Oscars. Dois deles foram merecidos. Um não. Então, para poder falar sobre o filme, vamos começar pelo prêmio da academia que menos provoca discussão: o de Melhor Ator. Criou-se uma aura de injustiçado sobre Leonardo DiCaprio, mesmo que ele tivesse poucas indicações (4 no total). DiCaprio é um ator excelente, que já teve grandes momentos no cinema. Meu favorito é o personagem dele no espetacular e subestimado “Ilha do Medo” (Shutter Island, 2010) do mestre Martin Scorsese.
Apesar de não ter seu melhor momento na produção atual, não se pode dizer que ele não mereceu. Sua entrega física e psicológica para compor Hugh Glass, que foi deixado à morte em um ambiente hostil e busca vingança, é fascinante. Os ótimos Tom Hardy e Domhnall Glesson completam o bom elenco. A outra estatueta merecida foi para a Fotografia de Emmanuel Lubezki. Eu torcia particularmente para John Seale, que faz um trabalho absurdamente bonito em “Mad Max – Estrada da Fúria”. Mas Lubezki é um grande profissional. Tem domínio de cena, mesmo em condições adversas, das cores, e consegue fazer boas sequências com luz natural.
Mas “O Regresso” também tem problemas. A começar pelo roteiro. O script de Mark L. Smith se esforça para dar um caráter espiritual à jornada contra a morte de Glass, como se os esforços sangrentos dele para sobreviver não fossem fortes o suficiente para a história. E são. Entretanto, há uma clara dicotomia entre realismo e religiosidade aqui, que distrai quem assiste e quebra o próprio ritmo da narrativa. E ainda tenta forçar uma relação íntima do caçador com os índios, que também não acrescenta nada à trama, apesar de servir para selar (ou não) o destino dos personagens. Para terminar, alguns furos incomodam bastante (como um capitão vai caçar um fugitivo sozinho, quando tinha um exercito, o filme inteiro, à sua disposição?).
O que nos traz a outra dificuldade da película de se estabelecer como um dos grandes épicos históricos do cinema: a própria direção de Alejandro González Iñárritu. Não posso dizer que sou fã do cineasta. Acho “Babel” e “21 Gramas” bem fracos. Por outro lado, me surpreendi com “Birdman”, que é um grande filme do início ao fim. No trabalho que lhe deu o Oscar, Iñarritu tenta dar uma dimensão onírica ao próprio ofício, investindo em longos planos-sequências (o que funciona no início apenas), estranhos movimentos de câmera e opções visuais duvidosas (sangue respingando e respiração embaçando lentes), mas só consegue soar auto-indulgente. Iñarritu quer ser Terrence Malick, mas só consegue se comparar com Steven Spielberg, em seus piores momentos. Isso compromete definitivamente a história, que poderia ganhar uma dimensão mais realista, perturbadora e igualmente fascinante. Ou seja, uma bela oportunidade quase jogada fora. Fica a certeza que esse prêmio deveria estar nas mãos de George Miller e sua desert ópera enlouquecida. Mas a Academia nunca foi conhecida por fazer justiça aos seus.