As crianças são as maiores vítimas das guerras.
Afinal, por serem inocentes e indefesas, carregam traumas que irão durar por
toda a vida, se elas conseguirem sobreviver. Por outro lado, há muitos casos de
conflitos bélicos onde a infância é uma arma nas mãos de ditadores e guerrilheiros.
Criam-se os meninos-soldados, forçados a abandonar a infância em prol de causas
obscuras.
Este enredo, tão real quanto o possível, é apresentado
em Beast of no Nation (2015). É a 1ª produção cinematográfica produzida e
financiada pela Netflix e que funciona como um tipo de “teste” sobre financiamento
paras filmes sob demanda para a internet (on demand), a partir do modelo de
reprodução já consagrado pela empresa, que tem outras 3 obras engatilhadas para
2016.
E o diretor Cary Fukunaga (que já mostrou o quanto
é bom na ótima 1ª Temporada de True Detective) investe em um tema polêmico para
a empreitada: ele conta a história de Agu
(o estreante e carismático Abraham Attah), um garoto africano que vê a família
ser dizimada na guerra e é obrigado a fazer parte de um grupo paramilitar para
sobreviver. Fukunaga faz um belo estudo de personagem. A câmera acompanha a transição
dolorosa da persona de Agu, de um ser pequeno e frágil para uma figura ameaçadora
e perigosa, capaz de atrocidades que, em condições normais, não somos capazes
de conceber.
O cineasta faz dessa passagem a mais orgânica possível
através da fotografia e do figurino. Inicialmente ele investe em paletas de
cores neutras e vestimentas claras, para mostrar como a vida em um vilarejo da
África (mesmo que em nenhum momento fique claro que país é) era difícil, porém
calma e feliz. Em um determinado momento da trama, há uma mudança para tons fortes
e roupas vermelhas, potencializando o sentimento de violência e morte, sob o
sol escaldante das florestas africanas.
Para fugir dessa realidade em raros momentos, Agu
recorre à TV, que vira uma caixa de ilusões (e uma rica metáfora visual que
remete ao início da trama). O menino acaba criando amizade com outro soldado, Strika
(Outro novato e igualmente espetacular, Emmanuel Nii Adom Quaye), que através
de várias brincadeiras, nos lembram de que temos apenas garotos ali.
E existe
outro grande trunfo para o filme: a presença magnética de Idris Elba. Desde a
primeira aparição deste, como um messias no meio da floresta, ele toma conta da
tela com seu carisma ameaçador. O Comandante é capaz de convencer qualquer um a
segui-lo e aproveita o ambiente de fome e pobreza para se impôr à força, seja
física ou sexualmente (há uma cena subentendida de abuso chocante e, ao mesmo
tempo, tocante).
O diálogo
final, aonde os sentimentos acumulados vêm à tona nas expressões do rosto de um
jovem que esqueceu a própria infância no caminho para a vida adulta, é forte o
suficiente para determinar a obra como uma das mais importantes do ano e um registro
da importância do resgate da infância, seja na África, Europa ou na periferia
das grandes cidades brasileiras.
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