segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O ódio será nossa herança





Quando Kirk Douglas cai diante de todos, bêbado, desnudando sua própria farsa criada em torno de uma tragédia em A montanha dos 7 Abutres (Ace in the Hole, 1951), ele representa uma face cruel do poder humano na criação de falsos mitos e promessas vãs que vendem soluções sociais fáceis. Fico pensando como, em tempos de crises, os falsos profetas refestelam-se diante do desespero social e levam a maioria rumo ao precipício da histeria coletiva.
Um nível acima dessa construção de poder estão as redes sociais e sua tendência incomum e quase irremediável em criar uma espiral de anti-informação, pela capacidade abusiva de se acreditar em clichês argumentativos ou discursos simplistas. A fé dirige-se para o que está na rede ou parte de gente com credibilidade duvidosa (que age por má fé ou deficiências intelectuais, como uma espécie de cegueira dogmática). Quem se beneficia com essa falta de diálogo ou criação gratuita de ódio contra o outro – criando vilões de ocasião - é aquele que pende para uma lógica fascista na ascendência ao poder e tem na falta de empatia com o outro, o seu trunfo.
No filme A Onda (Die Welle, 2008), o professor usa um experimento social em sala de aula para provar que a sociedade pode ser facilmente manipulada ou levada a praticar discursos ideológicos que, em condições normais, não faria. Em uma comparação bruta, é mais ou menos isso que determinados grupos ou pessoas fazem ao espalhar boatos, demonizar a política como ambiente democrático de debate e disseminar discursos de ataques ou de intolerância religiosa na grande rede. Hoje é para a Igreja Zuckerberg que dizemos amém.
Não temos os “bombeiros” (como em Fahrenheit 451, de 1953 – filme espetacular de François Truffaut), mas temos formadores de opinião virtuais cuja cretinice discursiva faz sucesso na massa. E toma-lhe curtir e/ou compartilhar. Creio que um botão questionar não seria uma ideia ruim. Entretanto, seria atacado pela própria natureza simbólica que carrega: o pensamento crítico é o veneno do maniqueísmo sociológico. Precisamos questionar se é completamente confortável viver à sombra desse Panóptico eletrônico. Aumentar sua própria bagagem cultural e não acreditar nesses falsos messias binários já é um bom começo.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A cobra mordendo o próprio rabo

Na semana passada, o Ministério Público do Estado do Pará apresentou um anteprojeto de lei que restringe o horário de funcionamento de bares, casas de shows e restaurantes para as 23h durante a semana e 2h da manhã nos finais de semana. É uma tentativa de conter o crescimento da violência no Estado e tem a anuência do Governo do Estado. Na minha opinião, é uma medida um tanto quanto inócua, que só cria mais restrições sociais para moradores que já estão cercados de limitações no seu exercício de cidadania: os jovens da periferia.
É claro que este é o público mais atingido pela medida. Há uma clara associação entre a insegurança com as festas e bares de periferia. Existe ainda uma carga de preconceito implícita aí contra a música chamada Brega e as festas de aparelhagens, quando sabemos que o problema é outro. E responsabiliza-se, por conseguinte, a bebida. Mas o álcool é um problema maior em relação aos crimes de trânsito, que é uma discussão diferente. Os índices de criminalidade são altos por causa do tráfico de drogas e do crescimento de poderes paralelos, como mostrou a CPI das Milícias da Assembleia Legislativa.
Quando se trata de segurança pública, sabemos que desocupar as ruas só agrava o problema. O ideal é ocupá-las com atividades culturais e esportivas, usando espaços públicos e praças. E garantir o mínimo de segurança para isso. As pessoas vão para a rua, saem de casa, interagem. Os comerciantes geram empregos e renda. É um circulo progressivo. Como acontece em alguns pontos da cidade, como a Cidade Velha e o Reduto, por exemplo. Mas é pouco, muito pouco, diante da quantidade de bairros na Região Metropolitana de Belém. O projeto é a síntese do Estado (no entendimento amplo do termo) transferindo para o outro uma responsabilidade que é sua, que seria garantir o básico da Educação, Saúde, Lazer e Cultura para a população. Não há boa vontade política e administrativa para isso. Lamentavelmente.

Maratona Star Wars
Aumentando a expectativa para a estreia do filme O Despertar da Força, novo episódio da Saga Star Wars, que chegará aos cinemas no dia 17 de dezembro, o Centro Cultural Brasil Estados Unidos promove, a partir desta quinta-feira (26), a exibição das 6 primeiras obras na ordem cronológica dos roteiros. As sessões ocorrem sempre às 18h30, no Cine Teatro do CCBEU, que fica na Travessa Padre Eutíquio, 1309.
Quinta será exibido A Ameaça Fantasma. Já sexta, será a vez do O Ataque dos Clones. No dia 30, haverá a projeção de A Vingança dos Sith. Em seguida, no dia 7 de dezembro, o primeiro filme da saga terá vez: Uma Nova Esperança. No dia seguinte, O Império Contra-ataca. Fechando o ciclo, no dia 14, O Retorno de Jedi. Excelente ideia para os fãs.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Garotos Perdidos





As crianças são as maiores vítimas das guerras. Afinal, por serem inocentes e indefesas, carregam traumas que irão durar por toda a vida, se elas conseguirem sobreviver. Por outro lado, há muitos casos de conflitos bélicos onde a infância é uma arma nas mãos de ditadores e guerrilheiros. Criam-se os meninos-soldados, forçados a abandonar a infância em prol de causas obscuras.
Este enredo, tão real quanto o possível, é apresentado em Beast of no Nation (2015). É a 1ª produção cinematográfica produzida e financiada pela Netflix e que funciona como um tipo de “teste” sobre financiamento paras filmes sob demanda para a internet (on demand), a partir do modelo de reprodução já consagrado pela empresa, que tem outras 3 obras engatilhadas para 2016.
E o diretor Cary Fukunaga (que já mostrou o quanto é bom na ótima 1ª Temporada de True Detective) investe em um tema polêmico para a empreitada: ele conta a história de  Agu (o estreante e carismático Abraham Attah), um garoto africano que vê a família ser dizimada na guerra e é obrigado a fazer parte de um grupo paramilitar para sobreviver. Fukunaga faz um belo estudo de personagem. A câmera acompanha a transição dolorosa da persona de Agu, de um ser pequeno e frágil para uma figura ameaçadora e perigosa, capaz de atrocidades que, em condições normais, não somos capazes de conceber.
O cineasta faz dessa passagem a mais orgânica possível através da fotografia e do figurino. Inicialmente ele investe em paletas de cores neutras e vestimentas claras, para mostrar como a vida em um vilarejo da África (mesmo que em nenhum momento fique claro que país é) era difícil, porém calma e feliz. Em um determinado momento da trama, há uma mudança para tons fortes e roupas vermelhas, potencializando o sentimento de violência e morte, sob o sol escaldante das florestas africanas.
Para fugir dessa realidade em raros momentos, Agu recorre à TV, que vira uma caixa de ilusões (e uma rica metáfora visual que remete ao início da trama). O menino acaba criando amizade com outro soldado, Strika (Outro novato e igualmente espetacular, Emmanuel Nii Adom Quaye), que através de várias brincadeiras, nos lembram de que temos apenas garotos ali.
 E existe outro grande trunfo para o filme: a presença magnética de Idris Elba. Desde a primeira aparição deste, como um messias no meio da floresta, ele toma conta da tela com seu carisma ameaçador. O Comandante é capaz de convencer qualquer um a segui-lo e aproveita o ambiente de fome e pobreza para se impôr à força, seja física ou sexualmente (há uma cena subentendida de abuso chocante e, ao mesmo tempo, tocante).  
 O diálogo final, aonde os sentimentos acumulados vêm à tona nas expressões do rosto de um jovem que esqueceu a própria infância no caminho para a vida adulta, é forte o suficiente para determinar a obra como uma das mais importantes do ano e um registro da importância do resgate da infância, seja na África, Europa ou na periferia das grandes cidades brasileiras.