segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Transmídia e transgênero na TV do presente



(Texto originalmente publicado na coluna Diário Cultural do caderno Você, Diário do Pará do dia 26/01/2015)

Há dois anos, a Amazon, empresa conhecida por ser a líder mundial em vendas online e comercialização de livros e e-books na internet, resolveu seguir o caminho da Netflix e passou a produzir séries próprias para o mercado promissor de transmissão via streaming (dados rodados diretos por servidores de rede) por assinatura. Mas, para ajudar na divulgação de suas produções originais, a estratégia escolhida foi um pouco diferente. Enquanto a Netflix disponibiliza temporadas inteiras no seu portal de uma vez, a Amazon produziu diversos pilotos e jogou no site. Os mais votados ganhariam uma temporada completa.
Já na primeira tentativa, a gigante do varejo online amargou um grande fracasso: a adaptação ruim e equivocada do filme Zombieland. A série era péssima, o que fez com que público e a crítica detonassem o episodio piloto. O resultado é que os milhões gastos se perderam só aqui. Felizmente, os executivos não desistiram. Em 2014, decidiram fazer um investimento um pouco mais modesto  e seguiram em frente em um projeto polêmico de Jill Soloway (À Sete Palmos) sobre um professor aposentado que decide revelar para os três filhos que é transgênero. O curioso é que a história é baseada na vida de sua criadora: o pai de Soloway assumiu para a filha que gostava de se vestir de mulher.
O mais importante da série é fugir da abordagem grosseira que geralmente cerca as versões na ficção de quem circula por este universo. A trama não apenas rodeia em volta do personagem principal, Mort Pfefferman (Maura), vivido com delicadeza pelo sempre competente Jeffrey Tambor. Ele é apenas uma peça dessa grande convulsão de sentimentos chamada Família. A revelação não tem requintes bombásticos ou afetados. Mas, potencializa todos os sentimentos bons e ruins que sempre nortearam aquele núcleo familiar. Dos três filhos, um é viciado em sexo, outra redescobre-se lésbica e a terceira nem sabe direito o que quer da vida, pois não estuda, trabalha e nem desenvolve relacionamentos amorosos mais fortes.
Apesar de às vezes desviar demais o foco de Tambor em alguns momentos, é impossível não se envolver nas suas angústias como um pai fora de sintonia com o mundo careta e carente que o cerca. O trocadilho do nome da série não é à toa. Transparent é uma abreviação em inglês para parente transgênero, mas também é um adjetivo sobre como vivem aqueles que não se enquadram nos padrões sociais conservadores, vivendo a sombra da sociedade, ou são seres invisíveis, que precisam se esconder em sítios ou fazendas criados por outros transgêneros, para serem aceitos. Curiosamente, outras duas séries de sucesso que acompanho tratam de identidades sexuais: Orange is The New Black (original da Netflix) e Vicious, sitcom inglesa sobre um casal homossexual que vive junto há 49 anos.
Transparent rendeu, com justiça, dois Globos de Ouro: de melhor série de comédia e melhor ator de comédia para Tambor. Com a visibilidade e as premiações, era óbvio que a Amazon renovaria a obra para a segunda temporada. Foi um primeiro acerto que nós, apreciadores de boas histórias, esperamos que renda outros tão bons e polêmicos quanto.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Oscar deste ano se tornou uma premiação previsível



(Texto originalmente publicado no Diário do Pará, Caderno Você, edição do dia 19/01/2015)

Na última quinta-feira, dia 15, foram anunciados os indicados ao Oscar 2015. Em um ano relativamente fraco de grandes produções, muitas escolhas certas e poucas novidades. Nesse cenário, destacaram-se as apostas óbvias: Birdman e O Grande Hotel Budapeste com oito indicações, O Jogo da Imitação (sete categorias em disputa) e Boyhood (seis). Só o novo do Clint Eastwood, Sniper Americano teve mais indicações que o esperado, também com seis.
A grande prova de que foi um período de dificuldades na escolha para os melhores de Hollywood: não houve nenhuma interpretação feminina de destaque. Por causa disso, as duas favoritas para melhor atriz são Juliane Moore, que descobre uma grave doença em Para Sempre Alice, e Rosamund Pike, que deve vencer na minha opinião, graças a personagem cheia de ambiguidades que viveu em Garota Exemplar.
Já na categoria ator, a estatueta deve ficar nas mãos de Michael Keaton por Birdman. A academia adora premiar atores aparentemente decadentes por papéis de destaque, principalmente se houver alguma relação com a própria vida dele, como é o caso do nosso querido ex-Batman. O único que corre por fora é Eddie Redmayne em A Teoria de Tudo, no qual interpreta o físico Stephen Hawking.
Entre os coadjuvantes, a quase unanimidade masculina é JK Simmons (para quem não lembra é o J. J. Jameson da primeira trilogia do Homem-Aranha). A segunda opção seria, creio, Ethan Hawke, por Boyhood. Entre as mulheres, o páreo é mais duro: nenhuma delas é favorita e até Meryl Streep foi indicada por exclusão, pela fábula musical Caminhos da Floresta. Aqui, Patricia Arquette sai na frente graças à badalação, com toda razão, em torno de Boyhood.
Boyhood, aliás, é favorito em outras duas categorias: melhor filme e diretor. Richard Linklater apostou em uma estrutura ambiciosa para a obra, filmando o crescimento e envelhecimento dos atores principais durante doze anos. O resultado é bom cinema em estado puro, que independe de uma estrutura narrativa com começo meio e fim, em um registro preciso e poético da passagem do tempo.
Entre as animações, em um ano em que a Pixar novamente está fora da jogada, minha aposta é em Como Treinar seu Dragão 2.  Se falarmos de injustiças, considero que Andy Serkis merecia uma indicação pelo trabalho pioneiro de captura de imagem que se especializou e que aperfeiçoou em O Planeta dos Macacos – O Confronto. Sua concepção de Cezar é espetacular. Infelizmente, parece que os membros da academia continuam avessos a novidades tecnológicas como essa e histórias de ficção científica. O que também poderia justificar terem ignorado completamente Interestellar, ambicioso projeto de Christopher Nolan, mas que parece não ter agradado à crítica em geral.
Agora, resta esperar o dia 22 de fevereiro, acompanhar a premiação com um balde de pipoca nas mãos, sempre lembrando que se trata da grande festa do cinema comercial americano e não dos melhores do cinema mundial.