Trinta e dois anos se passaram desde a sensacional e extremamente dolorosa transformação de um homem em lobo no filme Um Lobisomem Americano em Londres, de John Landis. De lá para cá, a licantropia foi explorada à exaustão no cinema, com resultados na maioria das vezes questionáveis. Dog Soldiers – Cães de Caça e Skinwalkers, ambos independentes dos grandes estúdios, talvez tenham sido os únicos representantes dignos da linhagem. O problema é que eles fogem do argumento clássico e apostam em releituras do mito. Quem teve a grande chance de recolocar essa história nos trilhos foi O Lobisomem, remake do original da Universal de 1941, mas fizeram um filminho sem-vergonha e desperdiçaram o excelente trabalho do mestre Rick Baker na concepção da criatura.
Mas eis que agora em 2013, de mansinho e sem alarde, um diretor meia-boca como Eli Roth, responsável pela bomba O Albergue e pelo razoável Cabana do Inferno, surpreendeu positivamente em uma incursão pela TV, na série original do Netflix, Hemlock Grove. Com um tom que se aproxima da atmosfera de pesadelo que intrigava e levava medo à Larry Talbot na década de 40, e misturando elementos de Twin Peaks e True Blood, a nova série, que estreou na última semana, consegue ao mesmo tempo homenagear o passado e ter vida própria.
A principal preocupação de Roth, que idealizou a série, dirigiu o seu primeiro episódio e continuou como produtor-executivo nos outros doze, foi se distanciar de produtos adolescentes como Crepúsculo, Vampire Diaries e Teen Wolf. E, de fato, Hemlock Grove mantém o seu pé no terreno adulto, em uma trama intrincada, passada em uma cidade fictícia (cujo nome batiza a série), que envolve investigação criminal, conspirações e a relação estreita entre a ciência e o sobrenatural. Ter todos os seus episódios disponibilizados de uma vez ajuda nesse processo, já que não é preciso uma fidelização do espectador; muda-se, portanto, o formato: não é preciso ganchos ao final de cada episódio, “apenas” uma boa história que renda um filme de 13 horas de duração.
A presença de ciganos e da velha mansão de uma família tradicional do lugar nos provoca uma sensação familiar, de retorno às origens. Ainda mais porque, além do lobisomem, a série faz referências aos seus companheiros de jornada através dos tempos na literatura e no cinema, o que só agrega valor. Mas não há dúvidas sobre qual das figuras sobrenaturais é a protagonista, tanto que os primeiros episódios, apesar da ocorrência de um brutal assassinato, são claramente suavizados para dar força à cena da transformação do lobo.
Lembro de John Landis falando sobre o seu filme de 81, que costelas e ossos crescendo, mudando de lugar ou quebrando, deveria ser algo incômodo, perturbador e doloroso, tanto para o personagem quanto para o público. Assim foi no seu Um Lobisomem Americano em Londres e Eli Roth emulou aqui, com a adição de uma dose generosa de gore, marca do diretor. Por falar nisso, sangue, vísceras e outras nojeiras não faltam na série.
Embora Hemlock Grove caia em clichês em alguns pontos, fazendo com que as pistas fornecidas sejam suficientes para um espectador mais atento descobrir quem é o assassino, nada é em vão, pois apesar de ser o mistério principal, o que faz a trama andar, ele não é o único. Tudo pode ser visto como um ponto de partida para entendermos a relação entre os personagens, suas funções, quem são e, principalmente, o que são. Não sei se terá uma nova temporada. Talvez nem seja preciso, já que fecha de uma forma bacana, que volta a ressaltar a sua principal qualidade: a evocação aos elementos clássicos de horror.