sexta-feira, 20 de julho de 2012

Arte & Pornografia


A linha que separa a genialidade da loucura é muito tênue e, por vezes, ocorre uma interseção entre muitas das características envolvidas. Talvez seja por isso que as pessoas, em geral, não saibam como classificar Alan Moore. Confesso que eu mesmo, várias vezes, lendo as obras desse inglês barbudão, cheguei a parar e pensar: “Esse cara só pode ser doente. Ninguém em sã consciência faria algo do tipo”. Mas depois de uma análise mais profunda, a gente percebe que ali está o retrato da nossa sociedade, com todos os seus vícios, hábitos, visões moralmente distorcidas e, por que não, algumas virtudes.
Não dá nem para explicar direito o turbilhão de sentimentos a cada página virada em suas graphic novels e demais quadrinhos, mas vou tentar fazer uma rápida retrospectiva até chegar onde quero. Bom, primeiro fiquei instigado com “Do Inferno”, depois minha visão de mundo foi sensivelmente alterada ao ler “V de Vingança”, vibrei com a origem do Coringa em “A Piada Mortal” e meu queixo caiu com “Watchmen”. Citei apenas os mais importantes para, enfim, dizer que nada, absolutamente nada, se compara a “Lost Girls”.
A obra foi lançada em 2007 e desde então sempre tive vontade de ler, mas fui adiando. Ganhei os dois primeiros encadernados de aniversário e comprei o último. Me arrependi da demora. Li em um dia, não deu para interromper. Moore chegou no auge da sua imaginação, realmente elevando a pornografia ao status de arte, dentro da cultura pop. Ele amplia a forma sarcástica e irônica com que Woody Allen, por exemplo, aborda o sexo, tornando-o o centro de tudo em nossa vida e mostrando as suas diversas facetas num trabalho sério e profundo sobre o psiquê humana.
Se ficaram preocupados com a palavra “pornografia”, podem ficar tranquilos, pois a narrativa é elegante e a criatividade é aflorada, com os desenhos de Melinda Gebbie evocando a art nouveau, fazendo com que as sequências eróticas sejam um colírio não só aos olhos, mas também à mente, tendo o seu ponto alto em uma sequência que revela todo o desejo e luxúria reprimidos por meio de um jogo de sombras durante uma conversa banal. Já o roteiro de Moore mostra como o sexo rege o nosso destino e, para tal, situa a história às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a fim de promover o embate entre a celebração da vida (o sexo) e a certeza da morte (guerra, destruição). É um tratamento de choque, mas que funciona como antídoto para a ignorância, o falso moralismo e a hipocrisia.
Deixei propositalmente para o final o detalhe que, embora seja o mais óbvio, paradoxalmente, é o mais interessante de toda a história: as suas protagonistas. Moore desconstrói os contos de fada e os reinterpreta como uma alusão à iniciação sexual. Wendy, Alice e Dorothy, de Peter Pan, Alice no País das Maravilhas e O Mágico de Oz, respectivamente, se encontram num hotel na Áustria e compartilham suas experiências, que, aos seus olhos de crianças, à época, ganhavam uma atmosfera de sonho e encantamento, marcando-as para sempre. Daí vem o título do livro. Elas se conhecem e tentam resgatar as meninas que foram um dia e se perderam pela vida.
Alan Moore mostra, portanto, que na ficção tudo é possível e não há limites para o verdadeiro artista. Ele explora o formato dos quadrinhos à exaustão, como, acredito, nunca tinha feito antes e expõe seus pensamentos para o público, tendo na pornografia, ou erotismo, que é como ele prefere, apenas um caminho. O que importa mesmo é enriquecer os leitores com um debate de ideias e uma gama de referências culturais. Se a opção pelo tema foi para chocar, não sei dizer. Só o que sei é que espero ler de Moore muitas outras loucuras geniais, ou genialidade loucas, se preferir.

Um comentário:

Rodrigo Hisgail de Almeida Nogueira disse...

Fiquei curiosos com o livro... ótima pedida... muito boa a apresentação e o texto, inspiradores!