domingo, 17 de abril de 2011

A gênese do Horror


Quem acha que Crepúsculo é a fina flor da literatura de terror, precisa urgente começar a ter contato com os verdadeiros mestres do terror mundial como H.P. Lovercraft, Edgar Allan Poe e Mary Shelley, que viveram mais de um século antes de nós. Afinal, desde que o ser humano pisou na terra, ele usa da imaginação e da escrita para provocar a catarse diante do medo da Morte.

Uma boa dica para começar a entender como a literatura de horror, é ler a coletânea da Companhia das Letras chamada: “Contos de Horror do Século XIX”. O livro traz uma safra dos melhores escritores que viveram naqueles anos escolhidos por Alberto Manuel. O destaque começa pelos tradutores do contos escolhidos. Entre eles, gente do naipe de Milton Hatoum, Moacyr Scliar e Rubem Fonseca.

Para você ter noção do nível das histórias, entre os escritores publicados estão: Henry St. Clair Whitehead, H.G. Wells, Julio Verne, Joseph Conrad, Allan Poe, Guy de Maupassant, Bram Stoker, Eça de Queiroz, Conan Doyle e Robert Louis Stevenson. A maioria dos contos são desconhecidos para a maioria, o que torna a experiência ainda mais curiosa. O legal, é que são estilos, locais e apelos diferentes, desde o gótico até o romântico com pitadas de sobrenatural. Para mim, os melhores contos são:

- A Mão do Macaco (W.W. Jacobs) – abre o livro com estilo e conta a história de uma família onde a ganância ganha contornos trágicos com a posse de um artefato capaz de realizar desejos, mas sempre um preço a pagar.

- A Família do Vurdalak (Tolstói) – Conto que daria um filme de terror espetacular, traz a lenda dos vampiros escandinavos, que sempre mordiam parentes e amigos. As cenas finais são estupidamente cinematográficas.

- A Selvagem (Bram Stoker) – O escritor criador do Drácula mostra o talento ao trazer a vingança de uma gata ferida contra aquele que matou seu filhote. Cada parágrafo é construído de maneira a surpreender quem chega ao final do conto.

Enfim, literatura da melhor qualidade que influenciou muito do que hoje é feito na literatura, teatro e cinema. Procure nas melhores livrarias e sites de compras..

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Possessão

A manifestação física de uma séria confusão mental. Sentimentos como ciúme, desejo, desespero, excitação e medo deixam de ser algo abstrato e ganham vida diante de nossos olhos. Não existe um momento literal sequer na obra de Andrzej Zulawski, Possessão, de 1981. Tudo ali é orquestrado como um pesadelo, não obedece às leis naturais, desde a interpretação exagerada dos atores até a revelação do “monstro”. Uma estrutura sufocante, sim, repleta de metáforas e simbolismos. Mas totalmente conectada com o tema do filme, um casal em crise.
“É duro viver junto”, diz, já na reta final da projeção, o personagem de Sam Neill para si mesmo. É um momento de compreensão, um dos poucos respiros que o cineasta concede ao espectador, pois a intenção nunca é explicar e sim complicar. Afinal, assim são os relacionamentos. Complicados. Não é à toa que, em entrevistas, Zulawski afirma ter se baseado em situações de seu próprio casamento para criar o roteiro. Quem nunca sentiu, por exemplo, que estava prestes a explodir de tanta dor por causa de outra pessoa? Se os conflitos internos ganhassem uma dimensão real, ultrapassassem a barreira do corpo, o resultado não seria nada bonito, como mostra Possessão.
Esse título, aliás, abre caminho para uma dupla interpretação. Num primeiro momento, pode-se atribuir tudo o que acontece a uma possessão demoníaca, levar para o lado do misticismo. A cena que Isabelle Adjani está parada diante de uma imagem de Cristo poderia ser um indício dessa visão, por que não? Mas, para mim, isso seria desprezar a força negativa e destrutiva de uma crise no relacionamento. Insegurança, amor, ódio e, acima de tudo, posse. Não é preciso nenhum ser de outro mundo para tornar essa combinação mais danosa. Além disso, a cena citada é, a meu ver, outro instante surreal, já que em vez de pedir ou até implorar ajuda, a mulher apenas geme, mostra como está o seu estado de espírito.
E como a questão é não aliviar, ainda existe um outro vértice nessa história. O amante. A partir do momento que é descoberto pelo marido, os dois travam um duelo, um jogo mental. Ora um sai por cima, ora o outro. Mas eles não sabem que disputam uma mulher que está a anos-luz de saber o que realmente quer. A briga entre eles é a parte mais “pés no chão”, digamos, do filme. Ela está em um plano diferente, mais elevado. Os homens, afinal, nunca alcançam o nível de complexidade feminina. Eles querem aquela mulher de volta, ter o relacionamento que sempre tiveram. Para ela, isso já não basta. Ela evoluiu, eles não. A solução encontrada por ela, foi, então, “criar” o homem ideal, um ser multifacetado, que poderia suprir todas as suas necessidades sentimentais. Esse é o “monstro”.
Existem ainda muitos outros detalhes que poderiam ser abordados, como o viés político da Alemanha dividida pelo Muro de Berlim ou o reflexo no filho do casal, e até mesmo as demais relações existentes no filme. Mas a força maior é mesmo a tríade homem-mulher-amante. O fato é que Possessão faz barulho, gera debate, nos faz pensar. Mas incompreensível, como foi tachado, ele não é. Não para quem já viveu intensamente uma relação a dois. Homens e mulheres nasceram para ficar juntos, mas não conseguem. A incomunicabilidade impera. Os momentos felizes, aos poucos, vão sendo substituídos por brigas e discussões. Até que a dor se torna forte demais para continuar. O que antes era “pra sempre”, acaba, morre. Mas a vida prega peças. Um dia, a paixão ressurge e tudo recomeça...

Quando toda a dor e loucura transbordam

domingo, 3 de abril de 2011

Festim Diabólico

Brandon e Phillip devem ter tido pais muito ausentes, pois a eles cabe com perfeição o ditado "Está pedindo para apanhar e não tem quem dê". Mimados, parecem estar em uma eterna busca por atenção. Um comportamento aceitável na infância, mas que, na fase adulta,indica apenas egoísmo e arrogância. Se julgam superiores e querem que o mundo saiba disso e, claro, concordem com o seu ponto de vista. Para "se mostrar", arquitetam um assassinato e fazem uma festa para a vítima, com direito a convidados. Escondem o cadáver num baú, no meio da sala. Servem o jantar em cima dele. Não queriam ser pegos. Era apenas mais um teste para a sua suposta genialidade. Mas, afinal, de que adiantaria realizar o crime perfeito se ninguém ficasse sabendo, nem lhes dessem o devido crédito?
Esse sempre foi o mal dos vilões. Não seguram a sua língua. Mais de dez anos antes dos filmes de James Bond eternizarem essa figura caricata, Hitchcock já colocava em prática esse conceito em Festim Diabólico, filme de 1948. Claro que de forma mais sutil. Em vez de dar o plano de bandeja para o mocinho, num discurso bem explicativo, impera o humor negro. Insinuações, troca de olhares, linguagem corporal, detalhes do cenário. É assim que Brandon e Phillip dão as dicas do que fizeram. Brincam com a situação. Duas crianças que fizeram "arte" e tentam minimizar. O primeiro mais do que o segundo, pois neste ainda existe um resquício de consciência. Mas, submisso, segue as regras impostas pelo amigo. Já o "herói", o professor Rupert, aparece desvirtuado. É por ele que torcemos para que descubra a trama. Mas ele é também falho. Revela hipocrisia nas suas opiniões e atitudes. Ninguém ali é perfeito. Não há maniqueísmos.
Um fato curioso sobre Festim Diabólico é que ele é mais lembrado pelo enorme desafio técnico do que por essas nuances de seus personagens. É até justificável, já que Hitchcock fez o que seria impensável na época: filmar uma história em "tempo real", com o menor número de tomadas possíveis e mascarar os cortes para dar a impressão de continuidade, como se todo o filme tivesse um único plano-sequência. Empreitada hercúlea, sem dúvida. Mas relativizada pelo próprio Hitchcock, que considerou a ideia absurda, pois "renegava minhas teorias sobre a fragmentação do filme e sobre as potencialidades da montagem para contar visualmente uma história", conforme disse em entrevista a Truffaut.
Mesmo assim, o cineasta se aproveitou da técnica para conferir uma maior carga emocional para a trama, através do movimento dos atores pela sala e a tensão crescente cada vez que um deles chegava perto do baú (um personagem por si só), e torná-la mais intimista, já que, a medida que a projeção avança, os closes e detalhes, como o da arma do crime (uma corda) usada para amarrar livros, nos jogam no centro do arco dramático e nos transformam em cúmplices do assassinato, causando um óbvio desconforto. Além disso, foi o primeiro filme em cores de Hitchcock, o que só aumentou o caráter experimental do longa-metragem, que, por exemplo, buscou soluções para compor um pôr-do-sol razoavelmente crível pela janela do apartamento.
Classificado por seu criador como uma "experiência perdoável", Festim Diabólico não só é perdoável como também é um dos melhores filmes de Hitchcock, justamente por seu princípio de desconstrução. Se o cinema descobriu a eficácia da montagem e dela se utilizou para aprimorar a sua narrativa e linguagem, fundamentando-se como arte, Hitchcock mostrou que era possível encontrar alternativas a esse modelo sem cair na armadilha de tornar a produção uma peça de teatro filmada. Coisa de mestre.

Cena de abertura do filme