segunda-feira, 26 de abril de 2010

Trilogia do trash

Até hoje tem gente que se pergunta o que um cara como Peter Jackson fez para conseguir se firmar como um dos principais diretores de cinema de Hollywood. A saga de Tolkien nos cinemas não era um projeto barato, não admitia riscos, mas, ainda assim, Jackson, famoso por seus filmes de terror de baixo orçamento, foi contratado. A razão? A única, a meu ver, é o poder criativo que ele possui e que seria fundamental em “O Senhor dos Anéis”. Sim, porque pode até não parecer, mas fazer um trash bem feito não é para qualquer um.
Desprezadas por quase todos os estúdios, essas produções funcionam, além do divertimento, como um verdadeiro laboratório para novos cineastas, que se viram como podem para buscar soluções bem sacadas para os problemas que as envolvem, finalizar o projeto e, com sorte, levá-las a algum festival ou mostra – se não, ainda há a possibilidade cada vez mais útil da divulgação pela internet.
Jackson começou assim, com sua própria câmera, juntando amigos em um fim de semana, nas folgas do trabalho, para as gravações. Desse modo peculiar, deixou um legado para aqueles que vibram com obras do gênero. Na verdade, uma trilogia (o cara antecipou a moda sem saber). Já havia assistido às partes um e três, digamos: “Náusea Total”, de 1987, e “Fome Animal”, de 1992.
O primeiro até que tem uma premissa interessante, mas o filme é muito “costurado”, o que compromete a “qualidade” final. Isso se explica, pois se tratava de um curta-metragem de 10 minutos, que foi mudando e crescendo, durante quatro anos, até se tornar um longa. Ou seja, muita coisa ficou pelo caminho. O que não quer dizer também que não seja possível apreciar as cenas sanguinolentas e todo o tipo de atrocidades e escatologias que estão presentes na história, que narra a chegada de extraterrestres ao nosso planeta com o objetivo de estocar carne humana para vender como alimento numa rede intergaláctica de fast-food.
Já “Fome Animal” foi o que mais rendeu notoriedade ao diretor. E não é pra menos. Tem cenas antológicas, como a do padre “dando porrada em nome do Senhor” e um mito do “macaco-rato”, tirado sabe-se lá de onde, para iniciar a história. Melhor (ou pior) do que a criatura é a antagonista, uma mãe super-protetora que se transforma em uma morta-viva, dá início a uma epidemia na cidade e deixa a vida do filho ainda mais desesperadora. Sem contar com o bebê-zumbi, que arranca gargalhadas cada vez que surge em cena.
Os “efeitos especiais” e maquiagens atingiram o auge (na medida do possível) em “Fome Animal”, mas isso só aconteceu porque Jackson teve nesse intervalo um exercício e tanto. Estou falando de “Meet the Feebles”, ainda inédito no Brasil, que baixei da internet e assisti na última semana. E uma coisa posso dizer: é sensacional. O melhor dos três, sem dúvida. Como não foram utilizados atores de carne e osso (alguns fantasiados apenas), ficou muito melhor para criar o clima grotesco.
Esse “muppets às avessas” retrata os bastidores de um popular espetáculo teatral, que abriga personagens sórdidos, sem moral alguma: o chefe, um leão-marinho, é casado com a estrela do show, o hipopótamo fêmea Heidi, mas tem um caso com uma gata siamesa e comanda uma rede de tráfico de drogas com a ajuda de seu assistente, o rato Trevor, que, por sua vez, corrompe fêmeas para fazê-las trabalhar como atrizes pornôs; temos ainda um coelho viciado em sexo, que tenta a todo custo esconder que contraiu uma doença venérea, e um sapo veterano da guerra do Vietña, que trabalha como atirador de facas, mas só faz matar seus ajudantes. O único inocente nessa história toda é o porco-espinho Robert, que se apaixona por uma cadela e busca o seu happy end.
A trama vai detalhando as histórias de cada personagem em uma crítica cruel às pressões do showbizz, inclusive por meio de uma mosca-repórter, que, doida por um furo de reportagem, mergulha, literalmente, na podridão que inunda aquele ambiente. E o filme fecha com chave de ouro, em uma cena feita para lavar, com sangue, a alma de quem repudia tudo aquilo que ali foi apresentado.
Hoje, Jackson enfrenta ainda o preconceito e a resistência de quem acha o cinema fantástico uma bobagem (coitados) ou que os efeitos especiais não devem ter tanta importância. Mas se, nesse caso, eles estiverem a serviço do roteiro e não o contrário, pronto, não tem argumento que possa diminuir o seu valor. Talvez não gostem dele porque teve a coragem de fazer o que muitos críticos não tiveram: meter a mão na massa.





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