segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Disputa do Oscar tem início com campanha contra Fernanda Torres

 

E começou a campanha de difamação contra Fernanda Torres para barrar sua ascensão nas apostas para o Oscar 2025, por ainda estou aqui. A atriz teve de pedir desculpas por um quadro de Blackface que fez no Fantástico há 17 anos. 


Escrevi sobre a política do Oscar como prêmio da indústria no Diário do Pará:

 


Premiar ou não premiar? Eis a questão

Puxando rapidamente da memória, qual filme você considera mais marcante: “Cisne Negro” ou “O Discurso do Rei”? “O Segredo de Brokeback Mountain” ou “Crash – No Limite”? Se suas respostas foram os primeiros indicados, saiba que eles perderam o Oscar de melhor filme para o segundo da pergunta em seus respectivos anos.

Esses são apenas dois exemplos de como funcionam as premiações da indústria americana. E até a estatueta dourada está careca de saber que todo o esquema de votação envolve muita politicagem, lobbies e dinheiro para marketing e divulgação. Quem não lembra da nossa Fernanda Montenegro injustiçada em 1999, perdendo o Oscar de Melhor Atriz para Gwyneth Paltrow por um filme que ninguém lembra mais, chamado “Shakespeare Apaixonado”?

Naquela época, a Miramax, dos enrolados irmãos Bob e Harvey Weinstein, dava as cartas no evento, após campanhas regadas a muitos brindes e festas. Com o passar dos anos, a Academia, responsável pela premiação, mudou diversos critérios para tornar a votação mais transparente e ampla, mas o poder da grana ainda move os estúdios. É só ver a influência que a Netflix tem hoje, emplacando muitas indicações (algumas bem duvidosas, diga-se).

Mas porque esse preâmbulo todo sobre o Oscar? Para falar sobre a discussão das possíveis indicações do brasileiro “Ainda Estou Aqui” na premiação, principalmente de Fernanda Torres como atriz. E para dizer que, independente de ter indicações ou não, isso não diminui em nada o valor da obra e nem deve ser motivo de frustração para quem gostou do filme. Como dito, deixar de estar em uma lista como essa não rebaixa a qualidade de uma obra, já que o cinema é muito mais complexo, rico e multifacetado do que a indústria de um país pode fazer parecer.

Fernanda foi indicada ao Globo de Ouro, mas terá pedreiras como adversárias, no nível de Cate Blanchett, Tilda Swinton, Angelina Jolie e Nicole Kidman. No meio de tanta atriz queridinha da indústria, estar aqui já é motivo de celebração.

Os memes da internet são divertidos, sendo uma característica dos brasileiros pós-redes sociais em botar toda energia em algo, mas sempre com o risco de colher frustração mais na frente. Fernanda continua maravilhosa, o filme continua sendo comovente e um retrato histórico importante da nossa sociedade.

 Por fim, uma pequena moral da história: não deixe que seus gostos por filmes sejam influenciados só por premiações e burburinhos. Acrescente suas próprias percepções e vivências na equação. E bons filmes! (Publicado originalmente no Diário do Pará)

 

O indecifrável David Lynch


Com sua obra inquietante e indecifrável, provocou reflexões e subverteu a violência como estética cinematográfica




Aos poucos vamos nos despedindo daqueles que construíram nossas percepções culturais por diversos motivos e diferentes maneiras nas últimas décadas. David Lynch foi um deles. Com sua obra inquietante e indecifrável, provocou reflexões, atirou na cara da burguesia a própria hipocrisia e subverteu a violência como estética cinematográfica, potencializando o surrealismo como movimento e linguagem.

Lembro que minhas primeiras impressões de Twin Peaks (ainda na época da transmissão na Rede Globo) não foram das melhores, assim como de Veludo Azul. Era esquisito e rebuscado demais para uma mente jovem, ainda em construção. Mas essa má impressão inicial foi se diluindo com o tempo e após assistir obras mais “palatáveis”, como “Homem Elefante”, “Corações Selvagens” e “Duna”.

Revisitando “Twin Peaks” como calma e seguindo a ordem cronológica (incluindo os filmes e a terceira temporada), me apaixonei por todas as idiossincrasias e semiótica presentes ali. Tanto que tatuei símbolos da série no corpo. Era algo novo e inovador na televisão americana, acostumada a séries procedurais e enlatados juvenis. A história de um assassinato que mobiliza uma cidade com os tipos mais esquisitos possíveis reunia todo tipo de enredos reais, culturais e metafísicos, com a trilha sonora arrebatadora de Angelo Badalamenti. A partir da segunda temporada, com a revelação do assassino, a série tomou proporções cada vez mais surreais, sustentada apenas pelo livre olhar do seu criador sobre o mundo que o cerca.

Lynch fez poucas concessões ao cinemão americano. Preferia manter seu próprio círculo de colaboradores, em frente e por trás das câmeras. Seu cinema era para se sentir e não fazer sentido. Era para especular, decantar dentro da mente por dias, meses e anos. Era feito para chocar e emocionar, dentro de algumas proporções meticulosamente graduadas. Um apaixonado pelo cinema, pela vida e pela morte, não afeito a cultos e celebrações, nem celebridades. Tratava seus atores iguais, sejam grandes estrelas como David Bowie ou atores iniciantes.

Lynch nunca gostou de explicar nada, como muitos cineastas fazem hoje em dia. O que está na tela basta por si só. Nada faz sentido e tudo vai passar. É inacreditável que a maior parte da sua obra não esteja disponível nos streamings, sendo possível alugar algumas no Prime Vídeo. O único com alguns filmes em catálogo é a Darkflix, plataforma nacional voltada para o cinema de horror e fantástico. Vale também buscar pelos torrents e stremios da internet. O próprio Lynch aprovaria isso. (Texto originalmente publicado no Diário do Pará)