segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O Espírito da Culpa






Na Praia À Noite Sozinha (2017) foi uma espécie de meu “debut” no cinema do sul-coreano Hong Sang-Soo, apesar de já ter ouvido falar muito de sua obra. Principalmente pelas polêmicas que cercaram o diretor. Ele e a atriz Kim Min-hee ganharam os tabloides orientais com a descoberta de que eram amantes em 2015. Dois anos depois, se reuniram novamente, para expurgar as próprias culpas, no filme que rendeu à Min-hee o prêmio de melhor atriz em Cannes.
Filmado inteiramente com planos fixos (que lembra os recortes do mestre japonês Yasujiro Ozu), com poucos cortes, cercados por apenas alguns movimentos e zooms propositalmente grosseiros, Na Praia é um filme contemplativo, de observação. Mais do que as belas e frias paisagens da Alemanha e da Coreia, a história se constrói nos diálogos aparentemente banais e nas longas sequências de silêncios reflexivos ou constrangedores.
Assim, aos poucos, vamos descobrindo que Young-hee (Min-hee) é uma jovem atriz que largou a carreira após seu envolvimento com um diretor bem mais velho e casado vem à tona. Ela decide viajar para Hamburgo, cidade alemã, para fugir dos escândalos e, na volta para a Coreia, encara julgamentos, desconfianças e solidariedade de todos que a cercam. Os conflitos quase sempre se iniciam em noites de confraternizações, onde o teor alcoólico determina os embates emocionais. É preciso uma boa dose de paciência para absorver a obra, experiência cada vez mais rara, em um tempo onde blockbusters precisam de uma montagem esquizofrênica para dar certo.
Sang-Soo ainda abre espaço para o realismo fantástico, inserindo relances de uma figura misteriosa, sem identidade, que encarna uma espécie de espírito de culpa, responsável pelas transições entre os capítulos do filme e por “carregar” as dores da protagonista. Há ambiguidade presente em outra sequência, entre o sonho e a realidade. Aqui reina a metanarrativa, em que o criador vira o eu-lírico da película, em um discurso sufocante sobre o amor e o cinema, em mais um banquete etílico.
Nesse momento, o espectador já compreendeu que Sang-Soo expõe a si próprio, indo do carrasco à vítima, sem romantizar demais o ritmo da história ou impor uma trilha agridoce. Não é a toa que o plano mais longo é da atriz sentada no cinema, sozinha, assistindo a um filme que nunca sabemos qual é. Talvez seja seu próprio espelho ou da sociedade que a cerca. Mas, afinal, não é isso que todos os filmes são?