segunda-feira, 3 de julho de 2017

Entre porcos, formatos e polêmicas

Em maio deste ano, Okja (2017) causou polêmica no Festival de Cannes. Para começar, é um dos lançamentos da Netflix no serviço de streaming (entrou no catálogo no dia 1º de junho). E o filme do sul-coreano Bong Joon-ho concorreu à Palma de Ouro mesmo sem chegar primeiro aos cinemas e, sim, nos televisores dos assinantes do serviço. O presidente do Júri, o cineasta Pedro Almodovar, disse que a obra não deveria estar ali por ser feita para a TV. A exibição foi vaiada. E as autoridades francesas reclamaram que as leis do País não estavam sendo cumpridas (a carência de um filme ser lançado no cinema e liberado para os canais de televisão, por lá, é de 36 meses).
Discussões sobre acesso de produções cinematográficas à parte - já que se trata de um tema complexo que envolve debates sobre democratização cultural, enquadramentos e adaptações de narrativas -, a questão é que temos um bom filme, no fim das contas. Isso se deve ao talento de Joon-Ho (que fez coisas excelentes como Mother e Memórias de um Assassino). Ele sabe muito bem para qual tipo de mídia está filmando (mas nem pense em assistir em um celular!). Por isso, não investe em grandes espaços e muita profundidade de campo.
Pelo contrário, filma quase tudo em planos fechados ou pequenos cenários. Bem diferente do que fez no ótimo O Hospedeiro, onde a cidade de Seul é um personagem da história. Entretanto, adequado ao outro grande filme que dirigiu, O Expresso do Amanhã, feito quase todo em um trem. As exceções são as cenas onde rola um carnaval de rua e o abatedouro que parece um campo de concentração nazista. Mas há enquadramentos ousados, como um filmado de cima para baixo, reforçando o vazio existencial de um personagem.
O elenco estelar todo interpreta no limite da caricatura (menos Seo-Hyun Ahn, a protagonista mirim, um oásis de normalidade em meio ao pastiche), mas faz parte da intenção do diretor/roteirista, onde o esquisito reforça as críticas sociais, que vão do mundo corporativo, as indústrias alimentícias, a alienação coletiva e o nazismo. Sobra até para as entidades de defesa dos animais. Tilda Swinton está ótima como a empresária ambiciosa e burra e sua contrapartida gêmea, completamente oposta. Paul Dano tenta dar um certo ar de elegância e poder, que não existe, para o ativista ambiental. O personagem mais estranho é o mimado apresentador de TV e “especialista” em reino animal, feito pelo astro Jake Gyllenhall, que apela para maneirismos na fala e nos trejeitos.
É uma pena que o roteiro tenha problemas de andamento e seja pobre em recursos narrativos (a explicação para a criação das fazendas de “superporcos” não convence), empobrecendo bastante a experiência pretendida pelo coreano. Por outro lado, é importante destacar os efeitos especiais, que transformam os porcos geneticamente modificados em criaturas simpáticas e desengonçadas, mas extremamente reais. As últimas cenas delas causam um grande impacto no espectador, mostrando como são inteligentes e sabem do seu destino cruel.
Independente da plataforma em que foi lançado, Okja só mostra que é possível fazer bons filmes fora do esquema de distribuição das grandes redes de cinema. É claro que a melhor experiência para assistir um filme (e a mais desejada pelos criadores) ainda é a tela grande. Mas as alternativas estão na mesa e ver uma produção como essa na sala de casa não inviabiliza sua importância como produção cultural audiovisual.