Em maio deste ano, Okja (2017) causou polêmica no Festival de Cannes.
Para começar, é um dos lançamentos da Netflix no serviço de streaming
(entrou no catálogo no dia 1º de junho). E o filme do sul-coreano Bong
Joon-ho concorreu à Palma de Ouro mesmo sem chegar primeiro aos cinemas
e, sim, nos televisores dos assinantes do serviço. O presidente do Júri,
o cineasta Pedro Almodovar, disse que a obra não deveria estar ali por
ser feita para a TV. A exibição foi vaiada. E as autoridades francesas
reclamaram que as leis do País não estavam sendo cumpridas (a carência
de um filme ser lançado no cinema e liberado para os canais de
televisão, por lá, é de 36 meses).
Discussões sobre acesso de produções cinematográficas à parte - já que
se trata de um tema complexo que envolve debates sobre democratização
cultural, enquadramentos e adaptações de narrativas -, a questão é que
temos um bom filme, no fim das contas. Isso se deve ao talento de
Joon-Ho (que fez coisas excelentes como Mother e Memórias de um
Assassino). Ele sabe muito bem para qual tipo de mídia está filmando
(mas nem pense em assistir em um celular!). Por isso, não investe em
grandes espaços e muita profundidade de campo.
Pelo contrário, filma quase tudo em planos fechados ou pequenos
cenários. Bem diferente do que fez no ótimo O Hospedeiro, onde a cidade
de Seul é um personagem da história. Entretanto, adequado ao outro
grande filme que dirigiu, O Expresso do Amanhã, feito quase todo em um
trem. As exceções são as cenas onde rola um carnaval de rua e o
abatedouro que parece um campo de concentração nazista. Mas há
enquadramentos ousados, como um filmado de cima para baixo, reforçando o
vazio existencial de um personagem.
O elenco estelar todo interpreta no limite da caricatura (menos Seo-Hyun
Ahn, a protagonista mirim, um oásis de normalidade em meio ao
pastiche), mas faz parte da intenção do diretor/roteirista, onde o
esquisito reforça as críticas sociais, que vão do mundo corporativo, as
indústrias alimentícias, a alienação coletiva e o nazismo. Sobra até
para as entidades de defesa dos animais. Tilda Swinton está ótima como a
empresária ambiciosa e burra e sua contrapartida gêmea, completamente
oposta. Paul Dano tenta dar um certo ar de elegância e poder, que não
existe, para o ativista ambiental. O personagem mais estranho é o mimado
apresentador de TV e “especialista” em reino animal, feito pelo astro
Jake Gyllenhall, que apela para maneirismos na fala e nos trejeitos.
É uma pena que o roteiro tenha problemas de andamento e seja pobre em
recursos narrativos (a explicação para a criação das fazendas de
“superporcos” não convence), empobrecendo bastante a experiência
pretendida pelo coreano. Por outro lado, é importante destacar os
efeitos especiais, que transformam os porcos geneticamente modificados
em criaturas simpáticas e desengonçadas, mas extremamente reais. As
últimas cenas delas causam um grande impacto no espectador, mostrando
como são inteligentes e sabem do seu destino cruel.
Independente da plataforma em que foi lançado, Okja só mostra que é
possível fazer bons filmes fora do esquema de distribuição das grandes
redes de cinema. É claro que a melhor experiência para assistir um filme
(e a mais desejada pelos criadores) ainda é a tela grande. Mas as
alternativas estão na mesa e ver uma produção como essa na sala de casa
não inviabiliza sua importância como produção cultural audiovisual.